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Elon Musk está navegando em meio à proibição do X no Brasil – e flertando com a extrema direita do país
Extrema Direita

Elon Musk está navegando em meio à proibição do X no Brasil – e flertando com a extrema direita do país

O X retornou brevemente para os usuários brasileiros no início desta semana, parte de um jogo de poder que durou meses

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Via The Verge

Tempo de leitura: 8 minutos.

Há mais de duas semanas, os brasileiros estão sem acesso ao X. O Supremo Tribunal Federal bloqueou a plataforma depois que Elon Musk não cumpriu as decisões judiciais. Enquanto o X evita a proibição e as empresas de Musk trabalham lentamente para chegar a uma solução, a verdadeira preocupação para muitos não é apenas a ausência da mídia social. É o jogo de poder de Musk sobre o governo, já que ele apoia a extrema direita brasileira.

O X foi banido em 30 de agosto, após meses de idas e vindas entre Musk e o juiz do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. O conflito começou em abril, quando Musk divulgou solicitações de informações do governo e, em seguida, removeu todas as restrições impostas aos perfis X por ordens judiciais brasileiras. Moraes respondeu incluindo Musk em uma investigação sobre desinformação política organizada e intimando o representante legal brasileiro da X. Musk encerrou abruptamente suas operações locais, levando Moraes a proibi-lo por violar as leis locais.

Desde então, as negociações entre os dois lados têm prosseguido gradualmente. O Supremo Tribunal Federal anunciou uma transferência de R$ 18,3 milhões da X e da Starlink para o tesouro nacional, pagando indiretamente uma multa por não remover conteúdo. Posteriormente, Moraes ordenou o desbloqueio das contas bancárias de ambas as empresas. Musk teria se reunido com Vanessa Souza, uma especialista brasileira em direito cibernético, e nomeou dois advogados para representar a X no Brasil – o que levou Moraes a perguntar se a X reabriu as operações, o que poderia eventualmente abrir caminho para uma suspensão da proibição.

Mas a resposta pública de Musk tem sido, em grande parte, de confronto. Nas últimas semanas, ele criticou a decisão da Suprema Corte brasileira, bem como o presidente, alegando que a proibição viola a liberdade de expressão e abre um precedente perigoso. Ele reuniu apoio público, principalmente de influenciadores e políticos de extrema direita.

E, nesta semana, alguns brasileiros voltaram a ter acesso ao X por um breve período. De acordo com a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (ABRINT), o X fez uma atualização “significativa” no início do dia 18 de setembro, alterando seu design para usar endereços IP vinculados à Cloudflare e contornando os bloqueios dos provedores de serviços. A ABRINT disse que a atualização colocou os provedores em uma “situação delicada” enquanto os órgãos reguladores tentavam bloqueá-lo novamente. A X chamou oficialmente a proibição de “inadvertida e temporária”, mas Moraes aplicou multas extras contra a empresa pelo que ele chamou de evasão “intencional, ilegal e persistente”, citando um tweet de Musk que parecia comemorar a medida.

O desafio de Musk é parte de um longo flerte com a extrema direita brasileira, atualmente fora do poder. “Ele não é apenas um influenciador da extrema direita, ele é um ativista”, diz Camila Rocha, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e cientista política. “A colaboração, a harmonia entre o que está acontecendo no Brasil e o que está nas redes, é enorme.” Aconteça o que acontecer a seguir na saga X-Brasil, Musk pode dizer que é uma vitória.

Um tribunal está potencialmente abrindo caminho para o retorno da X; no curto prazo, ela escapou da proibição

Luiz Augusto D’Urso, advogado especializado em direito digital, descreve o fechamento do escritório brasileiro da X como um gesto dramático que forçou a mão de Moraes. “É importante observar que a decisão inicial do Supremo Tribunal Federal nunca foi a de bloquear a plataforma. As coisas se agravaram”, diz D’Urso. “A última decisão antes do bloqueio exigia que a plataforma nomeasse um representante legal no Brasil, o que é uma obrigação legal. Quando Musk se recusou, o resultado foi a suspensão.”

Musk não perdeu tempo e transformou a questão em um espetáculo político. Em 29 de agosto, ele se referiu ao juiz Moraes como “o tirano @Alexandre, ditador do Brasil” em um post sobre o congelamento dos ativos da Starlink, dizendo que “[o presidente brasileiro] Lula é seu cãozinho de estimação”. Outra postagem chama Moraes de “um criminoso declarado da pior espécie, disfarçado de juiz”.

