Via LavraPalavra
“A fúria da extrema direita é algo afetivo e irracional, mas também tem origem na razão, é também racionalizada e racionalizadora, pensada e pensante, falada e falante, atuada e atuante: algo em que vemos apagar as fronteiras entre as categorias filosóficas clássicas e entre os domínios que são nitidamente distintos na psicologia dominante e convencional.”
A extrema direita
Sabemos que estamos perante a extrema direita quando notamos pelo menos alguns dos seguintes componentes: a justificação de certos privilégios, a tendência oligárquica e antidemocrática, o autoritarismo, a exaltada hostilidade às políticas redistributivas e outras medidas de igualdade, a crença na a desigualdade natural ou cultural entre os seres humanos, a rejeição ou o desprezo por outras culturas ou religiões, o repúdio veemente ao secularismo e à sociedade multicultural, o nacionalismo, o tradicionalismo, o conservadorismo, o anticomunismo e a oposição radical a todas as esquerdas, bem como o classismo, a xenofobia, o racismo, a mixofobia, o sexismo, a homofobia e outras atitudes preconceituosas e discriminatórias (ver Davies e Lynch, 2002; Rodríguez Araújo, 2004; Mudde, 2010).
É pouco frequente que todos esses componentes da extrema direita sejam apresentados juntos e integrados em uma única doutrina ou programa. O comum é que apenas alguns deles apareçam combinados com outros ingredientes que às vezes permitem que se disfarcem. Temperos neoliberais, individualistas e libertários ou libertaristas, por exemplo, servem atualmente para encobrir posições autoritárias, xenófobas, racistas, classistas, anti-igualitárias e anticomunistas em discursos neo-fascistas como alguns que encontramos na direita alternativa estadunidense, no jovem libertarianismo anti-populista latino-americano, que chamaremos aqui de frente imperialista ultraliberal, no nacionalismo liberal europeu e especificamente em forças como o Partido da Liberdade na Áustria, Vlaams Belang na Bélgica e a Nova Direita na Polônia.
As forças de extrema direita não são distinguidas apenas por sua adoção e possível ocultação dos componentes já mencionados. Além desses elementos que remetem ao conteúdo ideológico de certas crenças e atitudes, a extrema direita também se caracteriza por aspectos formais como a falta de retidão política, a violência, a irracionalidade, a racionalização compensatória e o que Walter Benjamin (1936) chamava de “estetização da política ”para descrever a ênfase na“ expressão” em detrimento do que é expresso (pp. 217-218). Outro aspecto formal característico das posições ultradireitistas é o de sua carga passional ou afetiva, que, embora tenha as mais diversas expressões, tende a assumir um caráter excessivo, exagerado, exaltado, veemente, impetuoso, impulsivo, inflamado, raivoso, irado, furioso ou enfurecido. Essa forma, que aqui será designada pelo termo um tanto vago e bem aproximado de “fúria”, é o que o presente capítulo tentará desvendar em alguns momentos cruciais da história da extrema direita na América Latina.
A fúria da extrema direita
A extrema direita latino-americana, como talvez qualquer outra, vibra e se anima com uma fúria que podemos representar, da maneira mais geral, como um excesso de afeto. Esse excesso deve ser descarregado com atos violentos ou pelo menos transbordar nas mais diversas manifestações: preconceitos, insultos e estigmatizações, palavras graves e humilhantes, zombarias ofensivas, julgamentos tão redundantes quanto infundados, explicações irracionais, raciocínios delirantes, delírios de grandeza, vitimizações e demandas enlouquecedoras, impulsos de vingança por feitos imaginários, escritos que parecem rugir e uivar, discursos grandiloquentes e de ódio latejante, repetições incessantes de signos e sinais. Todas essas externalizações têm um denominador comum: o que é excessivo, exagerado, o que lhes imprime um tom enfurecido.
Isso a que nos referimos é essencialmente afetivo, passional ou emocional, sensível e corporal. Porém, como pode ser visto em suas manifestações, trata-se também de algo comportamental, verbal e intelectual. Na verdade, como bem assinalou Lacan (1964), são as palavras como tais e como supostas ideias, como significantes e como aparências de significados, que afetam o sujeito e, assim, produzem cada um de seus afetos. O produto afetivo, o mais-gozar do próprio Lacan (1969, 1970), é o que se produz pelo derramamento ou transbordamento da operação discursiva. Seu excesso é destacado pelo caráter intrinsecamente excessivo de uma fúria como a que observamos na extrema direita.
Se o afeto já é o excesso de qualquer discurso, a fúria que aqui nos interessa constitui um excesso de afeto que por sua vez é o excesso do excesso de um discurso como o da direita radical: um discurso em si excessivo, exagerado, imoderado, virulento, hiperbólico, redundante, sensacionalista. O verbal e o intelectual, com seus próprios excessos, constituem internamente o enfurecido. Em outras palavras: por mais irracional que seja, a fúria esta relacionada à razão, mas a uma razão que só pode se enfurecer por ser uma razão irracional, perturbada, patológica, excessiva, como a criticada na tradição de Frankfurt (Horkheimer e Adorno, 1947; Honneth, 2007).
A fúria da extrema direita é algo afetivo e irracional, mas também tem origem na razão, é também racionalizada e racionalizadora, pensada e pensante, falada e falante, atuada e atuante: algo em que vemos apagar as fronteiras entre as categorias filosóficas clássicas e entre os domínios que são nitidamente distintos na psicologia dominante e convencional. O próprio objeto desta ciência, o psiquismo que se abstrai dualisticamente de todo o resto, não parece corresponder à fúria de que trataremos: um afeto cujo substrato psíquico individual, além de ser também social, cultural ou ideológico, é indiscernível de seus lados físicos, sejam eles puramente somáticos ou simbólicos e históricos. Algo semelhante, inacessível à psicologia, só poderia ser teorizado adequadamente em uma perspectiva monística como a que se encontra no marxismo, na psicanálise e principalmente na convergência entre um e outro (Pavón-Cuéllar, 2017a).
O que apresentaremos aqui não será uma teorização da fúria, mas uma investigação histórica sobre as formas particulares, das idéias e palavras até as ações externas e transindividuais, nas quais a fúria, compreendida como algo irredutível ao afeto psíquico de cada indivíduo, foi gestada e manifestada pela extrema direita da América Latina durante o último século. Pois bem, para expor as gestações e manifestações da fúria pela extrema direita latino-americana, teremos que contar a história da própria direita radical. Entretanto, ao contar essa história, já estaremos nos referindo constantemente à fúria, uma vez que a extrema direita, como veremos, parece manifestar-se inteiramente em sua raiva. É, com efeito, como se a extrema direita não fosse nem mais nem menos do que a sua fúria: como se o aspecto furioso da extrema direita condensasse no espectro político tudo o que é característico desta posição extrema.
A extrema direita nos dá a impressão de ser uma espécie de fúria política. Tudo parece furioso nela. Sente-se que tal extremo político não só implica um excesso afetivo, mas se confunde com ele. Apreciaremos isso de maneira clara no caso da América Latina.
Dos encomenderos à extrema direita
É difícil estabelecer quando surge a extrema direita latino-americana. Se voltarmos no curso da história, poderemos voltar cada vez mais longe e talvez chegar à rebelião de Gonzalo Pizarro e dos encomenderos[1], no Peru de 1544, contra as Novas Leis promulgadas pouco antes que protegiam os indígenas dos abusos dos rebeldes (ver Drigo, 2006). Encontraremos aí, nesses furiosos defensores de seus próprios abusos, os predecessores dos não menos enfurecidos ultradireitistas de nosso tempo. E certamente não estaríamos errados.
Nem mesmo as idéias mais infames dos encomenderos desapareceram dos pensamentos de seus herdeiros. A herança permanece. A fúria também. Há um ar furioso de família que não engana. O que é mais próximo no tempo nos permite vislumbrar sombras ou espectros do que é mais remoto: a conquista, as exigências, as divisões, as encomiendas. Tudo isso constitui vários dos componentes ideológicos mais fundamentais da extrema direita contemporânea na América Latina, entre eles o racismo tipicamente crioulo e mestiço, o desdém pelas culturas indígenas ou afro-americanas e a justificativa dos privilégios das oligarquias locais. Nossas ações atuais, por mais atuais que sejam, envolvem todos os tipos de reminiscências da história.
O passado se revela sedimentado no presente. Porém, mesmo com todo o novo que se junta ao velho, o inverso não acontece: não conseguimos discernir verdadeiramente a extrema direita do presente daquela do passado colonial de nosso subcontinente. Certamente vislumbramos alguns componentes como o racismo, a crença na desigualdade ou a justificativa dos privilégios, mas faltam outros componentes e, naqueles que não faltam, falta o significado muito particular que hoje atribuímos à extrema direita.
Os ultradireitistas de nosso tempo, ao menos na forma como são concebidos por quem vive na mesma época, já são algo muito preciso e característico, muito composto e complexo, para serem entendidos como seus ancestrais, que certamente participam de sua composição. De fato, quando examinamos com atenção os encomenderos de 1544 e procuramos neles os rostos de nossos ultradireitistas, encontramos um esboço, ainda incompleto, insuficientemente especificado, indefinido, borrado, desalinhado e já demasiadamente distanciado, estranho, irreconhecível: algo em que ainda não reconhecemos a fisionomia da extrema direita como a caracterizei no início e como a representamos hoje em dia.
O nascimento como enfurecimento: um pogrom em Buenos Aires
Nossa representação atual da extrema direita, com seus aspectos ideológicos e formais já expostos, corresponde a um fenômeno contemporâneo relativamente recente, certamente não anterior ao final do século XIX. No contexto latino-americano, seu surgimento talvez poderia ser situado hipoteticamente em três momentos do México revolucionário: em 1911 e nos anos seguintes, a perseguição aos chineses que abordaremos mais adiante; em 1913, o movimento golpista reacionário contra o governo democrático e revolucionário de Madero; em 1915, a fundação da União dos Católicos Mexicanos (UCM) na cidade de Morelia. Essa fundação, de fato, já foi interpretada como a origem da extrema direita mexicana (Solís, 2008). Porém, tanto ao nos determos no terceiro momento quanto ao examinarmos os outros dois que o precedem, sentimos que ainda não conseguimos discernir a extrema direita e que seus componentes ainda se apresentam de uma forma muito segmentada, separada e fragmentária: primeiro a fúria, o racismo e a xenofobia; depois as tendências oligárquicas e antidemocráticas, assim como a defesa dos privilégios e da desigualdade; finalmente o conservadorismo e a rejeição do secularismo.
