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O maio de 68 no Paraná
Antifascismo

O maio de 68 no Paraná

A luta dos estudantes paranaenses contra a ditadura

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Via Brasil Real é um País que Luta

Tempo de leitura: 6 minutos.

Desde 1964, o Brasil vivia sob a ditadura militar, marcado pela repressão política e a censura aos movimentos sociais e de organização dos trabalhadores e estudantes. Durante a ditadura, foram várias as tentativas de alinhar a educação superior por meio de transformações profundas aos interesses do capital e do sistema de controle social imposto pela ditadura. Entre os nomes mais destacados nesse projeto de mercantilização das universidades públicas, está o de José Figueiredo Suplicy de Lacerda, ex-reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e nomeado, em 1964, Ministro da Educação no regime militar. Suplicy de Lacerda foi um dos principais articuladores dos planos MEC-USAID e de reforma universitária, um projeto de reformas educacionais que pretendia, entre outras medidas, a implementação da cobrança de mensalidades nas universidades públicas brasileiras.

A proposta de cobrança de mensalidades nas universidades públicas gerou uma forte reação do movimento estudantil, resistindo à ameaça ao caráter gratuito da educação superior. A luta dos estudantes, especialmente na Universidade Federal do Paraná, foi fundamental para barrar essas reformas e garantir a manutenção do modelo de universidade pública. Essa resistência estudantil se transformou em um dos episódios mais emblemáticos da história do movimento estudantil no Brasil, demonstrando a força e a mobilização dos estudantes diante de um contexto de repressão política e censura. As ações dos estudantes foram fundamentais para expor a arbitrariedade do regime e chamar a atenção dos setores médios da sociedade, que, àquela altura, eram majoritariamente quem ocupava as universidades, ampliando um desgaste nas bases sociais de sustentação da ditadura apoiados no discurso anticomunista. 

Além dos planos MEC-USAID, uma iniciativa conjunta entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que tinham como objetivo reestruturar o sistema educacional brasileiro, com uma série de medidas de “modernização” que, na prática, reformulavam a lógica da formação a uma formação técnica e profissionalizante, alinhada às necessidades e interesses do mercado, Suplicy de Lacerda foi responsável pela Reforma Universitária de 1968 (Lei 5.540/68) que, entre outras alterações, previa a implantação de mensalidades nas universidades públicas, o que gerou forte reação do movimento estudantil. Foi ele também, responsável, no primeiro ano da ditadura, pela Lei 4.464/64, que proibiu e jogou na ilegalidade as atividades das entidades estudantis como a UNE, as uniões estaduais é demais organismos de representação estudantil. 

Em 1968, com o avanço das propostas de Suplicy de Lacerda e com a crescente ameaça de implementação da cobrança de mensalidades, estudantes da UFPR começaram a organizar mobilizações contra as reformas educacionais. O primeiro ato desse confronto se deu no dia marcado para que acontecesse o vestibular da universidade, 13 de maio, com a previsão de que a UFPR iniciaria a cobrança de mensalidades no curso de engenharia. Os estudantes reunidos se dirigiram até o centro politécnico, um dos campus da universidade, e lá enfrentaram corajosamente a polícia no episódio que ficou conhecido como a “batalha do politécnico”. O vestibular não aconteceu e foi remarcado, mas o ministro da educação e a universidade não recuavam, foi então que se organizou um grande movimento de resistência pelos estudantes em torno de uma pauta clara: a defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade. Embora a ditadura tentasse silenciar e desarticular essas ações por meio da repressão policial e da censura, a resistência estudantil na UFPR se mostrou resiliente e determinada.

No dia 13 de maio, assembleias de estudantes com milhares de participantes deflagraram greve e a mobilização se voltou para a ocupação da reitoria da universidade. O dia seguinte foi a data escolhida para a ação; todos os três prédios do campus da reitoria foram cercados por barricadas para impedir a entrada dos carros da polícia militar e depois foram ocupados pelos estudantes. No episódio, o busto levantado em homenagem a Suplicy de Lacerda na universidade foi derrubado e arrastado pela rua XV de novembro como denúncia e repúdio aos planos arbitrários do ministério da educação. A repercussão da tomada da reitoria, como ficou conhecida a ocupação, foi grande e obrigou a universidade a recuar na implementação do ensino pago, da qual seria pioneira. 

A mobilização estudantil foi fundamental para barrar em seu primeiro passo um projeto que, sem a resistência organizada dos estudantes, passaria e significaria uma catástrofe para a construção da universidade pública no Brasil. Em dezembro daquele mesmo ano seria decretado o Ato Institucional n°5, o AI-5, responsável pelo recrudescimento da repressão, perseguição política e violência da ditadura que atingiriam duramente o movimento estudantil, sem dúvida uma resposta política aos processos de luta que dificultavam a vida da ditadura e precisavam ser desmantelados a qualquer custo. 

Hoje, em meio a uma profunda crise do sistema capitalista em sua fase neoliberal, com o fortalecimento e enraizamento social da extrema-direita como um sintoma mórbido de suas contradições estruturais, onde a educação pública sofre ameaças constantes da ofensiva neoliberal de sucateamento e privatização, a resistência dos estudantes paranaenses em 1968 deixa lições fundamentais e muito vivas sobre as tarefas necessárias na defesa da educação pública. 

Com o vazamento da trama golpista organizada por Bolsonaro e um setor das forças armadas contra a democracia, o busto de Suplicy de Lacerda, que segue (re)erguido na Universidade Federal do Paraná, é símbolo de um país que não acertou as contas com a sua história e que vive sob ameaça constante de um passado que não ficou tão distante e que precisa ser lembrado, não como simples recordação, mas para que pela memória se encontre a verdade e seja feita justiça. A luta pela punição dos golpista de ontem e de hoje é parte fundamental da defesa da universidade pública frente ao aprofundamento da crise e de seus desdobramentos políticos, manifestados no projeto autoritário de criminalização da organização das lutadoras e lutadores, único caminho viável para enfrentar consequentemente a extrema-direita e construir saídas. 

Saiba Mais

Evento “Brado Retumbante” relembra tomada da reitoria em 1968 e faz discussão sobre ativismo estudantil (UFPR)

As mobilizações na UFPR (Fórum Verdade)

Maio de 1968 na Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Maio de 68 é lembrado na UFPR (Folha de Londrina)



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