Foto: YDSA
Uma onda de ocupações em universidades começou nos Estados Unidos. As prisões em massa de estudantes que se manifestavam em defesa da Palestina na Universidade de Columbia, em Nova York, foram o estopim que está levando a uma explosão em diversas outras instituições. Nesse momento, já são várias ocupações em universidades de diversos estados exigindo o fim do apoio dos EUA ao genocídio contra o povo palestino.
Após as prisões, Columbia cancelou as aulas e restringiu o acesso ao campus. Logo depois, mais prisões de estudantes aconteceram na Universidade de Yale e na Universidade de Nova York (NYU), gerando enorme indignação e aumentando a mobilização por todo país. Em pouco tempo, universidades como Berkeley, MIT, Vanderbilt, entre outras, também se somaram ao movimento que se alastra.
Assim como em outros países, a mobilização pró-Palestina nos EUA já havia atingido grandes proporções, realizando enormes manifestações que foram parte objetiva do giro contra a agressão sionista na opinião pública estadounidense. Se, após o início dos ataques, a posição favorável ao “direito de defesa de Israel” era majoritária, este cenário mudou através da combinação entre as mobilizações nas ruas e a divulgação em tempo real do massacre contra a população civil de Gaza.
Como os EUA são o principal financiador da máquina de morte israelense, tal mudança na opinião popular se refletiu superficialmente na postura do governo Joe Biden. Sem nunca recuar de sua posição imperalista favorável à Israel, o presidente ensaiou apelos e críticas tímidas ao genocida Netanyahu que não surtiram qualquer efeito, mantendo a limpeza étnica na região. E Netanyahu vai até o final em seu plano de extermínio, apoiado pelo fundamentalismo religioso e pela extrema direita internacional, porque sabe que qualquer outra possibilidade significa seu fim, inclusive com grandes possibilidades de prisão pela própria justiça israelense.
A mentira sionista
Para tentar esconder o sol com a peneira, o establishment sionista opera uma poderosa rede de mentiras difundidas através da grande mídia e qualifica a luta contra o genocídio palestino como “antissemitismo”. Utilizando uma suposta preocupação com a “segurança” dos estudantes judeus, as administrações das universidades e os meios meios de comunicação propositalmente confundem a luta antissionista com uma ação contra a população de origem judaica, apagando inclusive o fato de que vários estudantes judeus participam do movimento contra o apartheid israelense.
O próprio Biden atacou as manifestações como “protestos antissemitas” realizados por quem “não sabe o que está acontecendo com os palestinos”. É a velha falácia que apaga a origem semítica dos árabes e insulta a memória dos mortos no Holocausto ao defender um regime que opera métodos similares aos nazistas para expulsar o povo palestino de seu território nacional.
Recentemente, países como Alemanha e França também presenciaram uma onda de repressão contra manifestantes pró-Palestina justificadas pelo mesmo argumento. Como o genocídio palestino é cada vez mais evidente, com imagens de crianças e idosos assassinados por Israel circulando o mundo em tempo real, resta ao imperialismo ocidental promover esta farsa para enconder seus reais interesses geopolíticos no apartheid promovido por Israel.
O dilema de Biden
Este levante estudantil acontece num cenário complexo da política norte-americana. Existe o risco real da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais desse ano, fato que ocasionaria uma profunda mudança em favor da extrema direita na correlação de forças mundial, pressionando Biden a uma política diferente em relação a classe trabalhadora do país. Sua presença em um piquete em apoio à greve dos trabalhadores automobilísticos da UAW demonstrou essa mudança, assim como a aproximação de Bernie Sanders e de outros parlamentares de esquerda ao seu governo.
Porém, sua posição como líder da principal potência imperialista mundial tornou-se evidente na crise de Gaza. Mantendo o enorme apoio militar ao apartheid israelense, Biden deu as costas a grandes camadas da população que deveriam justamente ser sua base de apoio na unidade de ação eleitoral contra Donald Trump. As comunidades negras, que sentiram e continuam sentindo os efeitos da segregação racial, se solidarizam em larga escala ao povo palestino que sofre na pele a mesma violência, se afastando dos democratas. Assim acontece também com as comunidades árabes, por motivos óbvios, e também com diversos outros setores importantes na resistência ao neofascismo no país.