Os mencionados componentes da extrema direita levarão vários anos para se encontrar e se articular no México, mas antes, na época em que o fascismo italiano nasceu, por volta de 1919, em Buenos Aires, encontramos vários deles já bem sintetizados no que foi chamado primeiro por “Comisión pro-defensores del orden” e depois “Liga Patriótica Argentina”. Essa organização paramilitar, auxiliar da polícia e formada por jovens abastados treinados por militares, protagonizou três lamentáveis episódios na história da Argentina: durante a Semana Trágica de 1919, a repressão massiva de trabalhadores em greve e o único pogrom anti-judaíco que se tenha registro no continente americano, com saldo total de mais de 700 mortes nos bairros populares de Buenos Aires; entre 1920 e 1922, durante a luta conhecida como “Patagonia Rebelde”, o massacre de cerca de 1.500 peões rurais anarco-sindicalistas que haviam entrado em greve na província de Santa Cruz; por fim, em 1930, o golpe que derrubou Hipólito Yrigoyen e que foi comandado pelo militar José Félix Uriburu, apoiado pela oligarquia do país e provavelmente orquestrado pela empresa estadunidense Standard Oil.
A violenta Liga Patriótica Argentina mostra sua fúria em cada uma de suas ações: lançando-se impetuosamente na “caça aos russos”, atacando os transeuntes por sua forma de se vestir, saqueando e destruindo casas nos bairros operários, perseguindo os anarquistas, os comunistas ou “maximalistas” (simpatizantes da Revolução Russa), atacando sinagogas e bibliotecas, incendiando sedes sindicais, espancando, torturando e assassinando centenas de operários, trabalhadores rurais, judeus e estrangeiros (McGee Deutsch, 2003). A melhor elaboração ideológica de toda essa explosão de fúria encontra-se em seu fundador, seu inspirador e principal ideólogo, Manuel Carlés (1875-1946), um furioso defensor dos valores tradicionais da extrema direita latino-americana (Tato, 2006): a pátria e a patriotismo, o “o velho carinho aplicado à terra” (Carlés, 1919, p. 103), mas também “Deus” e a “Ordem” com maiúsculas, bem como “a moral da família fundada no casamento”, o “respeito à autoridade” e a “inviolabilidade da propriedade ”(Carlés, 1920, citado em Tato, 2006, p. 341).
É verdade que o próprio Carlés (1919), ao tentar fazer frente aos “ódios” e às “iras” dos comunistas e anarquistas, nos assegura que fala em nome da “bondade, esperança e alegria” que atribui ao povo que trabalham, o único “saudável e feliz”, bem como de ser “livre, feliz e bom” (pp. 105-106). Porém, mais do que alegria e bondade, o que suas palavras revelam é exatamente a mesma coisa que ele diz lutar contra: a ira e o ódio. Sua fúria é flagrante e tem um tom de guerreiro. Sua estratégia é abertamente beligerante e destrutiva, hostil e exterminadora, o que se verificar facilmente quando concebe os seus adversários como inimigos que devem ser “combatidos em todo o terreno” e como uma doença contra a qual é necessário se “imunizar” por uma “questão de saúde social” (pp. 104-105).
Todo o discurso de Carlés está dominado pela fúria desatada contra seus inimigos e contra o que eles representam. É paixão anticomunista contra as “tendências de dissolução” dos “bolcheviques”, raiva nacionalista contra a “argentinofobia” dos anarquistas e contra a tendência de “olhar para a Europa” dos comunistas, furor racista contra “os índios ociosos que formam tribos selvagens, doentes de medo e mortas de fome”, e exaltação xenófoba contra os “estrangeiros anarquistas”, contra a “peste exótica” dos “estrangeiros”, contra a “perfídia de gente recém-chegada trazendo na alma a derrota de sua vileza” (Carlés, 1919, pp. 104-106). Tanta fúria termina preenchendo o programa político, transbordando e se espalhando generosamente “contra os indiferentes, os anormais, os invejosos e os vagabundos; contra os imorais sem pátria, os agitadores desempregados e os energúmenos sem ideias; contra toda essa escória sem Deus, Pátria ou Lei ”(Carlés, 1920, citado em Tato, 2006, p. 341).
Tanto a fúria transbordada como a xenofobia, o racismo, o nacionalismo e o anticomunismo deixam claro que temos aqui, em Manuel Carlés, um discurso ultradireitista consumado e bem definido como tal: um discurso que podemos hipoteticamente aceitar como o primeiro de seu tipo na América Latina. E ao examinarmos esse discurso, facilmente percebemos que não há intervalo entre o surgimento e o enfurecimento da extrema direita latino-americana. Essa extrema direita, como qualquer outra, já nasce enfurecida no mesmo discurso em que é gestada. Sua matriz discursiva não pode gerá-la senão enfurecida. Sua fúria é inata, constitutiva, consubstancial. Não se desenvolve nem com o tempo nem como efeito das circunstâncias. Já existe desde o início. O tom afetivo deve emergir com o valor simbólico de que deriva (Lacan, 1954). O discurso vem com o afeto que provoca. Certo enfurecimento é o próprio nascimento da direita radical.
Toda a fúria concentrada no judeu: um caso de anti-semitismo no integralismo brasileiro
Na história da extrema direita latino-americana, Carlés e sua Liga Patriótica Argentina inauguram uma primeira etapa que se estenderá desde o fim da Primeira Guerra Mundial até os tempos da Segunda Guerra Mundial e que terá seu apogeu nos anos 1930, sob o impulso dos fascismos do velho continente. A influência proto-fascista ou fascista europeia se fará sentir na Argentina muito rapidamente, por volta de 1927, com a revista La Nueva República, na qual, por meio de escritores como Juan Emiliano Carulla (1888-1968), o nacionalista, se adota a perspectiva nacionalista, monárquica e anti-semita do francês Charles Maurras e da Ação Francesa (Action Française), bem como as visões do fascismo italiano de Benito Mussolini e da União Patriótica do general e ditador espanhol Miguel Primo de Rivera.
O diretor de La Nueva República, Rodolfo Irazusta (1897-1967), e o jornalista Roberto de Laferrère (1900-1963) fundaram em 1929 a primeira organização latino-americana de inspiração fascista, a chamada “Liga Republicana”, que participou junto com a Liga Patriótica Argentina do golpe que levou Uriburu ao poder em 1930. Dois anos depois, no Brasil, durante o regime de Getúlio Vargas, foi fundada a Ação Integralista Brasileira, movimento fascista de massas que dispunha de uma organização paramilitar, os camisas verdes, que não parou de se expandir até sua dissolução em 1937, quando tinha mais de um milhão de membros. O principal ideólogo do movimento, Plínio Salgado, focava o integralismo em sua noção de um homem integral que teria sido mutilado por concepções parciais que reduziriam o humano ao individual, ao coletivo, ao estado, ao econômico, ao sexual, ao racial, etc.
A rejeição contundente ao racismo foi uma característica pela qual o integralismo brasileiro se distinguiu de outros movimentos de extrema direita. Até Gustavo Barroso (1888-1957), talvez o mais furioso dos ideólogos integralistas, rejeitou abertamente qualquer atitude racista, o que não o impediu de emitir um dos mais explícitos e frenéticos discursos anti-semitas da extrema direita latino-americana. De fato, por um paradoxo divertido, esse discurso explicava seu próprio anti-semitismo como uma reação “anti-racista” contra o “racismo invulnerável” dos judeus: teria sido “precisamente por estar contra o racismo” que se devia “combater” o que ele descrevia como “racismo judáico” (Barroso, 1937, p. 209).
É como se a regra anti-racista de Barroso implicasse necessariamente a exceção do racismo dirigido à raça racista. Mas, para o próprio Barroso, os judeus não são culpados apenas de racismo, mas de tudo o que enfurece, que dói e que se repudia, o que justifica queixas incessantes e um rancor ilimitado. Portanto, a fúria, uma fúria queixosa e rancorosa, deve incidir sobre eles, pois são eles e somente eles que teriam forjado a descristianização e a dissolução da sociedade, primeiro através do capitalismo, do liberalismo e do individualismo, e depois, através do marxismo e do comunismo. Tudo isso, segundo Barroso, teria sido forjado pelos judeus. Eles seriam “a principal causa” de todos os males do mundo moderno (Barroso, 1937, pp. 20-21). Depois de ter condenado este mundo ao “capitalismo internacional” e ao “individualismo liberal”, os judeus teriam criado “contra a civilização cristã, à sombra do marxismo judáico e da maçonaria, a máquina de guerra social do comunismo” ( p. 11). É assim que as massas exploradas pelo “capitalismo judaico” seriam agora “conduzidas pelos próprios judeus a uma revolução” (p. 67). A revolução comunista não seria senão a próxima vitória para os mesmos de sempre. São eles que usariam as massas para tomar o poder, como ocorreu na Rússia, que estaria “nas mãos de uma infame camarilha de judeus” (p. 97).
O anticomunismo de Barroso está subsumido em seu anti-semitismo e deriva logicamente dele. Seguindo seu raciocínio, é claro que o comunismo não deve ser descartado apenas por ser judeu, ele é descartado por si mesmo, ainda que se entenda que seja descartavel quando se considera que é de origem judia. O elemento judeu aparece como a verdade oculta do marxismo e do comunismo. O “veneno” do pensamento de Marx é “judaísmo puro” (Barroso, 1937, pp. 70-71). Este mesmo judaísmo é “criador do comunismo” (p. 141). A doutrina comunista seria uma expressão do “misticismo judaico”, a ditadura do proletariado seria “a desculpa sob a qual se prepara a ditadura judaica”, a União Soviética seria um “Estado judeu” e é por isso que o anti-semitismo estaria “proibido por um decreto de Lenin” (pp. 61-63).
Assim como o fator judaico está por trás do comunismo, também está por trás de tudo o que enfurece Barroso. Portanto, toda a sua fúria acaba se voltando para os judeus. O próprio discurso de Barroso retorna reflexivamente sobre seu furioso anti-semitismo e o justifica por tudo o que atribui aos judeus. O judaísmo seria a “destruição sistematizada” e é por isso que Barroso e seu povo deveriam ser “antijudaicos” (Barroso, 1937, p. 12). A onda de anti-semitismo no Brasil e no mundo seria uma “reação instintiva contra a ação nefasta de Israel” (p. 9). Essa “ação subterranea, hipócrita e maléfica do judeu” seria a razão pela qual “temos que fechar as portas e forçá-lo a sair” (p. 76).
O anti-semitismo não seria “por ódio ou desprezo”, mas sim pelo suposto “instinto de conservação” pelo qual os anti-semitas iriam querer “viver livres de um povo piolhento e desalinhado, de uma raça parasita, como qualquer pessoa quer viver livre das pulgas” (Barroso, 1937, p. 75). Uma vez que os judeus foram tão furiosamente degradados e desumanizados, todas as brutalidades contra eles podem ser justificadas, incluindo sua “eliminação completa” no momento do “terrível acerto de contas” (p. 75). A solução final já está contemplada neste discurso em que vemos a fúria ser gestada, assim como aquela que se abateria sobre os judeus europeus naqueles mesmos anos. O campo de batalha dos “acontecimentos” corresponde ao das “palavras”: é o mesmo “cenário” simbólico em que toda a história é contada e feita (Lacan, 1953, p. 259).
