Por Projeto Brasil Real é um País que Luta
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A Conjuração Baiana, também conhecida como a Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios, foi um importante movimento político popular que eclodiu em Salvador, Bahia, no ano de 1798. Este levante recebeu esse nome por conta de seus principais líderes, os alfaiates João de Deus e Manoel Faustino dos Santos Lira, que se tornaram figuras emblemáticas da luta contra a opressão. O termo “Revolta dos Búzios” se refere ao uso de búzios, que serviam como um meio de identificação, simbolizando a solidariedade e a união entre os integrantes do movimento. A revolta reuniu uma massa de pessoas, incluindo escravizados, negros livres, brancos pobres e mestiços, que ocupavam várias funções na sociedade colonial, como sapateiros, pedreiros e soldados. O que os reunia era a indignação contra as condições de vida impostas pela dominação colonial e a luta por liberdade, pelo fim da escravidão.
O contexto histórico da Conjuração Baiana se insere em um período de grandes transformações sociais e políticas ao redor do mundo, marcado por revoluções burguesas e ideais iluministas do século XVIII. Movimentos como a independência dos Estados Unidos em 1776, a Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Haitiana, que se iniciou em 1791, exerceram influência direta sobre os ideais que alimentaram a revolta no Brasil. Especialmente a Revolução Haitiana, liderada por Toussaint Louverture, destacou-se como um exemplo poderoso de resistência contra a opressão colonial e a escravidão, resultando na criação da primeira república negra do mundo. No Brasil, esses ideais também encontraram eco, e Salvador, mesmo não sendo mais a capital do país, ainda era um importante centro colonial, sustentado pela força de trabalho africana escravizada e seus descendentes. A cidade estava marcada por uma realidade de miséria, violência e desigualdade social profunda, com a concentração de riquezas nas mãos de poucos brancos, enquanto o povo negro enfrentava a pobreza extrema, gerando um cenário explosivo de revolta.
A Revolta dos Búzios teve seu estopim no dia 12 de agosto de 1798, quando 12 boletins foram distribuídos em locais estratégicos da cidade, convocando a população a se unir ao levante. Um desses panfletos, denominado “Aviso nº 9”, mencionava a existência de 676 membros envolvidos no movimento, demonstrando a força da adesão à rebelião. Os revoltosos, inspirados por princípios iluministas e pelas revoluções, pretendiam a abolição da escravatura, a fundação de uma república democrática, a eliminação da desigualdade racial e a defesa da dignidade da população baiana. Além disso, reivindicavam o aumento dos salários das tropas militares, emancipação política em relação a Portugal e liberdade de comércio com outras nações. No entanto, a revolta não teve a chance de se concretizar. No mesmo dia em que os boletins foram divulgados, as autoridades iniciaram investigações, resultando na prisão daqueles que eram apontados como suspeitos. A tensão aumentou quando, no dia 22 de agosto, novos panfletos foram encontrados nas proximidades do Convento do Carmo, levando a investigações mais profundas que culminaram na prisão de líderes, como Luís Gonzaga das Virgens, que se havia rebelado contra o racismo no Exército.
No dia 25 de agosto de 1798, o governador da Bahia, Fernando José de Portugal e Castro, recebeu denúncias sobre uma reunião dos revoltosos que estava programada para acontecer no Campo do Dique do Desterro. Essa informação levou à armadilha que resultou na prisão de vários participantes, incluindo os líderes João de Deus, Manuel Faustino e Lucas Dantas. A repressão foi brutal: de agosto de 1798 a janeiro de 1799, 41 prisões foram realizadas, com 33 acusados sendo levados a julgamento. O medo gerado pela possibilidade de uma revolta vitoriosa espalhou-se pela colônia, levando a uma resposta severa por parte do Estado. Em dezembro de 1798, uma Carta Régia enviada por Dom João exigia a conclusão das investigações e a mais rigorosa punição para os envolvidos. Em 5 de novembro de 1799, arbitrariamente e ignorando as alegações de falta de provas, o Tribunal da Relação condenou os acusados a diversas penas, que variavam desde o exílio em Fernando de Noronha até longas sentenças de prisão em Angola. Para os escravizados, as punições eram ainda mais violentas: 500 chibatadas e venda para fora da Bahia, sem possibilidade de retorno. A execução dos líderes da revolta ocorreu três dias após o julgamento, quando Manoel Faustino, Luís Gonzaga, João de Deus e Lucas Dantas foram enforcados na Praça da Piedade. Seus corpos foram esquartejados e expostos publicamente, como uma forma de intimidação. Outro participante, o ourives Luís Pires, conseguiu fugir e permaneceu foragido.
A Revolta dos Búzios é um importante marco na luta do povo negro contra a opressão e a exploração, protagonizando uma das mais relevantes revoltas com reivindicações políticas claras e fundamentais na trajetória das batalhas travadas em defesa da independência nacional à revelia da historiografia oficial que mascara o papel ativo e protagonista da luta dos explorados na construção de nossa história. Credita aos homens brancos das elites o papel de heróis da pátria, na medida em que se basta com uma independência inacabada, conveniente para as classes dominantes em sua disputa por hegemonia. A luta antirracista segue sendo central para a conquista de uma independência de fato, porque embora as circunstâncias tenham mudado ao longo do tempo, a opressão ainda persiste, engendrada na estrutura do sistema capitalista, sustentando na exploração e opressão. A luta do povo negro por moradia, trabalho e condições de vida dignas continua a ser uma necessidade histórica, reafirmando que a superação da exploração e a construção de uma sociedade livre exige a destruição do sistema que perpetua a exploração de uma classe sobre a outra.
Saiba Mais
TEIXEIRA, Marli Geralda. Revolta de Búzios ou Conjuração Baiana de 1798: uma chamada para a liberdade. SALVADOR, Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Lei, v. 10, n. 03, 2009
PESTANA, Maurício. Revolta dos búzios: uma história de igualdade no Brasil. Associação Carnavalesca Bloco Afro Olodum, Escola Olodum, 2006.
TEIXEIRA, Marli Geralda. Revolta de Búzios ou Conjuração Baiana de 1798: uma chamada para a liberdade. SALVADOR, Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Lei, v. 10, n. 03, 2009