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Os fuzilados da CSN
Antifascismo

Os fuzilados da CSN

O movimento grevista da Companhia Siderúrgica Nacional ocorrido em 1988 foi um marco da luta sindical brasileira

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Tempo de leitura: 7 minutos.

Aos que habitam cortiços e favelas

E mesmo que acordados pelas sirenes das fábricas

Não deixam de sonhar, de ter esperanças

Pois o futuro, oh, vos pertence!

Aos que carregam rosas sem temer machucar as mãos

Pois seu sangue não é azul nem o verde do dólar

Mas vermelho da fúria amordaçada

De um grito de liberdade preso na garganta

Pois o futuro, oh, vos pertence!

Fuzilados da C.S.N.

Assassinados no campo

Torturados no DEOPS

Espancados na greve

A cada passo desta marcha

Camponeses e operários tombam homens fuzilados

Mas por mais rosas que os poderosos matem

Nunca conseguirão deter a primavera

Pois o futuro, oh, vos pertence!

(“Aos fuzilados da CSN”, Garotos Podres)

A poesia em forma de música reproduzida acima é uma homenagem da clássica banda de punk rock Garotos Podres aos trabalhadores grevistas do chamado Massacre de Volta Redonda, decorrente da greve da Companhia Siderúrgica Nacional em 1988, no qual três operários foram mortos. Os membros da banda punk, formada no operário ABC paulista no começo dos anos 1980, também vivenciou as greves da região industrial na região metropolitana paulista e via uma conexão imediata entre as grandes greves do ABC e de Volta Redonda.

A greve se iniciou com uma série de exigências dos trabalhadores ao governo Sarney, já que naquele momento a empresa era pública. Pautas como o reajuste salarial com base no índice de inflação divulgado pelo DIEESE, estabilidade no emprego, jornada de trabalho de 40 horas semanais, readmissão dos demitidos em 1987, isonomia salarial, instauração de uma CIPA eleita pelos trabalhadores, reconhecimento dos representantes sindicais, fim da perseguição à atividade sindical e divulgação do Sistema de Cargos e Salários da empresas.

Declarada após uma assembleia realizada em 4 de novembro, a greve teve como resposta a ocupação da empresa pela polícia militar após pedido da diretoria da empresa. A paralisação começou de fato no dia 7 e, após um confronto três operários foram mortos pelas forças de segurança: Carlos Augusto Barroso, Walmir Freitas Monteiro e Willian Fernandes Leite. Barroso morreu de traumatismo craniano como resultado de uma coronhada que levou enquanto estava caído no chão, enquanto Walmir e William foram baleados.

A greve então se radicaliza e leva uma crise ao então governo de José Sarney, com trocas de acusações entre ministros e inclusive a ameaça do fechamento da empresa. Com grande repercussão internacional devido ao massacre e amplo apoio da população da cidade, os grevistas conquistam reivindicações parciais e decidem pelo fim da greve no final do mês de novembro.

A grande repercussão do movimento influenciou politicamente os rumos do movimento sindical da época, demonstrando uma nova onda de radicalidade que se expressaria inclusive nas eleições municipais posteriores, com a eleição de diversos sindicalistas pelo país e inclusive do presidente do sindicato dos metalúrgicos de Volta Redonda, Juarez Antunes,a prefeito da cidade no mesmo ano.

Contexto político 

A greve da CSN foi marcada pelo contexto político da época, no qual o processo de redemocratização avançava, mas ainda não haviam ocorrido eleições diretas para presidente e boa parte do aparelho repressivo do regime militar continuava atuante. Naquele ano, o processo da constituinte estava em pleno andamento, com os chamados deputados constituintes eleitos preparando a nova Constituição brasileira, que vigora até hoje.

As incertezas e conflitos que se desenvolveram ao longo daquela década foram decisivas para a conjunção de fatores que levaram ao Massacre de Volta Redonda. Os movimentos grevistas, fortalecidos por toda luta política dos anos anteriores, demonstraram naquela greve um de seus últimos exemplos históricos antes da ascensão da Nova República e a vitória à presidência de Fernando Collor.

O caráter da CSN enquanto empresa pública, sendo posteriormente privatizada, também jogou um papel importante no movimento grevista pela disputa diretamente contra o governo e suas políticas de arrocho salarial em meio à grave crise econômica e altíssima inflação que o país enfrentava naquele momento. Criada em 1941 durante o governo de Getúlio Vargas, a CSN tinha um papel simbólico especial no processo de industrialização brasileiro.

É importante notar também que aquela greve não foi a primeira. Conforme Bianca Rozalia Junius: 

“Toda a década de 80 foi marcada pelo maior número de greves em diversas categorias desde a ditadura, em especial nos serviços públicos, como era o caso da CSN, que até aquele momento era uma empresa estatal. Em 1983, uma chapa de oposição sindical ligada à CUT consegue tirar da diretoria do Sindicato de Metalúrgicos de Volta Redonda uma chapa que se perpetuava com o apoio dos militares e da direita da região, vencendo as eleições sindicais. Essa chapa de oposição contava com apoio desde setores ligados ao “trabalhismo” como PTB, até setores da igreja católica, como a Pastoral Operária (e no segundo turno, da Ação Católica Operária), além de correntes de orientação trotskista, como a Convergência Socialista (hoje o PSTU).