O enfurecimento racista e anti-semita na extrema direita latino-americana: dos massacres de chineses às organizações de corte nazi-fascista
O furioso anti-semitismo de Barroso não é um caso isolado na extrema direita latino-americana das décadas de 1930 e 1940. A época do apogeu do nazismo e dos campos de concentração europeus nos oferece inúmeros exemplos de organizações furiosamente anti-semitas em vários países da América Latina: na Costa Rica, o Partido Nazista (1931); na Argentina, a Aliança da Juventud Nacionalista (1937-1943) e a Aliança Libertadora Nacionalista (1943-1955); no Chile, o Movimento Nacional Socialista (1932-1939), o Partido Nacional Fascista (1938-1940), o Movimento Nacionalista (1940-1943) e o Partido Sindical Nacionalista (1943-1945). Essas organizações têm muitos traços em comum: seu anti-semitismo, seu racismo, seu nacionalismo, seu anticomunismo, seu antimarxismo, sua inspiração direta no fascismo italiano e no nazismo alemão, sua germanofilia, sua organização hierárquica e às vezes militarizada, e sua pretensão de transcender o espectro tradicional de direita e esquerda – uma pretensão bem resumida no lema do Movimento Nacionalista do Chile: “nem com a direita, nem com o centro, nem com a esquerda, com o Chile!” (Bragassi, sem data, parágrafo 13).
Algumas das organizações citadas terão vínculos diretos com os nazistas alemães, como será o caso do Partido Nazista da Costa Rica, que, além disso, influenciará o governo costarriquenho, que limitará e até impedirá a imigração de judeus, caracterizando-os – por meio um porta-voz oficial – como “gente desonesta” e como “elementos indesejáveis, perigosos” (Dobles Segreda, 1938, citado por Arias Mora, 2008, parágrafo 23). Outras organizações, como o Movimento Nacional Socialista do Chile, acabarão se distanciando do nazismo, atenuando seu anti-semitismo e se voltando para a esquerda, mas isso fará com que surjam grupos dissidentes, como o Partido Nacional Fascista, no qual se desatará a furia tanto contra o “judaísmo”, que buscaria destruir a “civilização critã ocidental, estimulando os vícios e os defeitos humanos”, como contra o comunismo, descrito como um “movimento eminentemente judeu”, como a “reação de uma raça de sangue sem lei pelo seu predomínio no mundo ”e pelo“ domínio político de toda a humanidade para a raça judaica ”(jornal La Patria, 1939, citado por Guzmán Castro, 2012, pp. 139, 145).
A orientação anti-semita e nazi-fascista da extrema direita latino-americana dos anos 1930 se fará sentir de maneira particular no México, onde há um fenômeno surpreendente de proliferação, propagação e ramificação de organizações de extrema direita, cujos discursos promovem a fúria nacionalista contra os judeus (Pérez-Montfort, 1993). Os nomes dessas organizações são bastante significativos: União Pro-Raça (1930), Ação Revolucionaria Mexicanista (1933), Liga Antijudaica (1935), Confederação da Classe Média (1936), Legião Mexicana Nacionalista (1937), Vanguarda Nacionalista Mexicana (1938) e Partido Nacional de Salvação Pública (1939). Em algumas organizações, como a União Pró-Raça e a Confederação da Classe Média, a furiosa rejeição aos judeus estava inserida em um hispanismo que exaltava a cultura da metrópole espanhola, centrada na linhagem, na hierarquia e no catolicismo e que rejeitava da mesma forma o judeu, o índio americano, os franceses, os ingleses e especialmente os norte-americanos (Pérez-Montfort, 1992). Esta série de rejeições foi precedida, preparada e muitas vezes acompanhada, especialmente no norte do México, pela feroz perseguição contra os chineses, durante a qual, entre 1911 e 1930, 600 membros daquela comunidade foram assassinados em Monterrey, 200 em Chihuahua, mais de 300 massacrados, fuzilados e queimados vivos em Torreón, milhares despejados de suas terras em Durango, Chihuahua e Coahuila, quatro mil confinados em guetos em Sonora e outros sete mil deportados para o campo de concentração da ilha María Magdalena, onde a maioria deles morreu de fome (Gómez Izquierdo, 1992; De Mauleón, 2013).
Assim como o ardor anti-chinês, a chama da fúria antijudaica mexicana é acesa e mantida viva em discursos, nos quais se desenvolvem sofisticados argumentos de cunho nacionalista, racista e xenófobo. Esses argumentos, como costuma acontecer na extrema direita, possuem um marcado elemento delirante de tipo conspiratório e persecutório pelo qual a fúria intrinsecamente irracional é racionalizada. Se essa fúria é apresentada como racional, é sob a suposição de que os próprios chineses e judeus a provocaram, seja involuntariamente transmitindo doenças e degenerando a raça, seja voluntariamente conspirando contra os mexicanos, envenenando-os, explorando-os, prostituindo suas mulheres, pervertendo-os, dividindo-os, fazendo-os se odiar, dissolvendo sua sociedade e fazendo de tudo para dominá-la. Idéias semelhantes emanam dos mais diversos discursos, de rumores espontâneos até maquinações com interesses econômicos e políticos, passando pela fantasia transbordante de jornalistas e escritores mexicanos ou estrangeiros. Muitas das ideias anti-semitas vêm de um texto popular do padre mexicano Vicente Martínez Cantú (1860-1938), que se baseou nos clássicos do anti-semitismo, Os Protocolos dos Sábios de Sião (Anônimo, 1902) e O Judeu Internacional de Henry Ford (1920), para denunciar a “ação nefasta dos israelitas” que “semeiam ódio e ressentimento”, que “inflamam os espíritos a ponto de dividir as classes sociais” e assim conseguem “se servir de nós que nos suicidamos inconscientemente, nos dividindo, para que eles alcancem seu domínio absoluto entre nós, os não judeus” (Martínez Cantú, 1925, p. 147).
Das várias organizações de extrema direita anti-semitas no México, a maior e mais poderosa foi a Ação Revolucionária Mexicanista (ARM), cujos paramilitares, camisas douradas, emulavam os demais encamisados fascistas da época: camisas negras de Mussolini, os camisas pardas hitlerianos, os camisas azuis franceses, os camisas verdes integralistas do Brasil e os camisas prateadas estadunidenses. Os militantes da ARM, liderados pelo ex-general villista Nicolás Rodríguez Carrasco (1890-1940), usavam chapéus, botas, cassetetes e às vezes armas de fogo, gritando os slogans “Morte ao comunismo!” e “México para os mexicanos!” e, assim como os da velha Liga Patriótica Argentina, desataram sua fúria tanto sobre os comunistas e trabalhadores em greve quanto sobre aqueles que descreveram como “judeus apátridas” e “biologicamente degenerados”, a quem ameaçavam, extorquiam e que respeitavam apenas em troca de recursos para sua organização (Gojman de Backal, 2000, pp. 164-212).
Outra organização anti-semita mexicana que também teve grande importância na época, tanto por sua influência quanto por seu número de membros, foi a Confederação da Classe Média, que, em uma surpreendente carta aberta de 1939 dirigida a León Trotsky – então refugiado no México –, alegou que o movimento comunista era um “movimento judaico para extinguir os ódios semitas contra os ‘boxy’ ou ‘cães cristãos’, prostituindo e comprando a consciência dos homens mais abjetos e cruéis com almas judias” ( citado por Yankelevich, 2002, p. 83). É assim que o judaísmo, tal como concebido pelos anti-semitas mexicanos, acaba sendo transmitido aos não judeus. O significante se move e “significantiza” tudo em seu caminho (Lacan, 1963, p. 204). Ao menos nos desfiladeiros discursivos, qualquer um pode ser judeu quando se trata de encontrar um objeto para o sujeito afetado pela fúria.
Oligarquia e sinarquismo: a fúria entre os capitalistas colombianos e os católicos mexicanos
O elemento racista-anti-semita e o parentesco nazifascista não estavam presentes ou tão presentes em todos os movimentos de extrema direita latino-americanos das décadas de 1930 e 1940. Naqueles anos, em alguns países, havia também uma extrema direita centrada nas tradições e situações locais ou nacionais e relativamente descentralizada em relação à conjuntura internacional. É o caso da Ação Patriótica Econômica Nacional (APEN) da Colômbia, fundada em 1935 e formada por proprietários de terras e oligarcas da indústria, do comércio e das finanças, que não hesitavam em se apresentar orgulhosamente como “capitalistas” (Soto, 1935 , p. 1).
A APEN coincide com os movimentos nazi-fascistas da época tanto por sua fúria nacionalista e anticomunista quanto por sua alegação de ter transcendido o espectro direita-esquerda, mas se distingue da maioria deles por sua fervorosa adesão ao capitalismo e por sua orientação ultraliberal, de oposição furiosa a qualquer intervencionismo estatal e especialmente aos impostos e à redistribuição da riqueza. O discurso da APEN dirige uma fúria mesquinha e gananciosa contra o Estado, contra os “políticos profissionais”, contra a “burocracia que é inferior em qualidade e superior em número a cada dia”, contra a concepção dos impostos “como um benefício para a classe proletária”, contra a “consciência oposta ao capital”, contra a “propaganda subversiva” e contra as “doutrinas de abolição da propriedade privada e de desaparecimento do capital” (Soto, 1935, p. 13).
Em contraste com a composição reduzida e oligárquica da APEN colombiana, a União Nacional Sinarquista (UNS) mexicana, fundada em 1937 e existente até hoje, será um grande movimento de massas composto por centenas de milhares de camponeses e trabalhadores principalmente das classes médias e populares. Além disso, também de forma diferente da APEN, a UNS não é de forma alguma um movimento capitalista ultraliberal e antiestatista, mas admite o intervencionismo do Estado e é claramente alimentado pelo fascismo e pelo nazismo, bem como pelo hispanismo, de que já nos referimos, e que também teve grande influência em vários grupos nazi-fascistas mexicanos do mesmo período. Entretanto, ao contrário de alguns destes grupos, o sinarquismo teve uma maior difusão no meio rural e não se distinguiu pelo seu racismo, mas sim pelo seu caráter marcadamente católico, anti-revolucionário, conservador e tradicionalista que o aproxima do falangismo espanhol e que se explica devido a sua origem nas milícias cristeras que se opuseram entre 1926 e 1929 às políticas do governo revolucionário para limitar o poder social, econômico e político do clero no México.
A UNS, aliás, adota várias posições características da extrema direita da época, entre elas o anticomunismo, o antimarxismo, o nacionalismo, uma certa dose de anti-semitismo e a suposta superação do espectro direita-esquerda. Os sinarquistas proclamam a unidade, “a fé católica, as tradições hispânicas, a família, a cidade em que se vive, a ordem política cristã” contra os inimigos, que são “os bolcheviques, os ‘gringos’ do norte, os maçons, protestantes e judeus” (Meyer, 1979, pp. 32-33). Estas posições foram bem justificadas pelos grandes ideólogos do movimento, como Juan Ignacio Padilla, Manuel Torres Bueno e os irmãos Alfonso e José Trueba Olivares, e foram sintetizadas no termo “SINARQUIA”, formado etimologicamente pelo grego syn – “com” – e arché – “autoridade” ou “ordem” -, que é apresentado como o termo oposto ao anarquismo: antônimo com o qual se designa a oposição à “anarquia do liberalismo decadente e do comunismo ateu” (Hernández García de León , 2004, p. 155).
