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Bolsonaro copia roteiro de Trump e podemos ter ações extremamente violentas, diz pesquisadora
Extrema Direita

Bolsonaro copia roteiro de Trump e podemos ter ações extremamente violentas, diz pesquisadora

A pesquisadora Michele Prado fala sobre os riscos do bolsonarismo em 2022 e divulga seu novo livro.

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Tempo de leitura: 8 minutos.

Via Fórum

Quando o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, perdeu a sua reeleição para o democrata Joe Biden, havia uma expectativa de que os grupos da extrema direita perderiam força e ficariam desmobilizados. Mas, nos Estados Unidos o cenário se deu de outra maneira: os extremistas se mantiveram organizados e nos últimos dois anos tem conquistado apoio para uma agenda anti-LGBT e anti-aborto. 

Em países onde disputou a eleição presidencial, mas perdeu, os partidos da extrema direita aumentaram as suas bancadas, caso do Chile e da Espanha. Nas eleições parlamentares da França, a candidata derrotada Marine Le Pen deve ser uma forte puxada de votos e aumentar a bancada de seu partido, a Assembleia Nacional, no parlamento nacional francês. 

No Brasil as pesquisas indicam derrota para o presidente Jair Bolsonaro (PL), no entanto várias lideranças do bolsonarismo e ex-ministros do governo federal vão disputar a eleição legislativa e com chances de se elegerem. Não à toa, lideranças do campo progressista tem alertado para o fato de que a eleição legislativa para este ano é tão importante quanto a nacional em dois motivos: garantir a governabilidade do próximo presidente e evitar o crescimento da extrema direita no Congresso Nacional. 

Portanto, no Ocidente pelo menos, o cenário que se observa apó a derrota de Donald Trump é um fortalecimento de mobilização contínua da extrema direita, e por que isso ocorre? Para responder essa pergunta conversamos com a pesquisa e escritora Michele Prado, que é autora do livro “Tempestade ideológica”, que trata da ascensão da extrema direita no Brasil. 

Neste momento, Michele Prado está em campanha de pré-lançamento do seu novo livro, que se chama “Red Pill – Radicalização e Extremismo em nome de Deus”. Segundo segundo a autora, “Red Pill, uma expressão muito utilizada nos ambientes digitais da extrema direita que funciona como um grande guarda-chuva para diversas teorias conspiratórias e pode ser o início de um processo de radicalização online para uma visão de mundo extremista e reacionária”. 

Para Michele Prado, a expectativa de um possível declínio da extrema direita com a derrota de Trump era “equivocada pois estavam enxergando um “sintoma” como se fosse a “doença”. Então acreditaram que com Trump perdendo as eleições, isso resultaria em um declínio e não funciona assim.  A “infecção” precede o sintoma. Tanto Trump como Bolsonaro são sintomas, avatares de um processo de radicalização muito mais amplo, com múltiplos vetores e transnacional”, explica.

Fórum – Havia uma expectativa de que com a derrota de Donald Trump houvesse uma desmobilização da extrema direita. Mas, ocorre neste momento o contrário. Como você analisa isso? 

Michele Prado – Era uma expectativa equivocada, pois estavam enxergando um “sintoma” como se fosse a “doença”. Então acreditaram que com Trump perdendo as eleições, isso resultaria em um declínio e não funciona assim.  A “infecção” precede o sintoma. Tanto Trump como Bolsonaro são sintomas, avatares de um processo de radicalização muito mais amplo, com múltiplos vetores e transnacional.  Nem a população que o elegeu desaparece com uma derrota nas urnas e nem as ideias e crenças que as mobilizam. A direita radical e extrema tem hoje uma ampla rede alternativa de influência que se comunica e mimetiza globalmente e potencializa a radicalização pois grande parte desse público consome notícias políticas não mais através da imprensa mainstream, mas através dessas RAI’s (redes alternativas de influência). E com a pandemia, as pessoas passaram muito mais tempo online e ansiedades sendo alimentadas (raciais, demográficas, econômicas) com teorias conspiratórias da extrema direita que muitas vezes se sobrepõem, produzindo uma mobilização extremista ininterrupta. Cada evento político é entendido por esses indivíduos – que estão radicalizados e submersos numa mentalidade conspiratória – como uma peça do quebra-cabeça fictício de uma grande conspiração de “globalistas”, da NOM (Nova Ordem Mundial) e a confirmação (equivocada, claro) de que estavam certos em suas suspeitas. É como cavar e entrar num buraco que nunca tem fim. Pelo menos durante um ano antes da eleição nos EUA, essas redes alternativas de influência da far-right já despejavam diariamente no debate público a teoria conspiratória Stop The Steal (pare o roubo), sugerindo que as eleições seriam fraudadas. Concomitante a esta teoria, havia outras tantas, como a QAnon e a da “grande substituição”. A radicalização estava em andamento e muitos centros de estudo e pesquisa em P/CVE (Prevenção e combate ao extremismo violento) já alertavam para a possibilidade de conflitos violentos no dia da posse, como de fato ocorreu com a invasão ao Capitólio. 

