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O historiador conservador que todo socialista deveria ler
História

O historiador conservador que todo socialista deveria ler

Antes de sua morte em 2020, o historiador conservador Paul Schroeder voltou sua atenção para o império americano. Uma vida inteira dedicada ao estudo da desastrosa trajetória que levou à Primeira Guerra Mundial lhe deu motivos para ficar horrorizado com a imprudência da política externa dos Estados Unidos

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Via Jacobin

Tempo de leitura: 8 minutos.

A política internacional é profundamente hostil à intervenção democrática. Pelo menos parte da razão para isso é que a estabilidade, em vez de igualdade ou justiça, é a norma orientadora das relações internacionais. As salas de reunião figurativas, cheias de fumaça, onde a paz é negociada e as guerras planejadas, têm pouca relação com parlamentos ou protestos. Não é surpreendente, então, que por temperamento, senão por orientação política, alguns dos escritores mais perspicazes sobre a história das relações internacionais tenham sido conservadores. Desses, o falecido historiador Paul Schroeder foi exemplar por sua capacidade de oferecer insights capazes de desmantelar equívocos tanto da direita quanto da esquerda.

Autodeclarado conservador, Schroeder esperava, na juventude, tornar-se pastor luterano, mas abandonou essa ideia quando tinha 27 anos. Em vez de seguir a vida religiosa, optou pela carreira acadêmica, tornando-se historiador do sistema internacional europeu e, nos últimos anos de sua vida, um crítico feroz da arrogância da política externa neoconservadora sob George W. Bush. America’s Fatal Leap: 1991–2016, uma coletânea de seus ensaios publicada pela Verso este ano, reúne textos originalmente publicados na American Conservative, uma revista fundada por Pat Buchanan. A Verso lançou o livro junto com Stealing Horses to Great Applause: The Origins of the First World War Reconsidered, um conjunto kaleidoscópico de ensaios sobre o sistema estatal europeu no século que antecedeu e durou durante a Grande Guerra. Em Stealing Horses, Schroeder procurou oferecer uma visão estrutural do sistema internacional de estados e criticar os equívocos anteriores sobre as causas da Primeira Guerra Mundial; já America’s Fatal Leap, ao contrário, usou o quadro conceitual da política das grandes potências do século XIX para analisar a arrogância da política externa dos EUA no pós-Guerra Fria.

Formando uma Aliança Anti-Revolucionária

A principal obra de Schroeder foi The Transformation of European Politics 1763–1848, publicada em 1994. Seu primeiro livro, The Axis Alliance and Japanese-American Relations 1941 (1958), baseado em sua dissertação de mestrado, foi um estudo sobre as duas potências hegemonistas do Pacífico e os acontecimentos que levaram ao ataque a Pearl Harbor. Seguiram-se Metternich’s Diplomacy at Its Zenith, 1820–1823 (1962) e Austria, Great Britain, and the Crimean War (1972). The Transformation of European Politics, uma obra monumental de mais de 900 páginas, seria sua última monografia. Schroeder passaria a próxima década e meia, até sua morte em 2020, escrevendo ensaios e artigos intervenientes em debates acadêmicos e políticos.

Muitos historiadores e cientistas sociais examinam as guerras como exceções ou catástrofes, rupturas cujas origens devem ser estudadas para preveni-las no futuro. A percepção de Schroeder foi inverter essa postura comum. Para ele, a questão não era por que as guerras aconteciam, mas por que a paz persistia? A guerra, ele argumentava, era, de fato, o estado natural das relações entre os estados. Era a condição para a qual as relações estatais tendem na ausência de qualquer força contrária. A paz é que é antinatural.

A guerra, ele argumentava, era, de fato, o estado natural das relações entre os estados.

No entanto, de alguma forma, a paz, ou pelo menos a evitação de conflitos entre grandes potências, foi possível no passado. O exemplo central de Schroeder de um período anterior de paz foi o século XIX na Europa. Entre a derrota de Napoleão Bonaparte em Waterloo, em 1815, e a Guerra Franco-Prussiana, em 1870, a Europa viveu um período de relativa calma. Essa longa paz foi possível em grande parte graças ao Concerto da Europa, um acordo complexo entre as grandes potências do continente que reconheceu a existência de esferas de influência. Produziu o que ficou conhecido como o Sistema de Viena, uma ordem notavelmente estável que entrou em grande crise nas últimas décadas do século XIX antes de implodir dramaticamente em 1914. Stealing Horses é, essencialmente, uma autópsia desse sistema, escrita com calma e rigor analítico.