O discurso da UNS libera sua fúria contra o sonho de uma “sociedade sem governantes e sem leis” (Comitê Organizador Sinarquista, 1937, para. 2), mas também contra “a tendência comunista que busca fundir todas as pátrias em uma única república universal” (par. 16), contra “a classificação antipatriótica e tendenciosa que divide os mexicanos em esquerda e direita” (par. 17) e contra “a luta de classes que, além de desmantelar o país, torna infértil sua economia” (Parágrafo 22). Essas atitudes beligerantes serão agravadas e radicalizadas no ideólogo mais conhecido e polêmico do sinarquismo, Salvador Abascal Infante (1910-2000), que liderou o movimento em seu auge, entre 1940 e 1941, e que também foi um defensor frenético da Inquisição, da infalibilidade papal e do colonialismo espanhol. Abascal se caracterizava por se apegar a certas entidades simbólicas do passado com tal fúria que devia repudiar todas as mutações e acréscimos subsequentes. Não há tempo, em um discurso como o de Abascal, para qualquer transformação histórica, mas apenas para o instante eterno das origens: o do significante-mestre reiterado continuamente em um discurso monótono em que o sujeito para de insistir e no qual só existem predicados para neutralizar a história e revisá-la em função do sujeito (Lacan, 1970).
Duas operações do furioso anti-semitismo do pós-guerra: as especulações dos revisionistas mexicanos e as ações dos tacuaras argentinos
No último quarto do século XX, Abascal Infante dedicou-se a escrever uma série de livros, exemplos eloqüentes do revisionismo histórico de extrema direita, pelos quais distorce toda a história do México, descrevendo a Revolução Mexicana como “anti-mexicana” (Abascal Infante, 1978) e caracterizando o democrata liberal Benito Juárez como “marxista” (1999) e o presidente Lázaro Cárdenas como “comunista” (1988) . Muitas vezes, nestes livros e em outros, Abascal Infante falha em conter sua fúria contra ateus, socialistas, maçons, democratas, capitalistas e ianques, todos eles assimilados ao “judaísmo” que usaria o poder americano para “obter o domínio econômico, político e cultural do mundo: primeiro por meio de bancos internacionais; posteriormente, também, por meio do socialismo financiado por esse mesmo Banco ”(1983, p. 210).
Salvador Abascal Infante não foi o primeiro nem o único revisionista de extrema direita na América Latina. Vários anos antes de suas mencionadas falsificações da história do México, já temos a obra-prima latino-americana do revisionismo e da negação, World Defeat, escrita por outro mexicano, o furioso anti-semita e anticomunista Salvador Borrego Escalante (nascido em 1915). O volumoso livro de Borrego Escalante (1953) não apenas nega o Holocausto e exalta o nazismo, mas também investiga a tese da conspiração judaico-maçônico-marxista para dominar o mundo, culpando o “movimento político judaico” pela Segunda Guerra Mundial (p. 659), reinterpreta a vitória de 1945 como uma “derrota do Ocidente” contra o “marxismo israelita” (pp. 577-580) e imputa a desestalinização e até a própria morte de Stalin ao “poder judeu oculto” (pp. 590-598).
A representação dos israelitas como sempre vitoriosos permite colocar o resto dos seres humanos como sempre vencidos. A derrota mundial, tal como concebida no discurso de Borrego Escalante, pode então servir para justificar a vingança e despertar a fúria dos derrotados, fracassados, vitimados. Mais uma vez, como nos discursos de Barroso, Martínez Cantú e Abascal Infante, a fúria é queixosa e rancorosa, e se volta principalmente contra alguns judeus apresentados como algozes vitoriosos: contra a “conspiração judaico-comunista” internacional, contra as “panelinhas israelitas” que dominam nas sociedades comunistas e capitalistas, contra o “movimento político judeu” que “move a URSS e trai o Ocidente”, contra o “supercapitalismo israelense” e contra o “judaísmo marxista”, contra os hebreus que usam a imprensa, o rádio e a televisão para “minar o Ocidente e ajudar o marxismo” (Borrego Escalante, 1953, pp. 648-662). São sempre variações do mesmo tema. A fúria anti-semita é tão insistente e redundante aqui como em Os Protocolos dos Sábios de Sião, em O Judeu Internacional de Ford e nas obras de Barroso, Martínez Cantú e Abascal Infante.
O anti-semitismo latino-americano do pós-guerra não se manifestou apenas na especulação de conspiração. Também teve manifestações mais consistentes, concretas e palpáveis, como as ações violentas da última grande organização anti-semita da América Latina, o Movimiento Nacionalista Tacuara da Argentina, que operou entre 1955 e 1965 com uma ideologia hispanista, católica, nacionalista e nazista. Furiosamente antijudaico-fascista, anticomunista e antidemocrático, mas também antiamericano, anticapitalista e antiimperialista (Gutman, 2003). Seus membros, em sua maioria jovens estudantes das classes altas, defendiam a educação religiosa, acreditavam em conspirações judaicas internacionais como as fabricadas por Abascal Infante e Borrego Escalante, admiravam Hitler e Mussolini, usavam camisas marrons e saudavam com os braços estendidos. Suas ações foram dirigidas principalmente contra a comunidade judaica e consistiram em profanação de cemitérios, explosões de bombas em sinagogas e ataques violentos a jovens da comunidade, chegando a torturas e assassinatos.
Em 1964, após o assassinato do jovem militante judeu comunista Raúl Alterman por membros de Tacuara, a família da vítima recebeu a seguinte mensagem: “Ninguém mata apenas por matar; seu filho foi morto porque era um judeu sujo.” (Campos, 2016, p. 120). A condição cultural do sujeito é apresentada como causa de sua morte. A causa alegada não é a fúria mortal do assassino, mas o que a desperta: o judaísmo da vítima. Em suma, é como se o jovem judeu fosse uma vítima de si mesmo. Temos aqui um exemplo extremo de revisionismo histórico em que a vítima termina convertida em carrasco.
Qualquer situação pode ser revertida nos discursos em que a extrema direita reescreve a história. Esse movimento retroativo de “historicização secundária” nos permite pressupor outros precedentes que nos levam a outros destinos (Lacan, 1953, p. 259). O ressentimento pode servir para curar o remorso. A raiva de si mesmo facilmente se volta para o outro. Talvez o carrasco finalmente se vingue de sua vítima transmutada em carrasco. É uma das possibilidades que a extrema direita encontra em seu revisionismo histórico. O futuro, com efeito, dependerá de como foi nosso passado.
A Revolução Cubana e a indignação anticastrista: a reconciliação da extrema direita latino-americana com os Estados Unidos
A extrema direita Tacuara não foi o único movimento estudantil e de juventude da extrema direita latino-americana das décadas de 1950 e 1960. Houve muitos outros, embora não focados na perseguição anti-semita, mas no combate anticomunista. No México, destacam-se a Frente Universitária Anticomunista (FUA), nascida em 1954 na Universidade Autônoma de Puebla (UAP), e o Movimento Universitário de Renovação da Orientação (MURO), surgido em 1961 na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Estes dois movimentos foram expressões visíveis de uma extensa rede semissecreta ainda existente, intimamente ligada ao Partido Ação Nacional (PAN) e na qual se destacam no México dois grupos bastante influentes e poderosos (Delgado, 2003): Los Tecos, Aparecidos na década de 1930 na direitista Universidade Autônoma de Guadalajara (UAG), e especialmente El Yunque, fundada em 1952 pelo então aluno Ramón Plata Moreno e concebida por um de seus primeiros membros, Klaus Feldmann Petersen (citado por González Ruiz, 2013) , como “um corpo de combate contra o comunismo, a maçonaria e todos os outros inimigos de Deus e sua Igreja” (para. 8).
O tom agressivo e belicoso da Bigorna mexicana, com o que se delata uma fúria guerreira como a do argentino Manuel Carlés nas origens da extrema direita latino-americana, está em sintonia com a década em que surgiu. É uma das fases mais quentes da Guerra Fria: o tempo do macarthismo e da caça aos comunistas nos Estados Unidos, a Guerra da Coréia, os grandes feitos de libertação nacional no mundo e a guerrilha jaramillista no México. A década culmina com o triunfo da Revolução Cubana, que forçará uma reorganização e reorientação da extrema direita latino-americana. O anti-semitismo, o racismo e o nazifascismo tendem a enfraquecer ou se tornar subjugados em uma luta que é principalmente anticomunista e freqüentemente apoiada, controlada e financiada pelos Estados Unidos. É então que a extrema direita latino-americana se torna “geralmente pró-americana” (Rodríguez Araujo, 2004, p. 2011). A subordinação à CIA e à Casa Branca, junto com uma ideologia bastante fraca e obscenamente capitalista e liberal, ganham terreno sobre a germanofilia e o hispanismo antiamericano, anticapitalista e antiimperialista. A fúria da extrema direita não se extingue, é claro, mas ela prefere se canalizar estrategicamente pela via militar ou paramilitar, por meio da repressão generalizada e sistemática, ou se esconder e se infiltrar de forma insidiosa em vez de se simbolizar abertamente pelas estéreis ilusões de conspiração e a parafernália hispânica ou nazifascista. A política tradicional de extrema direita, com seus movimentos de massa e discursos bombásticos, está dando lugar ao pragmatismo, ao intervencionismo ianque, aos golpes e esquadrões da morte, às guerras sujas e psicológicas.
A transformação que acabamos de nos referir terá de operar de forma diferente em cada país. Na extrema direita costarriquenha, por exemplo, corresponde à transição da Unión Cívica Revolucionaria (1957-1968) do ex-nazista Frank Marshall, caracterizado pelo seu nacionalismo e antiimperialismo, ao movimento anti-castrista e anti-sandinista da Costa Rica Libre (1961 até agora), o que, apesar do espetáculo fascista de seus tridentes e boinas azuis, se limitou a ser um instrumento do imperialismo norte-americano na América Central. Os Estados Unidos, assim, tendem a suplantar a Espanha e a Alemanha como nações de referência para os ultradireitistas, enquanto seus maiores inimigos deixam de ser os judeus e os soviéticos para se tornarem os guerrilheiros comunistas personificados em Fidel e Che.
