Por Projeto Brasil Real é um País que Luta
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Os efeitos da crise financeira internacional do capitalismo aberta nos Estados Unidos com a quebra de um dos bancos mais tradicionais do país, o Lehman Brothers, fundado em 1850, ao contrário do que apostava o governo Lula, ou, ao menos, o que expressava nas suas declarações, chegou ao Brasil não como uma “marolinha”, mas como uma avalanche que sacudiu o cenário social e político do país. Era o capitalismo neoliberal adentrando uma de suas piores crises. A nível internacional os efeitos da crise se transformaram em ebulição política e processos de levantes de massas, da América do Sul, passando pela Europa, até o Oriente Médio, desestabilizando e derrubando ditaduras, colocando em cheque o consenso neoliberal e seu programa de austeridade fiscal, arrocho salarial, destruição dos direitos e mercantilização da vida. Definitivamente, ficava cada vez mais distante a máxima do “fim da história”. É preciso destacar que os processos de convulsão desencadeados pela crise não tinham uma direção estabelecida, um programa claro, mas era evidente que os regimes políticos não mais davam conta de canalizar a indignação e a revolta popular.
No Brasil, o ano que ficou marcado como o epicentro desse processo no país foi o ano de 2013. O desgaste das instituições políticas da Nova República se aprofundava na medida em que o governo Dilma dava passos cada vez mais largos na aplicação da cartilha neoliberal; a frustração e desconfiança geradas pelos escândalos de corrupção e pelas manifestações do que há de mais abjeto no jogo político das negociatas, do “toma lá dá cá”, da adaptação completa do petismo à ordem, fruto de suas traições de classe, tomava proporções cada vez maiores na medida em que os efeitos da crise eram sentidos pela população. A aposta do governo era seguir o pacto com as elites, preço que custaria muito caro ao próprio PT dois anos depois. O descontentamento e a revolta eram evidentes; não se enxergava saída por dentro de um regime político apodrecido e fundamentalmente responsável pelos ataques orquestrados e operados contra o povo.
As centenas de greves deflagradas de norte a sul no país naquele ano foram respostas dos trabalhadores ao arrocho salarial, à deterioração do poder de compra e ao desemprego que se manifestavam como efeitos de uma crise profunda. Setores da chamada nova classe trabalhadora, como as trabalhadoras e trabalhadores do telemarketing, também entraram em cena. Eram sinais de que se abria um momento em que as instituições da Nova República e sua dinâmica assimiladas pelo projeto de conciliação de classes, alicerçado no aparelhamento das entidades de classe, como as centrais sindicais, e contenção dos movimentos sociais, já não mais poderiam comportar e conter as massas. Em junho, o anúncio do aumento da tarifa do transporte público em São Paulo foi a gota d’água que levou milhares de jovens às ruas e se transformou no estopim de grandes manifestações massivas que se seguiriam em todo o país, fruto do descontentamento com os governos e tensões acumuladas diante da crise.
“Não é só por 20 centavos” foi a frase estampada e talvez a mais simbólica de todo aquele processo, seguida por palavras de ordem que traduziam o que estava em jogo: “se a tarifa não baixar, a cidade vai parar”; “queremos educação e saúde padrão FIFA”. Era um processo de luta por direitos, a juventude indignada tomava as ruas e arrastava multidões, fazendo das mobilizações o palco de disputa dos rumos do país. Enquanto se gastavam bilhões na construção de estádios e na infraestrutura da Copa do Mundo de 2014, o orçamento público para a educação e a saúde era cortado. O governo havia estabelecido suas prioridades, seguir privilegiando seus acordos com o capital financeiro e com as grandes construtoras; para o povo, arrocho.
Foi essa decisão política, expressão do esgotamento da estratégia de colaboração de classes, que orientou a resposta do governo às manifestações: a repressão violenta em colaboração com a direita, criminalizando a luta por direitos, a exemplo da ação conjunta de Alckmin e Haddad, à época governador e prefeito de São Paulo, respectivamente, um dos epicentros daquele processo de lutas. As consequências não tardariam a chegar. A confiança no governo federal se desgastava na medida em que o Partido dos Trabalhadores dava uma demonstração clara, agora diante de grandes setores de massas, de seu abandono das trincheiras das lutas e sua passagem para o campo de defesa da ordem. O rompimento com as instituições da Nova República significou, também, a ruptura com o projeto político do PT.
É fundamental destacar o papel cumprido pelo PSOL em todo esse processo: o partido apostou nas lutas e nas ruas como o espaço determinante para a construção de uma alternativa pela esquerda que apresentasse uma saída real para a crise, disputando a consciência de milhões que ocupavam as ruas em defesa de seus direitos ameaçados pelo aprofundamento das políticas neoliberais. Junho de 2013, era a manifestação em território nacional de um processo internacional de lutas democráticas e econômicas que se abria e que assumiam mesmo alguns traços de caráter anticapitalista. A construção do partido enquanto ferramenta independente de organização da classe trabalhadora ao redor de um programa de bandeiras históricas abandonadas pela esquerda adaptada à ordem foi essencial para fazer essa disputa.
Entre 2014 e 2015, a direita, que em 2013 organizava a repressão nos governos e hostilizava os processos de luta, começou a organizar manifestações que eram simulacros de 2013, na tentativa de capturar e capitalizar o saldo deixado pelas jornadas de junho diante da crise de representação que se abrira. Foi ali, diante do desgaste da influência e controle do petismo sobre o movimento de massas, da necessidade de aprofundar a aplicação da cartilha neoliberal de desmonte de direitos e de uma base social em setores das massas para operar esse processo que começou a se produzir o processo que culminaria no impeachment de Dilma. A desmoralização do PT descartava sua utilidade naquele momento para a aplicação do programa burguês. O que se seguiu foi o fortalecimento da extrema-direita que capturou a bandeira “antissistema” e se enraizou socialmente.
Hoje, diante de um novo governo Lula, após a derrota apertada sobre Bolsonaro em 2022, produzida, sem dúvida alguma, também pelos processos de luta, nossa aposta precisa seguir sendo as ruas. A derrota estratégica do projeto político da extrema-direita só será concreta com a superação do projeto neoliberal e a construção de uma alternativa anticapitalista que dê conta dos efeitos da crise que o engendra enquanto sintoma da barbárie que se coloca no horizonte. É preciso dizer que a crise abre fraturas que carregam contradições e expressam a luta de classes em sua face mais acirrada. É necessário, portanto, enxergar no combate ao neofascismo a necessidade de uma saída radical pela esquerda. Não será apostando as cartas na continuidade da aplicação da política de austeridade fiscal e de benefícios ao capital estrangeiro e ao agronegócio continuadas pelo governo que teremos alguma chance de derrotar a extrema-direita. Que venham novos junhos!
Saiba Mais
As manifestações de junho de 2013 e a representação política (UFMG)
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“As manifestações de junho de 2013 pra gente não acabou” (UFS)
Os protestos de junho de 2013 no Brasil: neoliberalismo e crise da democracia liberal (UFBA)
Jornadas de junho 2013 no Brasil: uma análise dos protestos (BDTD)
Brasil, junho de 2013, classes e ideologias cruzadas (USP)
As manifestações político-sociais brasileiras de junho de 2013: um enfoque sistêmico-funcional (PUC-SP)