Não por acaso, de costa a costa se ouviram palavras de ordem contra o genocide Joe nas manifestações em defesa da Palestina, proferidas por aqueles mesmos que são a vanguarda contra Trump nas ruas. O movimento pelo voto uncommitted (sem compromisso) nas primárias democratas foi o efeito visível desta política, levando eleitores à participação nestas primárias através de uma postura de protesto, sem declarar apoio ao candidato e atual presidente.
Palestina, Vietnã
O levante estudantil nos EUA tem um potencial que nos permite analogias com o grande movimento popular que foi decisivo para o fim da guerra do Vietnã nos anos 1970. O movimento antiguerra que começou em 1965 e se espalhou pelos campi em 1968 foi crucial para pressionar o governo norte-americano na diminuição do apoio à ditadura do Vietnã do Sul, permitindo a vitória final do povo vietnamita em 1975.
Como primeiro conflito televisionado da história, a guerra do Vietnã levou seus horrores aos lares estadounidenses em horário nobre, assim como hoje acontece com as redes sociais no massacre de Gaza. Casos como os de My Lai, Hue e Son Thang não deixam nada a desejar em termos de violência para Jabalia, Al Rashid e Khan Yunis. E, mesmo que hoje não sejam soldados norte-americanos cometendo tais massacres, são as mesmas balas norte-americanas que assassinam crianças e as mesmas bombas norte-americanas que explodem cidades.
É bom lembrar também outra similaridade com o Vietnã. A escalada da violência no país asiático começou pelas mãos de um presidente democrata (John Kennedy) e os enfrentamentos do enorme movimento antiguerra em 1968 tiveram como um ponto alto a convenção do Partido Democrata em agosto daquele ano, cuja repressão aos manifestantes antiguerra foi um dos fatores que levaram o presidente Lyndon Johnson, também democrata, a desistir da reeleição nas eleições de novembro. E o vitorioso naquelas eleições foi o republicano Richard Nixon.
Para aqueles que utilizam deste exemplo para criticar a mobilização atual, preocupados com o atual desgaste de Biden levando Trump novamente ao poder, respondemos que aquela mobilização de 1968 foi central para a derrota da maior máquina militar do mundo no Vietnã poucos anos depois, em 1975. E que, assim como naquele momento, lutar pelo fim do genocídio pode ser estratégico para a vitoria final da luta pela autodeterminação do povo palestino, assim como foi para o povo vietnamita.
Aumentar a mobilização para derrotar Trump e Netanyahu
Todos sabemos o que representaria uma vitória de Trump para todo o planeta. Como latinoamericanos, vivemos o perigo da extrema direita à espreita em países como Brasil, Chile, Colômbia, entre outros, e enfrentamos os próprios governos de extrema direita na Argentina e em El Salvador. Uma vitória de Trump nos EUA significaria a moralização e volta à ofensiva de bandos fascistas em todos esses países. Da mesma forma, representaria um alívio para Netanyahu e seus comparsas no genocídio palestino.
Porém, a política imperialista operada por Biden nada mais faz do que fortalecer a extrema direita apoiadora de Trump e Netanyahu. Não existe resposta possível contra os fascistas fora da mobilização popular, impondo derrotas objetivas aos reacionários através da luta ideologica e de avanços concretos que construam uma maioria social antifascista. As vitórias eleitorais são muito importantes nesse processo, mas sua definição será nas ruas.
Não existe caminho para derrotar Trump por fora deste grande movimento de juventude em solidariedade à Palestina. Pelo contrário, caso a luta dos estudantes adquira expressão amplamente massiva, ele poderá influenciar diretamente na derrota de Netanyahu em Gaza e permitirá um movimento contrário, moralizando a resistência antifascista em todo planeta e atrapalhando o caminho de Trump.
A cada hora recebemos notícias de mais estudantes presos e mais universidades ocupadas em resposta à repressão. Como os próprios camaradas estadounidenses dizem, eles estão lutando de dentro da “barriga do monstro”, militando contra o imperialismo em uma situação muito importante e específica. Sendo assim, sua resistência pode ser definidora das próximas ações desse mesmo imperialismo na Palestina, tal como foi no Vietnã. Toda força aos estudantes nessa luta!
Saiba mais sobre o sionismo e a luta palestina contra o imperialismo no texto clássico Palestina: História de uma colonização