Antes de marcar o imaginário da extrema direita, o triunfo da Revolução Cubana provocou reações concretas imediatas da extrema direita. A primeira delas foi a criação da Legião Anticomunista do Caribe: organização paramilitar fundada no mesmo ano de 1959 na República Dominicana, por ordens do ditador Rafael Leónidas Trujillo, com o objetivo de invadir Cuba e derrubar Fidel Castro (ver De Paz Sánchez, 1999). Após esta iniciativa pioneira, a reação anti-castrista, anti-comunista e contra-revolucionária dará origem a outras organizações violentas de extrema direita (ver Arboleya, 2000). As mais conhecidas foram duas organizações terroristas vinculadas ao narcotráfico: Alpha 66, formada entre 1961 e 1962, e a Frente Cubana de Libertação Nacional (FLNC), que entre 1972 e 1975 realizou cinquenta ações contra barcos pesqueiros e representações diplomáticas de Cuba. Esses e outros grupos fizeram da capital do exílio cubano, a cidade de Miami, um dos principais pontos de referência e articuladores da extrema direita latino-americana, que, desde 1961, será furiosamente anti-castrista por essência e por definição. Castro em sua ilha, bem diante de seus furiosos adversários em Miami, será fantasiado como o outro no espelho dos ultradireitistas: o outro imaginário que usurpa o único lugar, o deles, e por isso condensa toda a sua agressividade ao mesmo tempo, o que lhes permite reconhecerem-se como o que são versus o que não são (Lacan, 1948).
A fúria mortífera e ininteligente da extrema direita: das articulações aos esquadrões da morte
Foi precisamente durante uma mobilização contra Fidel Castro que foi fundada em 1961 a mencionada MURO do México. Suas primeiras ações, na verdade, consistiram em ataques violentos contra estudantes pró-castristas da UNAM. A posição anticastrista será doravante um denominador comum das organizações estudantis mexicanas de extrema direita que, aos poucos, entre os anos 60 e 70, se multiplicaram, adquiriram cada vez mais poder, estreitaram seus laços com as lideranças universitárias e governamentais e recorreram cada vez mais à violência física. Assim, como estas organizações acabam por se revestir de formas porriles e se tornarem gangues de bandidos, como é conhecido no México os “grupos de membros de gangues a serviço das autoridades universitárias e do governo”, em que se vê convergir “tradição de violência e participação em gangues universitárias de grupos conservadores tradicionais, com as formas corporativas e autoritárias do Estado mexicano” (Ordorika, 2008, p. 462). Além de usar pedras, paus, barras de metal e armas afiadas para atacar seus inimigos, as articulações da extrema direita aplaudem e às vezes apóiam a repressão sangrenta do governo aos movimentos estudantis de esquerda. Já em 1968, enquanto os militares e paramilitares do governo de Gustavo Díaz Ordaz massacravam centenas de estudantes universitários, os militantes do MURO gritavam furiosamente slogans como “Viva Díaz Ordaz!”, “Queremos um, dois, três Ches mortos!” ou “Deixe os guerrilheiros apátridas morrerem!” (González Ruiz, 2014, para. 24).
Os simbolos do MURO, que lembram as camisas douradas com a sua morte ao comunismo! e suas referências aos judeus apátridas, mostram a simplicidade e a necrofilia de um ideário em que apenas pode reivindicar a vida para os assassinos e a morte para suas vítimas. A melhor síntese dessa ideologia minimalista encontra-se nas famosas intervenções com as quais o general de Franco José Millán Astray, não menos estúpido do que sanguinário, apresentou suas furiosas objeções ao discurso de Miguel de Unamuno em 1936: “Viva a morte!” e “morte à inteligência!” (Cercas, 2000, par. 1). Essas duas frases, a segunda convertida em lema do franquismo e em grito de guerra, resumem de maneira eloquente muito do que está em jogo na fúria da extrema direita. Para a junta mexicana de 1968, como para o franquista espanhol de 1936, a raiva é invariavelmente contra a inteligência e não apenas contra a vida.
As articulações anticomunistas mexicanas atingiram sua versão mais brutal e mortal na figura dos falcões, responsáveis pelo assassinato de cerca de 120 pessoas, em 10 de junho de 1971, durante o Massacre de Corpus Christi na Cidade do México. É verdade que os falcões, como muitos grupos de extrema direita, diferem de outras organizações de extrema direita por sua total dependência das diretrizes governamentais, pela falta de uma posição política clara e por seu funcionamento predominantemente oportunista e mercenário. No entanto, além de suas profundas afinidades e laços com os movimentos de extrema direita, os falcões obedeciam à mesma lógica que já conhecemos: não apenas eram furiosamente violentos agindo contra a inteligência e contra a vida, mas foram especialmente recrutados como “fura-greves” e para “controlar os esquerdistas” e especialmente os “estudantes da oposição de esquerda”, e obedeceram à mesma estratégia que o governo mexicano desenvolveu com apoio financeiro à grupos estudantis que rejeitavam “as ideias marxistas e o sistema comunista” (Doyle, 2003, pp. 38-40).
Os falcões mexicanos, com seus comandantes bem treinados nos Estados Unidos, fazem parte de uma estratégia mais ampla do governo dos Estados Unidos e da extrema direita latino-americana que ocorreu em 1966 ou 1967 e operou por quatro décadas. Refiro-me aos grupos militares e paramilitares conhecidos como esquadrões da morte, geralmente formados por jovens de setores populares marginalizados, maltratados e ressentidos contra o resto da sociedade, nos quais uma fúria elementar, muda e cega poderia ser acesa e explorada, silenciosa e insensível, para empreender a carnificina de que eram protagonistas (ver Cano, 2001). Hoje conhecemos os nomes dos mais importantes desses grupos, muitos deles bem doutrinados na ideologia da extrema direita, que perseguiram, estupraram, torturaram, mataram e fizeram desaparecer centenas de milhares de militantes de esquerda em vários países latino-americanos: na Guatemala, entre 1967 e 1982, existiam mais de vinte grupos, entre eles o ESA (Exército Anticomunista Secreto), a NOA (Nova Organização Anticomunista) e o MANO (Movimento Nacionalista Anticomunista Organizado); no Brasil, entre 1969 e 1973, o OB ou OBAN (Operação Bandeirantes); no Uruguai, entre 1971 e 1972, os Comandos de Caça Tupamaros e a Defesa Armada Nacionalista (DAN); na República Dominicana, de 1971 a 1974, a Frente Democrática Anticomunista e Antiterrorista, mais conhecida como La Banda Colorá; na Argentina, entre 1969 e 1976, vários grupos, entre eles o MANO (Movimento Nacionalista Argentino Organizado), o Comando Libertadores da América e o famoso Triplo A (Aliança Anticomunista Argentina); em El Salvador, entre 1979 e 1991, cerca de quinze grupos direta ou indiretamente ligados a Roberto D’Aubuisson e à Aliança Republicana Nacionalista (ARENA), entre eles a BACSA (Brigada Anticomunista Salvadorenha), a FALANGE (Forças Armadas de Libertação Anticomunista – Guerra de Eliminação) e FALCA (Frente Anticomunista de Libertação da América Central); em Honduras, entre 1982 e 1997, o Batalhão 3-16 de Gustavo Álvarez Martínez, destinado a combater os comunistas em toda a América Central; na Colômbia, entre 1996 e 2006, as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), com cerca de 40.000 membros e responsáveis por mais de 300.000 assassinatos.
Embora a maioria dos esquadrões da morte fosse abertamente anticomunista e embora muitos deles tivessem uma boa doutrinação ideológica da extrema direita, todos eles espontaneamente tendiam a agir como mecanismos cegos que só sabiam obedecer a ordens ou impulsos ao ferir, torturar, estuprar, matar, devastar e assolar tudo o que encontrarem no caminho. Os crimes, em geral, não eram mediados por nenhuma consciência, por nenhum escrúpulo e por qualquer exercício intelectual, mas se limitavam a executar de imediato uma fúria destrutiva e assassina, sem inteligência e não apenas inconscientemente. Encontramos aqui novamente, como nos movimentos de extrema direita e nos falcões mexicanos, a realização efetiva de suas fórmulas básicas: vida para a morte e morte para a inteligência. Podemos afirmar então que não há lugar para o vivo ou para o inteligente em uma extrema direita cujo programa acaba coincidindo com o do sistema simbólico do capitalismo: um sistema em que toda vida e toda inteligência devem ser reduzidas, através da pulsão de morte da capitalização, ao significante mais perfeito, o do capital perfeitamente ininteligível e inanimado (Marx, 1866; Lacan, 1956,1963).
A ascensão da extrema direita furiosa: camuflagens mexicanas e ditaduras sul-americanas
Entre 1974 e 1976, depois que as articulações da extrema direita mexicana se espalharam por todo o país e muitas se tornaram maduras, chegamos a um momento de culminação, consolidação e institucionalização da extrema direita mexicana. É o momento em que mais de vinte organizações de extrema direita assinam o Pacto dos Remédios, enquanto se fundam algumas das principais organizações que servirão para camuflar os setores de extrema direita e defender seus interesses no México: o Comitê Nacional Pró-Vida contra o aborto, contra os métodos anticoncepcionais e contra qualquer noção de liberdade sexual; a Associação Nacional Cívica Feminina (ANCIFEM) contra a igualdade de gênero, contra o feminismo e contra a emancipação da mulher; o Desenvolvimento Humano Integral e Ação Cidadã (DHIAC) contra a justiça e a igualdade social, contra as políticas redistributivas e contra os direitos e as demandas mais justas dos trabalhadores.
Alguns dos membros das organizações que acabamos de mencionar estarão intimamente ligados a El Yunque e Los Tecos, bem como a outros grupos semissecretos surgidos posteriormente, como o Movimento Mexicanista pela Integração Nacional (MMIN), fundado em 1970 e ainda ativo na guerra contra a esquerda no México e com certas congregações ultraconservadoras da Igreja, como a Opus Dei, conhecida por sua adesão ao franquismo e outras ditaduras, e os Legionários de Cristo, famosos por seu gosto pelo abuso sexual de menores e pela influência que exercem na sociedade mexicana por meio de entidades privadas como a Universidade Anahuac, o Instituto Cumbres, a FAME (Família Mexicana) e o movimento de apostolado para leigos chamado “Regnum Christi”. Aqui nos deparamos com uma imensa constelação de entidades da extrema direita mexicana que virão a adquirir cada vez mais poder político nas próximas décadas à medida que, por um lado, o governo do centrista Partido Revolucionário Institucional (PRI) se mova para a direita e, por outro lado, o Partido da Ação Nacional (PAN), de direita, vá tomando posições na esfera governamental.