E a radicalização não parou desde então, ao contrário. Uma das estratégias, inclusive verbalizada por Steve Bannon em seu programa de rádio, é agir e incentivar a mobilização extremista localmente: conselhos escolares, condados, prefeituras, estados etc. E é exatamente o que estão fazendo. Infelizmente, a extrema direita está cada vez mais mobilizada. 

Fórum – Neste momento variados grupos da extrema direita têm utilizado a questão dos direitos LGBT para se promover. Estados estadunidenses estão aprovando legislações que proíbem qualquer discussão sobre gênero, sexualidades e LGBTQIA+; a lei aprovada na Florida, inclusive, aponta que os alunos LGBT devem ser expostos aos responsáveis. Essa questão deve marcar a eleição de meio de mandato?

Michele Prado – A ofensiva da extrema direita contra os avanços dos direitos civis da comunidade LGBTQI+ também é global, não restrita aos EUA. Em alguns países, como Hungria e Rússia, já estão em vigor leis semelhantes às propostas pela extrema direita na Flórida (inclusive devem ter servido de inspiração, pois tanto Orbán quanto Putin são cultuados por muitas correntes da  far-right ,principalmente, pelo antiliberalismo extremo.  Especificamente no caso dos EUA, essa ofensiva sinistra parte das facções da direita radical religiosa e seus intelectuais pós-liberais (Iliberais na verdade) e vem de muitos anos, desde a Moral Majority nos anos 80 ( que tinha relações diretas com a TFP – Tradição, Família e Propriedade), ganhou força com a revolta populista/religiosa “Tea Party” nos anos 2000 e agora mais uma vez ressurge com força embalada por teorias conspiratórias como  QAnon, que sugere haver um grande esquema de pedofilia executado por “liberais/globalistas “.  

O que deve ser ressaltado é que o objetivo da extrema direita é retroceder os avanços dos direitos civis para que haja um retorno à uma ordem hierarquizada por gênero, raça, classe social. É uma rejeição radical às conquistas relacionadas aos direitos humanos e à própria Democracia Liberal. E tentarão isso utilizando as ferramentas que a própria democracia liberal fornece, derrubando decisões judiciais estabelecidas e modificando leis por exemplo. 

Outro ponto que nunca podemos perder de vista é que nem tudo é apenas ideologia. O dinheiro também é um fator mobilizador. Nesta ofensiva contra a Disney, por exemplo, pelo governador da Flórida, ao mesmo tempo em que as redes alternativas da extrema direita atacavam sem parar a Disney, também anunciavam lançamentos de streaming e produtos voltados ao público infantil. Esvaziam a credibilidade da Disney para ocuparem seu lugar e monetizarem oferecendo seus produtos. O mesmo pode ser visto aqui no Brasil com a Brasil Paralelo que já está com uma propaganda maciça no youtube oferecendo streaming e curadoria para o público infanto-juvenil. 

Em relação às eleições, sem dúvida marcará todos os debates. A far-right aposta mais uma vez em alimentar um pânico moral utilizando essa questão. As difamações contra a comunidade LGBTQIA+, contra professores, políticos liberais (mesmo aqueles poucos do próprio partido republicano) tomaram proporções gigantescas e transnacionais, é possível observar o uso da palavra “groomer” em vários ecossistemas digitais da extrema direita e até em produtos comerciais. Um influenciador da alt-right americana, por exemplo, Jack Posobiec, criou uma camiseta com a palavra groomer e o símbolo da Disney (as orelhas do Mickey Mouse).  

Fórum – Esse fortalecimento da extrema direita pós-Trump deve servir de alerta ao Brasil? É possível fazer tal relação? Gostaria que você falasse um pouco. 

Michele Prado – Sem dúvida. Essa quarta onda da extrema direita não é um fenômeno local, mas global. 

A “nova direita” brasileira copia da extrema direita internacional todos métodos de manipulação da opinião pública a partir das plataformas digitais, as teorias conspiratórias, as pautas que estão em alta nos EUA e na Europa e os conceitos, conforme examinei e destrinchei no meu primeiro livro “Tempestade Ideológica – Bolsonarismo: A Alt-Right e o Populismo Iliberal no Brasil”.  

Esse público continua consumindo conteúdo da far-right internacional diariamente, desta forma continuam dentro do processo de radicalização. Enquanto isso, o presidente de extrema direita repete todo o script executado por Trump, desde teorias conspiratórias ao avanço contra as instituições para esvaziar a confiança da população nas instituições democráticas e no próprio processo eleitoral. Tem tudo para dar errado e há muita probabilidade de que termos conflitos violentos, ações de extremismo violento ideologicamente motivado.  Infelizmente. 

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