Reconhecendo que a coexistência pacífica entre as nações não era apenas uma possibilidade, mas também uma atividade primária da arte da diplomacia, Schroeder se distinguiu da tradição pessimista conservadora associada a Thomas Hobbes. Esta tradição vê o reino internacional como um estado global de natureza, no qual as nações se enfrentam em uma guerra de todos contra todos. Ele não tentou negar a realidade do estado de natureza, mas insistiu que os seres humanos poderiam se organizar de maneiras que eliminassem ou reduzissem a ameaça de violência.

A longa paz que se tornou o tema do último livro de Schroeder recebeu seu nome do Congresso de Viena. Lá, os líderes globais fizeram um balanço do mundo pós-napoleônico e buscaram criar novas formas de relações estatais que prevenissem o surgimento de outra conflagração. As grandes potências queriam desesperadamente evitar o retorno de um período de instabilidade como o que havia assolado o continente de 1789 a 1815. Embora a paz que os negociadores alcançaram tenha sido duradoura, ela estava longe de ser estável.

O Sistema de Viena passou por uma série de ciclos de vida. Seu ponto alto foi o período de 1815 a 1848, após o qual o sistema enfrentou vários desafios, desde a Guerra da Crimeia na década de 1850 até a unificação alemã em 1871. O sistema então prosseguiu cambaleante até a década de 1890, antes de sofrer uma paroxismo fatal no verão de 1914. Embora essa paz estivesse longe de ser perfeita, Schroeder argumentava que ela representava um desenvolvimento fundamentalmente novo na política europeia desde a formação do sistema estatal moderno no século XVII.

Schroeder rapidamente reconheceu que a manutenção da paz não é a mesma coisa que o fim da competição e do conflito entre os estados. O Sistema de Viena funcionou tão bem quanto funcionou exatamente porque não eliminou toda a fricção entre os estados. Pelo contrário, trabalhou para canalizar e mediar essa fricção. Para fazer isso, o sistema criou novas regras para a condução das relações diplomáticas, estabeleceu uma forma de direito internacional, garantiu que embaixadores e aristocratas realizassem conferências e congressos para negociar acordos e manteve um consenso geral sobre a necessidade de criar compromissos e coalizões para determinar territórios e também isolar os estados que violassem essas convenções.

Na prática, isso significava reduzir a influência da França e preservar o Império Habsburgo como um amortecedor contra as ambições conflitantes da Prússia, da Rússia e do Império Otomano na Europa Central, enquanto também controlava o desejo dos pequenos estados por expansão territorial. A Revolução Grega de 1821 foi um campo de provas para a nova lógica de equilíbrio de poder. Lá, as grandes potências atuaram para impedir a intervenção russa, que teria provocado uma resposta otomana e, assim, uma guerra geral no Leste Europeu e nos Balcãs. Essa paz, no entanto, não foi sem custo. Ela foi comprada por meio da repressão dos reformadores nacionalistas liberais, por aquilo que equivaleu a uma aliança internacional anti-revolucionária.

Austrofilia Negativa

Um dos pilares centrais da visão de Schroeder é o que ele chamou de “austrofilia negativa”. Isso significava uma aceitação pragmática da necessidade de um estado unificador na região da Europa Central, área ocupada pelo Império Habsburgo. Esta não foi uma posição que ele adotou por simpatia com o ancien régime. Pelo contrário, ele acreditava que, sem tal estado na região, o potencial para conflitos violentos só aumentaria. A manutenção do Império Habsburgo impediu a criação de um vácuo no qual os impérios vizinhos se lançariam, inevitavelmente produzindo conflitos. A austrofilia negativa representa um princípio geopolítico mais amplo. Trata-se de que estados de amortecimento e áreas mediadoras entre grandes potências são necessários tanto para diminuir as ambições dos estados fortes quanto para reduzir a probabilidade de que eles entrem em conflito entre si.

O que motivou o apoio de Schroeder à austrofilia negativa foi a crença de que a ordem, mais do que a justiça, era o princípio orientador de qualquer sistema internacional de estados. Essa era uma posição conservadora clássica, nascida do medo de que demandas utópicas por reparações só poderiam aumentar a violência e a instabilidade. Embora o Império Habsburgo fosse um estado imperfeito por muitas métricas, para Schroeder o importante não era derrubar ou remover estados imperfeitos, mas sim operar com um realismo sobre o vácuo político que um estado pode manter afastado por sua existência. Resumida em uma frase, a filosofia de Schroeder era essencialmente: “melhor o diabo que você conhece”.

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