Em contraste com a ascensão relativamente pacífica dos setores de extrema direita no México, temos a situação daqueles países latino-americanos em que a extrema direita, invariavelmente apoiada pelo governo dos Estados Unidos, só conseguiu chegar ao poder por meio de golpes violentos. A primeira foi a Libertação Anticomunista da Guatemala, em 1954, que derrubou Jacobo Arbenz e estabeleceu o regime do Movimento de Libertação Nacional de extrema direita, que se manteve no poder até 1982 e fez uso de seus já citados esquadrões da morte para massacrar várias dezenas de milhares de indígenas e comunistas. Depois, como sabemos, vieram os golpes e as furiosas ditaduras anticomunistas de Alfredo Stroessner no Paraguai (1954-1989), Castelo Branco e demais ditadores no Brasil (1964-1985), Hugo Banzer na Bolívia (1971-1978), Juan María Bordaberry no Uruguai (1973-1976), Augusto Pinochet no Chile (1974-1990) e Jorge Rafael Videla na Argentina (1976-1981). Note-se que vários desses regimes ditatoriais, como o chileno de Pinochet, serviram para desmantelar estados intervencionistas e implementar políticas selvagemente capitalistas, liberais ou neoliberais favoráveis aos interesses do capital norte-americano, mostrando-se assim, mais uma vez, como no caso da APEN na Colômbia, a possível compatibilidade entre os programas da extrema direita e os da doutrina liberal ou neoliberal (Klein, 2007). Na verdade, como bem notou Theotonio dos Santos (1978), era para expandir “a margem de ação liberal do imperialismo” e garantir a “sobrevivência do grande capital” o que se esperava daquelas ditaduras ultradireitistas e de seu “fascismo dependente.” (Páginas 62-67).
Antes dos golpes militares e dos regimes ditatoriais que acabamos de mencionar, em geral havia grupos de extrema direita que pareciam pressagiá-los e que às vezes os preparavam ou simplesmente os favoreciam. No Chile, por exemplo, é necessário referir-se a pelo menos três importantes organizações de extrema direita: o Movimiento Revolucionario Nacional Sindicalista do Chile (MRNS), fundado em 1952 e abertamente anticomunista e antidemocrático; o bizarro Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores do Chile (PNSO), formado em 1964, inspirado no nazismo e com atividades como o concurso de beleza “Miss Nazista” ou a tentativa de estabelecer o braço chileno da Ku Klux Klan; e a Frente Nacionalista Patria e Liberdade, que surgiu em 1971, anticomunista e declaradamente anticapitalista e antiimperialista, mas financiada pela CIA para a realização de vários atos de terrorismo e sabotagem contra o governo democrático de Salvador Allende. Pouco depois, entre 1973 e 1976, na Argentina, duas organizações paramilitares e terroristas surgiram no flanco da extrema direita do peronismo: a Concentração Nacional Universitaria (CNU), fundada e inspirada pelo prolífico filólogo, teólogo, escritor e poeta Carlos Alberto Disandro; e a já mencionada Aliança Anticomunista Argentina, conhecida como Triplo A e dirigida pelo sinistro José López Rega, que se dedicou a perseguir, ameaçar, matar e desaparecer com todos aqueles que situava ba esquerda, sejam artistas, intelectuais, docentes, estudantes, profissionais, sindicalistas ou políticos.
A máquina de perseguição anticomunista passará diretamente dos grupos ultradireitistas para os regimes ditatoriais que viriam a ser concebidos, tanto por seus ideais e estratégias quanto por suas filiações políticas e apoio social, como uma tomada do poder governamental pela extrema direita latino-americana. Pode-se dizer, então, que essa extrema direita consegue uma de suas maiores vitórias na América Latina, talvez a maior de todas, nas ditaduras do conesul. É verdade que tais ditaduras às vezes tentavam disfarçar sua orientação de extrema direita. No entanto, por mais que tenham tentado a camuflagem, como os mexicanos da mesma época, é um fato indiscutível que a maioria dos componentes da extrema direita mencionados no início se encontravam nelas, como o nacionalista, o conservador, o oligárquico, o anticomunista, o antidemocrático, o autoritário, o violento e o furioso.
No que diz respeito à fúria da extrema direita, os regimes ditatoriais conseguem sistematizar e burocratizá-la, administrando-a na esfera governamental e especialmente na militar, canalizando-a, planejando-a e organizando-a em complicados processos de tortura, perseguição, desaparecimento e eliminação de oponentes. Esta furiosa destruição da vida tem um estilo moderno, metódico e sistemático, económico e muito eficaz, que se associa tradicionalmente ao nazismo e com o qual se revela o funcionamento mortal de qualquer sistema simbólico e especialmente do mais completo: o do capitalismo (Marx , 1866; Lacan, 1956, 1969, 1970). A operação implacável do capital também era a da extrema direita nas ditaduras.
A extrema-direita marginal: nazistas, neonazistas e outras gangues enfurecidas
Logo após a democratização dos países com regimes ditatoriais, houve vários surtos marginais de organizações de extrema-direita que aproveitaram a abertura democrática e o relaxamento relativo do controle social para ganhar um pequeno lugar no espaço público (ver Duque, 2012, e Flores de Andrade, 2017). O Paraguai teve por um curto período, entre 1989 e 1993, o Partido Nacional Socialista Paraguaio (PNSP), cuja ideologia abertamente nazista não o impediu de participar de dois processos eleitorais. Na Argentina, entre 1990 e 2009, houve o Partido do Novo Triunfo (PNT), que adotou posições anti-chilenas e soube disfarçar seu nazismo e anti-semitismo com os rótulos de nacionalismo e anti-sionismo. O Movimiento Patria Nova Sociedade (PNS) do Chile, que existiu entre 1999 e 2010, também usou a posição anti-sionista para disfarçar seu anti-semitismo, mas preferiu falar de nacional-socialismo em vez de nacionalismo e foi caracterizado por sua insistência perfeitamente ultradireitista de que não era um partido nem de esquerda nem de direita.
Um caso paradigmático é o do Brasil, onde vemos surgir desde muito cedo, desde o final dos anos oitenta, uma plêiade de organizações de extrema-direita em que podemos distinguir três grupos: os tradicionais nazi-fascistas, como o Partido Nacionalista Revolucionário Brasileiro (PNRB), surgido em 1988 e com uma ideologia ultranacionalista, xenófoba e anti-semita; os neo-integralistas ou continuadores do integralismo, tradicionalistas, nacionalistas, anticomunistas e antiliberais, como a nova Ação Integralista Brasileira (AIB), surgida em meados dos anos 90, e a Frente Integralista Brasileira (FIB), fundada em 2004; e as furiosas gangues de neonazistas e skinheads, geralmente oriundas de cisões dos Carecas do subúrbio, como é o caso dos Carecas do Brasil, homofóbicos, anti-semitas e repressores de drogados, e principalmente o White Power, nascido em 1989, centrado na convicção da superioridade racial dos brancos e extremamente violentos com negros, mulatos, homossexuais, judeus e nordestinos – originários do norte brasileiro.
Os neo-nazistas também formarão grupos mais ou menos violentos em outros países latino-americanos, como o Partido Nacional Socialista do México, o Orgulho Criolo na Venezuela, o Nacional Socialismo Equatoriano, a União Nacional Socialista Radical da Bolívia (URNSB), o Peru Criolo e o Movimento Nacional Socialista Desperta Peru (MNSDP), bem como três organizações colombianas: a Terceira Força Nacional Socialista, a Frente Skinhead e a Juventude Nacional Socialista (NS). Esses e outros grupos análogos compartilham sua fúria contra várias minorias étnicas e sexuais, bem como suas desculpas pela violência e, às vezes, pelo uso de métodos violentos. A juventude, a marginalidade, o pensamento fraco e o ressentimento social de seus membros fazem pensar nos esquadrões da morte e nos grupos e falcões mexicanos. No entanto, ao contrário desses grupos, gangues neonazistas têm uma clara tendência nazifascista e tendem a seguir programas ideológicos mais claros e explícitos, embora ao mesmo tempo atuem de forma mais independente e espontânea, sejam menos organizadas e tenham menos recursos humanos e financeiros, pois geralmente carecem de apoio governamental e não obedecem a uma agenda planejada em Miami ou Washington.
Muito próximas dos grupos neonazistas e às vezes ligadas a eles, mas com maior nível de elaboração doutrinária, existem outras novas organizações de extrema direita latino-americanas cujos discursos chamam a atenção por seu conservadorismo, por seu nacionalismo extremo e pelos inimigos específicos que concentram sua fúria. Por exemplo, no Peru, a fúria contra as finanças, contra os bancos e contra o Fundo Monetário Internacional foi a especialização da Frente de Defesa contra o Agio e a Usura (FREDECONSA) antiliberal e anticomunista, que, dissolvida em 2012, professava o chamado nacional-cristianismo de seu ideólogo Ricardo de Spirito Balbuena, o que o fez também se opor furiosamente a tudo o que foi julgado anticristão, como a homossexualidade, a pornografia, a manipulação genética e a legalização das drogas e do aborto. No México, desde 2006, a fúria contra os ianques é o eixo norteador da Frente Nacionalista do México Século XXI (FRENAMEX), antiga Organização para a Vontade Nacional e Frente Nacional Mexicana, que além de aspirar à reconquista dos territórios mexicanos anexados pelos Estados Unidos no século XIX, reivindicam o Segundo Império de Maximiliano de Habsburgo, lutam pela reincorporação dos países da América Central ao México e exigem a expulsão dos imigrantes haitianos do país. Assim, em relação à América Central e ao Haiti, a extrema direita mexicana procede mais ou menos como os Estados Unidos fizeram com o México. Mais do que uma simples identificação com o agressor, o que parece ser aqui é o cerne do narcisismo das pequenas diferenças: uma confusão com a imagem espelhada a que se liga nosso afeto com seu excesso furioso, nosso amor com seu ódio, nosso apego com sua carga de ciúme e inveja (Lacan, 1948).
A fúria em três frentes da nova ultradireita: a católica semissecreta e camuflada, a escandalosa sexista cristã e a virtual opinológica
A mexicana FRENAMEX e a peruana FREDECONSA, assim como os grupos nazifascistas e neonazistas recentemente abordados, têm influência relativamente fraca na sociedade latino-americana e não ameaçam por enquanto deixar uma marca profunda na história do subcontinente. As ameaças parecem vir de quatro outras frentes da nova ultradireita: uma semi-secreta e camuflada católica, uma escandalosa sexista cristã, outra de um opinólogo virtual e ainda outra através da qual teremos que encerrar a atual jornada: a frente imperialista ultraliberal.
Já nos referimos à primeira frente, a semi-secreta e camuflada católica, particularmente presente no México na forma da rede invisível de Los Tecos, El Yunque e outras entidades disfarçadas através de organizações como Pró-Vida, de associações como o DHIAC e a ANCIFEM e congregações religiosas como os Legionários de Cristo. Por mais fria e calculista que seja a estratégia desta rede mexicana de extrema direita para influenciar a sociedade e especialmente as elites governantes, por mais discretos que sejam os discursos insidiosos com que desenvolve sua hegemonia ideológica, ela ainda é animada pela fúria mortal que poderia se manifestar em violência socioeconômica direta, simbólico-ideológica e estrutural, tão racista quanto de classe, exercida cotidianamente contra os de baixo e de esquerda: contra os indígenas e os mais pobres do país, contra jornalistas e ativistas, contra os estudantes, como os 43 de Ayotzinapa, contra os professores, como os massacrados em Guerrero e Oaxaca entre 2015 e 2016, contra os camponeses, como os assassinados em Arantepacua em 2016, contra os trabalhadores maquiladores e, evidentemente, contra os milhares de supostos membros do crime organizado eliminados em massa por aqueles que eles fazem existir. A perfeita ditadura mexicana pode funcionar tão bem como as outras a que nos referimos, com toda a fúria da extrema direita, sempre a favor do privilégio e da desigualdade, sempre autoritária e antidemocraticamente, mas de forma velada e aparentemente democrática, sem a necessidade de golpes antidemocráticos e sem o risco de processos democratizadores.
