Resgatar nosso passado, reconstituir nossa memória e tomar o futuro em nossas mãos. Esse é o objetivo da construção de uma contra-narrativa à historiografia oficial, um esforço essencialmente político que, mais que recontar a história forjada pela resistência dos povos indígenas, dos quilombos, das lutas campesinas e urbanas, pretende retomar, no campo simbólico e ideológico, de construção da identidade do povo brasileiro, o protagonismo que nunca saiu das mãos das lutadoras e lutadores no decorrer de todo o processo de transformações e viradas históricas que marcam a trajetória do nosso povo.
Longe dos palácios e gabinetes, da história calcificada nos monumentos e “heróis” emoldurados, como canta o sambista, lutamos pela reconstituição da história escrita nas lutas com o suor e o sangue daquelas e daqueles que resistiram e se levantaram contra uma ordem nunca consentida, uma história escrita pela resistência contra a violência e a exploração. Enquanto o consenso é fundamentalmente um instrumento de conservação, a contradição, presente nas estruturas materiais da sociedade de classes, é o elemento disruptivo que desencadeia processos de enfrentamento e de disputa, verdadeiros motores de transformação da realidade.
Apontar as injustiças e as mazelas de uma sociedade construída sobre séculos de escravidão, de espoliação colonial, de massacre dos povos originários, da exploração predatória da natureza e do trabalho, é tarefa assumida, em certa medida, pela própria historiografia oficial como uma espécie de mea culpa. Queremos ir além. Resgatando o papel decisivo do enfrentamento, das revoltas e insurreições, onde a negritude, os povos originários, as mulheres e o conjunto das trabalhadoras e trabalhadores abalaram as estruturas e mudaram o curso da história pelas suas próprias mãos, a contragosto do poder dominante, lutamos pela construção de uma alternativa de transformação radical da realidade que passa fundamentalmente pela retomada de consciência de um processo histórico vivo e em disputa, onde o próprio povo em luta é o agente fundamental das transformações.
O apagamento sistemático do protagonismo popular em nossa história é muito mais que uma distorção do passado, é um projeto para o presente e para o futuro. A um povo que não é permitido se reconhecer como protagonista de sua própria história, é negado também o direito de transformar a sociedade por suas próprias mãos e traçar novos rumos. Em tempos de crise profunda do capitalismo, uma crise que é ecônomica, social, política e ambiental, onde mesmo a existência da humanidade é colocada em risco, apostamos na força de organização e de luta daqueles que não serão assimilados pelo “fim da história”, ou melhor dizendo, pelo fim do mundo, mas que seguirão sendo protagonistas de seu próprio futuro.