O presidente da chapa era Juarez Antunes, que era de um setor que se dizia independente, depois acabou por se filiar ao PT, e, mais tarde, ao PTB. Segundo Gandra (2009), alguns elementos facilitam que Juarez consiga se tornar liderança do movimento. Ele vinha de uma trajetória política em sua cidade natal, no interior de Minas Gerais, onde havia tentado se eleger prefeito em 1976. Outro aspecto é que seu setor na aciaria da CSN foi praticamente desativado por uma reestruturação produtiva, assim tinha mais tempo de circular pela fábrica distribuindo boletim da oposição.

Em 1984 ocorre uma primeira greve na Companhia, que dentre as 45 reivindicações dos funcionários, a principal era a equiparação salarial com os metalúrgicos da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista), que ganhavam o dobro. Já nesta greve ocorreram rachas na diretoria do sindicato, e o grupo de ativistas mais radicalizados, ligados ao trotskismo e à Pastoral Operária são expulsos do sindicato por Juarez Antunes e seus apoiadores, e demitidos da CSN (Pereira, 2008).

Após a greve, o movimento consegue se reerguer com força 4 anos depois, em 7 de novembro de 1988, quando os metalúrgicos ocuparam as unidades de produção da usina. Eles reivindicavam o pagamento da URP (Unidade de Referência de Preços) de julho com correção, uma reposição salarial de 26%, a implantação do turno de trabalho de seis horas e readmissão dos demitidos. De acordo com Parés, parte das reivindicações dos trabalhadores eram justamente uma exigência de que fossem cumpridas as condições previstas na constituição de 1988, aprovada um mês antes da greve:

‘Em outubro, no dia 05, era promulgada a nova Constituição Federal. Isto dava novo fôlego ao movimento porque a Constituição garantia dois direitos que já eram motivo de reivindicações dos metalúrgicos há muito tempo: turno de 6 horas para os trabalhadores em regime de revezamento (eram 8 horas) e readmissão dos trabalhadores demitidos por motivos de greves ou políticos.'”

Memória e resistência

A greve da CSN também tem até hoje um grande impacto na memória das lutas nacionais, seja através de músicas como a citada acima, de documentários como “Memórias da Greve – Volta Redonda”, de Eduardo Coutinho, entre outros exemplos. 

Um destes mais significativos é o próprio Memorial 9 de Novembro, construído na cidade em homenagem aos mortos no massacre. O memorial foi inaugurado no dia 1º de maio de 1989, ano posterior à greve, homenageando também militantes mortos em outras lutas, como Chico Mendes, em uma cerimônia que contou com a presença de milhares de trabalhadores vindos em caravanas de diversos locais.

Porém, horas antes de sua inauguração, na madrugada do mesmo dia, um atentado a bomba cometido por setores reacionários explodiu o monumento feito de concreto armado e ferragens que pesava 15 toneladas. Tal ataque é mais um exemplo da polarização política e da concretude das ameaças representadas pelos estertores da ditadura contra o processo de redemocratização e abertura política, sendo um sinal impactante para toda a sociedade na época de que a violência política se mantinha viva.

O novo monumento, que existe até hoje, foi feito por Oscar Niemeyer utilizando elementos do antigo monumento destruído e servindo de símbolo material de uma história de luta do povo brasileiro que não será apagada enquanto houverem trabalhadores e trabalhadoras se organizando e se mobilizando por seus direitos.

Saiba Mais   

Um caldeirão chamado CSN : resistência operária e violência militar na greve em 1988 (Edilson José Graciolli, UFU)

Sindicalismo e privatização: o caso da Companhia Siderúrgica Nacional (Sergio Eduardo Pereira, UFRJ)

Greves, privatização e sindicalismo de parceria (Edilson Jose Graciolli, UNICAMP)

Mobilizações na cidade do aço: memórias da greve na CSN – 1988 (Paulo Alves, Márcia Barroso, Luanda Lima e Luna Ribeiro, ANPUH)

Cidade “vermelha” do aço: greves, controle operário e poder popular em Volta Redonda 1988-1989 (Marcos Aurélo Ramalho Grandra, UFF)

“A Greve Continua!”: Algumas Considerações Historiográficas Sobre os Movimentos Grevistas de Volta Redonda (Vários Autores, UNIFOA)

A Greve Geral em agosto de 1987 na CSN: uma antessala dos eventos traumáticos de novembro de 1988 (Alexsander Soares Elias, UNIVERSO)

Documentário em homenagem a histórica greve da CSN, em Volta Redonda, será lançado (O Dia)

Greve de 1988, 30 anos: música, documentário e monumento tentam manter memória do movimento (G1)

Greves na CSN (Memória Globo)

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