A segunda frente que nos deve preocupar, a escandalosa sexista cristã, que é muito mais aberta que a anterior e agora tem sua melhor expressão nos discursos de uma extrema direita brasileira intimamente ligada aos empresários do setor agrícola, com defensores da mão pesada contra o crime e, principalmente, com as igrejas evangélicas e com alguns setores católicos. Talvez seus melhores expoentes sejam os furiosos líderes carismáticos e grotescos Bolsonaro, Malafaia e Feliciano, todos os três igualmente homofóbicos, heteronormativos, machistas, misóginos, defensores do cristianismo brasileiro, adeptos do escândalo público e possuídos por uma estranha fúria injuriosa e provocadora (Saccone, 2016). O primeiro, o político Jair Bolsonaro (nascido em 1955), também se destaca como defensor dos regimes ditatoriais do passado, considera que “os militares salvaram o Brasil da cubanização”, que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”, e que “Pinochet deveria ter matado mais pessoas” (parágrafo 7). Por sua vez, o pastor evangélico Silas Malafaia (nascido em 1958) diz que “ama” os homossexuais como os “bandidos” e defende ferozmente a tradicional família de “homens e mulheres” (par. 15). Por fim, o jovem pastor neopentecostal Marco Feliciano (nascido em 1972), mesclando racismo e homofobia, não hesitou em afirmar que “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição”, que “a maldição da África” vem do “primeiro ato de homossexualidade na história” e que “o caso do continente africano é sui generis: quase todas as seitas satânicas, do vodu, vêm de lá; doenças como a AIDS vêm da África” (para. 13).
A terceira frente da nova extrema direita latino-americana, a opinológica virtual, muito próxima da anterior, embora ainda mais grosseira e vulgar, é formada por jovens influencers: usuários do twitter, blogueiros, youtubers e outras estrelas da internet que se dedicam a divulgar mensagens tipicamente de extrema direita. Dois bons exemplos são os de Callodehacha e Yael Farache. O primeiro, chamado Jorge Roberto Avilés Vázquez (nascido em 1986), é famoso no México por sua misoginia, seu antifeminismo, sua minimização da violência contra as mulheres e o estilo grosseiro e astuto com que espalha sua fúria contra a esquerda e especialmente contra o famoso líder populista Andrés Manuel López Obrador. Essa fúria está bem disfarçada em uma estratégia tipicamente de extrema direita em que a esquerda e a direita são igualmente repudiadas sob o pressuposto de que “todos os políticos são iguais”, o que torna possível minimizar os excessos do regime corrupto, opressor e repressivo de direita, e ao mesmo tempo “desacreditar” seus oponentes (Gómez Naredo, 2017, para. 7-9). As demais tarefas ideológicas gerais desempenhadas por Callodehacha, independentemente das atribuições específicas para as quais seja remunerado, consistem fundamentalmente em dar um ar amigável, sorridente e inofensivo aos discursos da extrema direita, forjando um estilo humorístico em que o inaceitável se torna aceitável, transformando a humilhação do outro em passatempo e diversão, difamam e ridicularizam aqueles que lutam por justiça e igualdade, banalizam a violência e suavizam o mesmo sentimento de ódio que se instala na sociedade.
Algumas das tarefas realizadas por Callodehacha também serão efetivamente cumpridas por Yael Farache Bograd (nascida em 1985), judia-sefardita hispano-venezuelana residente em Miami, que, por meio de um discurso um pouco mais elaborado que o de seu homólogo mexicano, também consegue racionalizar os preconceitos mais irracionais e fazê-los parecer lógicos e sensatos. Alternando suas mensagens provocativas com suas fotos eróticas provocativas e, às vezes, totalmente pornográficas, esta famosa blogueira não apenas exibe obscenamente seu racismo em relação às pessoas de cor e seu ódio à esquerda em todas as suas formas, mas também despreza a democracia (Farache, 2014a), tenta demonstrar a tendência inerentemente violenta do Islã (2014b), professa veneração por Donald Trump, celebra suas propostas para construir um grande muro na fronteira com o México e expulsar milhões de imigrantes dos Estados Unidos (2015), e não hesita em sustentar que existem povos, raças e religiões melhores e piores, “nobres” e “de merda” (2016).
A fala de Farache, com seu tom aparentemente sereno e sossegado, não para de confessar uma fúria irreprimível para com outras culturas e outros povos, para com as diferentes raças e religiões, mas também para com o povo em geral, para com as massas trabalhadoras, para com os imigrantes e eleitores comuns. O comum e o diferente, o aglomerado e o diverso, a generalidade e a especificidade merecem o mesmo desprezo furioso de quem só consegue respeitar a individualidade aparentemente singular de si e de outros como ele, como Trump, tudo captado na superfície especular da tela do computador ou da televisão. A dimensão imaginária é, portanto, a decisiva para qualquer avaliação na perspectiva individualista liberal levada ao seu ponto culminante na extrema direita. Esse ponto parece corresponder ao fundo insondável do narcisismo a partir do qual qualquer imagem de individualidade é modulada (Lacan, 1955). Qualquer um pode sucumbir ao abismo de seu próprio reflexo. Esta também é a extrema direita.
A fúria na frente imperialista ultraliberal
A quarta frente que deve nos perturbar, talvez a mais perturbadora das quatro, é a daqueles jovens latino-americanos que astuciosamente constroem suas furiosas convicções ultradireitistas por meio das racionalizações liberais, neoliberais e libertárias ou libertarianas que geralmente aprenderam em think tanks financiados pelos Estados Unidos e que os ajudam a justificar suas posições anti-comunistas, anti-socialistas, anti-estatistas, anti-intervencionistas e especialmente anti-populistas – opostas aos populismos latino-americanos das últimas décadas (Aharonian e Verzi Rangel, 2017). Esta frente imperialista ultraliberal não só mostra mais uma vez, como os já visto nos golpes militares e nos esquadrões da morte do último terço do século 20, o papel crucial do imperialismo dos EUA na manutenção e fortalecimento da extrema direita na América Latina, mas também corrobora a compatibilidade que pode existir entre tendências de extrema direita e doutrinas ultraliberais: algo que já observamos em ditaduras como a de Pinochet no Chile nos anos 1970 e em organizações como a APEN colombiana dos anos 1930. No contexto atual, como nessas conjunturas, a furiosa defesa do livre mercado está ligada às enraivecidas opiniões ultradireitistas de jovens como a guatemalteca Gloria Álvarez, o brasileiro Rodrigo Constantino, o chileno Axel Kaiser ou os argentinos Agustín Laje e Nicolás Márquez (Pavón -Cuéllar, 2017b).
Os discursos da juventude ultraliberal propagam sua fúria de extrema direita, não só contra Lula e Dilma no Brasil, Evo na Bolívia, Correa no Equador, Kirchners na Argentina ou Chávez e Maduro na Venezuela, mas também contra as massas que apóiam esses lideres populistas, contra os comunistas, os marxistas e as feministas e, mais do que isso, o que é particularmente preocupante, contra os pobres, os imigrantes, os negros e os indígenas. Por mais que professem um liberalismo ou libertarianismo supostamente oposto ao fascismo, a verdade é que se mostram em flagrante como neofascistas, permitindo-nos vislumbrar seus preconceitos racistas, suas posições classistas e xenófobas, sua promoção da desigualdade e suas afirmações delirantes nas quais atribuem perversões e patologias para comunistas e feministas. Agustín Laje (2016), por exemplo, atribui ao feminismo as “terríveis afirmações” de incesto e pedofilia (par. 10). Seu colega Nicolás Márquez (2016) desencadeia sua raiva desenfreada contra organizações de esquerda por exaltarem “fantasias igualitárias”, promovendo a “deshierarquização”, promovendo a “homossexualidade” e oferecendo “alívio pessoal” ao “sodomita” (para. 4, 6, 10).
Por sua vez, Axel Kaiser não apenas publicou um livro intitulado Tirania da Igualdade: Por que o igualitarismo é imoral e mina o progresso de nossa sociedade (Kaiser, 2017a), mas também protestou contra os imigrantes que se beneficiam de cuidados de saúde em países ricos (2017b) e não hesitou em escrever recentemente – lembrando-nos do sinistro psiquiatra franquista Antonio Vallejo Nájera – que os marxistas têm uma psique “patológica” e que são “assassinos em potencial” (2017c, para. 3). Rodrigo Constantino (2013), na mesma linha, acusou militantes de esquerda e “progressistas modernos” de tolerar a pedofilia e sofrer de “transtorno psiquiátrico”, mas também se opôs à celebração do Dia da Consciência Negra ( 2007) e descreveu os “pobres e negros” que participam de flash mobs dentro de shopping centers como “bárbaros incapazes de reconhecer sua própria inferioridade” (2014).
Finalmente, temos Gloria Álvarez Cross, que, agindo como os sinarquistas mexicanos ou como membros da APEN colombiana ou do Movimento Nacionalista Chileno, confirma sua posição de extrema direita precisamente tentando superar “a divisão obsoleta entre direita e esquerda”. (citado em Amaral, 2015, para. 4). Gloria Álvarez também chega ao extremo de rejeitar os direitos universais “à saúde, educação, trabalho e moradia” (par. 7). E, além disso, atribui aos indígenas guatemaltecos uma propensão a violar e tolerar o estupro (apud Xinico Batz, 2017). Como se não bastasse, a própria Álvarez qualifica de “idealistas tolos” aqueles que acreditam que “é possível mudar o mundo”, repudia o dilema entre “o sufocamento do igualitarismo” e o “igualitarismo sufocante” e só pode zombar dos progre “ecologistas, pacifistas, feministas, antiglobalização, antiimperialista e pró-Terceiro Mundo”, bem como ao “paritário, tolerante, dialogável, que busca consensos, que luta pelos direitos humanos, pela melhoria das condições de vida no planeta” (Álvarez Cross, 2017, pp. 20-27).
Conhecendo o discurso de Gloria Álvarez, perguntamo-nos constantemente porque é que o progre inspira tanto ódio e merece tal zombaria furiosa. A fúria nos aparece aqui, além de cínica e contundente, tão irracional quanto nos demais ultradireitistas. E, como nos demais, mas com maior certeza, suspeitamos que o discurso da extrema direita não só provoca e depois racionaliza a furiosa irracionalidade, mas a utiliza para expressar o que não pode expressar de outra forma. Sentimos, até mesmo vislumbramos, um desejo que precisa se disfarçar de outros afetos, como a raiva, para se expressar (Lacan, 1963).
