Por Projeto Brasil Real é um País que Luta
Via Brasil Real é um País que Luta
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No dia 5 de maio de 1977, milhares de estudantes da Universidade de São Paulo – USP e da Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP ocuparam o centro da cidade em um grande protesto contra a ditadura, clamando pela libertação dos presos políticos do regime e em defesa liberdades democráticas no que foi o primeiro ato de massas depois de decretado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), responsável pelo recrudescimento do aparelho repressor. Durante a passeata, a população apoiava e aclamava os estudantes jogando papéis picados das janelas. O ato foi desencadeado pela prisão de oito militantes da Liga Operária, uma pequena organização política trotskista, que distribuíam panfletos em Santo André, às vésperas do primeiro de maio, Dia do Trabalhador.
A Liga Operária, que mais tarde daria origem à Convergência Socialista, tinha como prioridade política a intervenção no movimento operário com o objetivo de ganhar influência no movimento de massas. Em 29 de abril, foram presos Celso Brambilla, José Maria de Almeida, Márcia Basseto Paes, Cláudio Júlio Gravina e os estudantes Ademir Mariri, Fernando Antônio de Oliveira Lopes, Fortuna Dwek e Ana Maria Fabri. Todos sofreram tortura e foram acusados com base na Lei de Segurança Nacional. A direção da organização buscou apoio e solidariedade no movimento estudantil, enviando comissões de operários para assembleias estudantis, que respondeu prontamente em apoio aos militantes presos, pois reconhecia naquela prisão a perseguição a todos aqueles que se mobilizavam contra os efeitos da crise do projeto econômico da ditadura que se aprofundava. Como dizia um trecho da carta distribuída para a população no dia 5, “Hoje viemos às ruas para exigir imediata libertação de nossos companheiros operários (…) São considerados subversivos todos aqueles que não aceitam a exploração econômica, o arrocho salarial, a alta do custo de vida e trabalho”.
No dia 3 de maio foi realizado um ato no auditória da PUC com mais de 5 mil estudantes, entre eles os estudantes da própria universidade, os estudantes da USP, já em greve geral pela liberdade dos operários e estudantes desde o dia anterior, além de estudantes do interior do estado. O que se seguiu no dia 4 foi o alastramento da greve por todo o estado, atingindo um número superior a 80 mil estudantes em greve. Em seguida foram registradas manifestações estudantis no Rio de Janeiro, em Brasília e depois em todo o país.
A grande manifestação do dia 5 começou no Largo São Francisco, sob as arcadas da Faculdade de Direito da USP, reunindo cerca de 7 mil estudantes, conforme relatos da época. Antes de saírem em marcha até a Praça da República, desafiando o Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, coronel Erasmo Dias, que afirmou não tolerar nenhuma passeata pelo centro da cidade, os estudantes leram em coro a carta aberta à sociedade, denunciando a tortura e os crimes da repressão: “Hoje consente quem cala: basta às prisões, basta de violência. Não mais aceitamos mortes como as de Vladimir Herzog e Alexandre Vannucchi Leme. Não queremos que nossos companheiros sejam maltratados e mutilados. Não queremos heróis aleijados como Manuel da Conceição. (…) Rejeitamos a exploração econômica, o arrocho salarial e o custo de vida elevado. (…) Fim às torturas, prisões e perseguições; liberdade imediata para os presos; anistia ampla e irrestrita; pelas liberdades democráticas.”
Cerca de 30 mil cópias da carta foram distribuídas enquanto a marcha seguia pelo centro. No Viaduto do Chá, um carro policial avançou contra os manifestantes, que, apesar da tentativa de intimidação continuaram até encontrarem uma barreira policial formada por todo o aparato policial e do DOPS, colocado à disposição por Erasmo Dias para a repressão aos estudantes, que foi registrada no filme “O Apito da Panela de Pressão”, produzido por alunos da USP e exibido em universidades de todo o país, mesmo sob proibição. O ato foi dispersado por bombas de gás lacrimogêneo, mas as mobilizações estavam longe de terminar. Pelo contrário, estavam apenas começando.
Atos e passeatas estudantis espalharam-se pelo Brasil. No Rio de Janeiro, 7 mil estudantes marcharam em 10 de maio. O ministro da Justiça, Armando Falcão, enviou ofícios aos governadores exigindo repressão ao Dia Nacional de Luta, marcado para 19 de maio. Nesse dia, 8 mil estudantes foram às ruas em São Paulo e no Rio, 5 mil em Belo Horizonte, além de manifestações em Salvador, Recife, Porto Alegre e Brasília, sempre enfrentando repressão. Na UnB, a polícia ocupou o campus até o final do ano, a pedido do reitor, capitão-de-mar-e-guerra José Carlos Azevedo.
A juventude e o movimento estudantil protagonizavam mais uma vez, mantendo fidelidade à sua tradição de lutas, a reorganização de um processo de lutas que não se encerrariam antes do fim da ditadura militar, encontrando-se, poucos anos mais tarde, com as greves operárias que renderiam um salto na organização política dos trabalhadores.
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Reconstrução do movimento e redemocratização (Memória da Ditadura)
A perseguição ao Movimento Estudantil Paulista (Comissão da Verdade SP)
O papel do movimento estudantil na resistência à ditadura (Ditadura Nunca Mais)
O movimento estudantil contra a ditadura militar: a rede de solidariedade (UFPE)
O Movimento Estudantil no Brasil de 1964 a 1984 (PUC-SP)
O papel da memória no movimento estudantil universitário durante a ditadura militar (Revista História Ciências Saúde)
O movimento estudantil durante o regime militar (1964-1979) (UEM)