A ala direita do Brasil também aproveitou o momento, enquadrando a proibição do X como uma luta pela liberdade de expressão. Musk interagiu com apoiadores da extrema direita usando emoji da bandeira brasileira (no contexto, um símbolo do movimento). Ele apoiou manifestações no dia 7 de setembro, ou Dia da Independência do Brasil, compartilhando perfis de apoio a Jair Bolsonaro e convocando os usuários a participar, e postou uma foto sua ao lado do ex-presidente Bolsonaro.

Rocha observa que o apoio de Musk à extrema direita do Brasil tem sido óbvio há anos. O bilionário se tornou popular em partes do Brasil graças ao seu serviço de internet via satélite Starlink, que opera em todo o país e particularmente na Amazônia. A Starlink também fornece serviços para as Forças Armadas brasileiras.

Esse ativismo se soma ao seu apoio à política de direita em todo o mundo, inclusive na América Latina. Musk mantém um relacionamento amigável com o presidente argentino Javier Milei, com quem concordou sobre “a importância do desenvolvimento tecnológico para o progresso da humanidade”. Milei apoiou Musk durante todo o conflito com a Suprema Corte brasileira, acusando-a de querer “proibir o espaço onde os cidadãos trocam ideias livremente”.

Musk chegou a sugerir (talvez em tom de brincadeira) que “golpearemos quem quisermos” na América Latina, respondendo a uma acusação de que o governo dos EUA interveio contra o presidente boliviano Evo Morales para garantir o fornecimento de lítio para a Tesla.

No Brasil, Musk – que, apesar de seu compromisso público com a liberdade de expressão, bloqueou conteúdo a pedido de governos conservadores – tem a ganhar ao apoiar resolutamente a extrema direita de Bolsonaro. “Ele se apresenta como um defensor da liberdade, mas é exclusivamente voltado para os negócios e não tem compromisso com a democracia”, diz Sérgio Soares Braga, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD). A extrema direita oferece um caminho mais claro para o “capitalismo não regulamentado” que Musk defende.

“Ele se apresenta como um defensor da liberdade, mas é exclusivamente voltado para os negócios”

Mas a resistência de Musk também é uma luta direta sobre como e se as empresas americanas de tecnologia (e principalmente de Internet) podem ser regulamentadas no exterior. Uma carta aberta enviada em 17 de setembro, conforme traduzida pelo The Verge, chamou a proibição de parte de um “conflito global em evolução entre corporações digitais e aqueles que buscam construir um cenário digital democrático e centrado nas pessoas, focado no desenvolvimento social e econômico”. Ela acusou Musk de sabotar “e operar contra a capacidade do setor público de criar e manter uma agenda digital independente baseada em valores, necessidades e aspirações locais”. A carta foi assinada por mais de 50 intelectuais, incluindo a economista Mariana Mazzucato e o autor Cory Doctorow.

“Musk quer controlar uma ampla gama de indústrias, desde a grande tecnologia até os veículos elétricos, o que lhe confere um poder econômico significativo e influência geopolítica”, diz Braga. Mas no Brasil, argumenta Braga, ele ultrapassou seus limites. “Ele não pode abusar desse poder para interferir na soberania de uma nação.”

Musk está fazendo sacrifícios ao manter o X off-line. As redes sociais concorrentes obtiveram ganhos com o bloqueio – a Bluesky, por exemplo, diz que ganhou milhões de novos usuários, principalmente do Brasil. “Há suspeitas crescentes de que Musk tem segundas intenções”, diz Rocha. “Por que ele deixaria o X off-line por tanto tempo? O que ele tem a ganhar com isso?”

Uma possível resposta é que Musk não tem muito a perder com a redução da base do Twitter no Brasil. A plataforma já perdeu pelo menos 71% de seu valor desde que Musk a adquiriu, e mostra poucos sinais de recuperação. (Por outro lado, a Starlink de Musk acabou cedendo às exigências de bloquear o X, embora tenha dito que ainda está buscando uma ação legal). É mais importante se posicionar contra as políticas do Brasil – não por idealismo, mas por uma tentativa pragmática de obter mais controle.

Mas para D’Urso, o objetivo final de Musk é claro: ele se beneficia de qualquer maneira. “Se ele recuar, ele se apresentará como o homem que enfrentou a Suprema Corte. Se o X continuar proibido, ele se tornará um mártir, alegando perseguição. É uma situação em que todos saem ganhando”.

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