Causalidade e irracionalidade na fúria da extrema direita
Embora originada de um discurso que lhe confere certa racionalidade, a fúria da extrema direita é, por isso, intrinsecamente irracional. A sua irracionalidade reside em algo tão simples como a falta de razões admissíveis e suficientes com que se explica. Na ausência de tais razões, essa fúria política não pode ser aceita como indignação, exasperação ou reação raivosa, mas apenas como um acesso de raiva: como raiva desmedida, excessiva ou exagerada, e mesmo gratuita, espontânea e desordenada, na qual não se argumenta nada suficientemente indignante ou enfurecedor com o que se possa explicar que se reaja como é feito. E é que nem sequer se trata de algo reativo. A fúria da extrema direita não reage contra aquilo que a desata. Por assim dizer, o que é desencadeado não é o que o desencadeia.
O que tem provocado a fúria da extrema direita latino-americana, na realidade, não foram os liberais, nem os comunistas, nem os grevistas, nem os judeus, nem os chineses a quem se dirige. Seus objetos não são exatamente sua causa. Esta causa não é a razão inadmissível e insuficiente que alega para se justificar. Portanto, podemos dizer que a raiva é inerentemente irracional.
Ora, embora a extrema direita nos pareça como uma fúria sem razão, isso não significa, é claro, que não tenha causas muito precisas que a desencadeiem. Essas causas existem, estão no mesmo discurso superado por seus efeitos e se ocultam justamente por meio de racionalizações compensatórias e por trás daquilo contra o qual a fúria é desencadeada. No caso latino-americano, por trás dos comunistas, dos judeus, dos indígenas e de outros a quem dirigem os impulsos furiosos, existem várias causas que invariavelmente residem em discursos de ultra-direita como os que revisamos e em tudo o que articulam dessa forma latente, implícita e compreendida como a herança do colonialismo, a imbricação entre classes e raças, a defesa de privilégios, as crises econômicas, os terrores proverbiais da pequena burguesia, a imitação mecânica das doutrinas políticas europeias e a predisposição história de certos setores contra a democracia e contra a igualdade.
Se quiséssemos investigar as causas da fúria da extrema direita por meio de recursos conceituais como os que nos são oferecidos na confluência das tradições marxista e freudiana, talvez começássemos por limpar a poeira de categorias tão conhecidas como autoritarismo familiar e repressão sexual (Reich, 1933), medo da liberdade (Fromm, 1941) e personalidade autoritária (Adorno et al, 1950): categorias esclarecedoras para dar sentido aos discursos de grupos nazi-fascistas e especialmente de velhas organizações de extrema direita obcecadas com a ordem, hierarquia, disciplina e autoridade, como foi o caso da Liga Patriótica Argentina e da União Sinarquista Nacional do México. Poderíamos também desvendar: por um lado, na perspectiva freudiana, a angústia, a frustração, a inveja na rivalidade ou o ressurgimento da dimensão vertical e da estrutura familiar da horda primordial subjacente à sociedade; por outro lado, em uma chave marxista, a violência da acumulação primitiva e da guerra imperialista, uma feroz luta de classes racializada ou ideologicamente naturalizada, o agravamento de certas contradições em tempos de crise ou relações produtivas petrificadas e a resistência furiosa contra ataques das novas forças da história. Porém, mesmo admitindo hipoteticamente que tais fatores constituem causas que acendem a fúria da extrema direita, é claro que não são fatores que a própria extrema direita possa oferecer como motivos admissíveis e suficientes para seu afeto. Assim, o afeto da extrema direita e a própria extrema direita se apresentam como uma espécie política de fúria irracional: uma fúria cuja irracionalidade, como excesso de uma afeição já excessiva em qualquer discurso, a torna um objeto privilegiado para a psicanálise e para o materialismo histórico, para a ciência freudiana e marxista, isto é, para aquelas que são, por excelência, as ciências do irracional, do excessivo, daquilo que resiste à razão nas demais ciências humanas e sociais.
Contra o relativismo
Claro, pode-se ceder ao relativismo democrático pós-moderno e considerar que a própria coisa que é fúria irracional para nós constitui uma indignação perfeitamente racional para aqueles que a sentem. Por que não ser tolerante e tolerar o que é a extrema direita? O problema de uma tolerância como essa não é apenas o horror do que ela permitiu no passado e pode permitir no presente, mas também a redução da racionalidade a uma pretensão de racionalidade que não precisaria mais de racionalizações como as de Farache ou os revisionistas Borrego e Abascal.
Se tudo o que se afirma ser racional fosse aceito como racional, então a racionalidade se tornaria uma palavra sem conteúdo ou significado. Isso só se justificaria se não houvesse critérios para julgar o que é racional. Mas o fato é que existem.
Já nos referimos a um dos critérios mais elementares e menos questionáveis que devem ser cumpridos para que algo seja aceito e respeitado como racional: o da existência de razões admissíveis e suficientes para explicar do que se trata. Se o que a extrema direita faz e diz nos é apresentado como algo irracional, como algo furioso, como a própria raiva, é precisamente porque a própria extrema direita geralmente não se preocupa em nos dar razões admissíveis e suficientes para o que faz e diz: porque no lugar de se perguntar tais razões, apenas oferece a expressão enfática do excesso de afeto, a identificação daqueles contra quem ela se desencadeia e as racionalizações persecutórias e conspiratórias delirantes com as quais costuma ser compensado a posteriori o déficit a priori das razões admissíveis e suficientes.
Fúrias e extremas direitas
Os afetos, os objetos e as racionalizações, que são os três elementos que se oferecem em vez de razões nos discursos da extrema direita, podem nos servir ao menos para discernir orientações gerais nas várias forças de extrema direita que revisamos. Em primeiro lugar, considerando as racionalizações compensatórias, poderíamos situar as diferentes forças de direita em um contínuo que iria desde o extremo da racionalização mínima, bem representada pelos esquadrões da morte, ao maior trabalho de racionalização nos discursos persecutórios e conspiratórios de Barroso no Brasil e dos revisionistas Borrego e Abascal no México.
Em segundo lugar, a depender do tipo de excesso emocional expresso com ênfase nos discursos da extrema direita, a fúria será marcada por acentos guerreiros no argentino Manuel Carlés, mesquinhos e gananciosos na APEN colombiana, rancorosos e queixosos no Barroso brasileiro e nos mexicanos Borrego, Abascal e Martínez Cantú, calados e insensíveis nos esquadrões da morte de todo o subcontinente, sistemáticos e burocráticos nas ditaduras do conesul, insultantes e provocadores nos cristãos machistas brasileiros, grosseiros e astutos na Callodehacha mexicana, cínicos e contundentes na guatemalteca Gloria Álvarez.
Terceiro, se olharmos para o objeto da fúria nos próprios discursos de ultradireita, temos o comunismo em praticamente todas as forças de extrema direita latino-americanas, os trabalhadores em greve na Liga Patriótica Argentina e na Ação Revolucionária Mexicanista, os indígenas em Manuel Carlés e no Movimento de Libertação Nacional da Guatemala, os judeus nos grupos nazifascistas e no revisionismo de Abascal e Borrego, os norte-americanos e os chineses na tradicional extrema direita nacionalista mexicana, o capitalismo e o imperialismo dos Estados Unidos entre os Tacuaras Argentinos, Fidel e Che em organizações anti-castristas, qualquer militância de esquerda nos esquadrões da morte, intervencionismo estatal na APEN colombiana e entre golpistas sul-americanos e jovens libertários, viciados em drogas em alguns grupos neonazistas, mulheres e homossexuais entre Cristãos machistas brasileiros, feminismo em Callodehacha e Agustín Laje, os pobres e negros em Rodrigo Constantino e o novo populismo de esquerda na frente imperialista ultraliberal.
Além das distinções anteriores, também podemos distinguir a extrema direita da América Latina, segundo Rodríguez Araujo (2004), segundo seus agentes promotores, que podem ser: a Igreja Católica e suas associações, ou os Estados Unidos com seu governo e suas empresas ou as “oligarquias” de cada país (pp. 75-76). Vimos como a extrema direita católica está bem representada pelos sinarquistas no México, enquanto os Estados Unidos impunham ditaduras como as da Guatemala e do Chile, e os oligárquicos dominavam tanto na Liga Patriótica Argentina quanto na APEN da Colômbia. Esta última distinção implica também uma diferenciação no tom afetivo dos discursos da extrema direita: a fúria católica sentimental e patética, devota e piedosa, característica do sinarquismo no México, não só se difere claramente da fúria oligárquica voraz na Colômbia e na Argentina, mas também da furiosa carga meticulosamente administrada, organizada e planejada pelas ditaduras do conesul.
A fúria nos discursos e nos acontecimentos
As diferentes formas de fúria que distinguimos segundo diferentes critérios correspondem a diferentes manifestações da extrema direita latino-americana. Como já afirmamos no começo, esta extrema direita é indiscernível em sua fúria, que, por sua vez, quando a representamos através de perspectivas como as do marxismo ou da psicanálise, não pode se abstrair nem dos discursos de que procedem, nem da maneira em que ela mesma pensa ou é pensada, atua ou é atuada na trama histórica relatada. É por isso que devemos relatar a história da extrema direita como único método possível de mostrar algo de sua fúria.
Os discursos proferidos e os acontecimentos relatados, por mais objetivos que possam ter sido em sua exterioridade histórica, são a única materialidade conhecida na qual se produz e se desdobra a fúria de que tratamos. Essa fúria pode exceder a palavra, mas também é inseparável dela. É o que aprendemos com Lacan: o afeto furioso, como qualquer outro afeto, origina-se na mesma linguagem em que se expressa factual e discursivamente. Sem investigar o que é dito e o que está relacionado, não há como saber o que tudo isso pode afetar o sujeito. O conhecimento de tudo o que é afetivo, inclusive o furioso excesso de afeto, exige uma análise do que é factual-discursivo, que é o que se supera emocionalmente ao afetar a pessoa que o vivencia.
Revendo os atos e palavras da extrema direita na América Latina, expusemos simultaneamente as condições e manifestações de seu excesso de afeto. A fúria da extrema direita latino-americana mente, palpita e se agita no que essa extrema direita é, diz e faz, bem como na maneira como tudo isso pode afetar seus súditos. Mas insistamos com Lacan que o afeto surge e permanece fora. Como vimos neste capítulo, trata-se de algo basicamente externo, factual-discursivo, encenado e pronunciado.
A fúria da extrema direita latino-americana está na história dessa extrema direita e não no coração de seus militantes. Ou melhor, o coração enfurecido dos ultradireitistas, a alma ou o psiquismo em que costumamos relegar a raiva, não reside dentro de suas cabeças ou de seus peitos, mas fora, nos discursos e acontecimentos que revisamos. É aqui, no cenário discursivo e eventual da história, onde podemos e devemos lutar contra a furiosa extrema direita que continua a ameaçar nosso subcontinente.
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[1] N.T. Encomenderos se refere àqueles titulares do instituto da encomienda, originalmente aplicado na região das Antilhas em 1503, com posterior projeção em outras porções da América espanhola, como uma instituição jurídica imposta pela coroa para regular o recolhimento de tributos e circunscrever a exploração do trabalho indígena.