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Democracia da Coréia do Sul na sombra da extrema direita
Extrema Direita

Democracia da Coréia do Sul na sombra da extrema direita

Forças neofascistas crescem no país asiático em meio à crise institucional

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Via East Asia Forum

Tempo de leitura: 6 minutos.

Em 4 de abril de 2025, a Corte Constitucional da Coreia do Sul decidiu por unanimidade remover o presidente Yoon Suk-yeol, já anteriormente impichado, alegando que ele “violou a ordem constitucional e representava uma ameaça grave à República Democrática”. Após sua destituição, o país enfrenta uma onda de extrema direita fortalecida sob o governo de Yoon, além das persistentes crises estruturais que a possibilitaram.

O gatilho imediato para o impeachment foi a declaração de lei marcial por Yoon em 3 de dezembro de 2024, após a derrota de seu partido nas eleições parlamentares. Yoon se apresentou como defensor contra “forças pró-Coreia do Norte e anti-Estado”, galvanizando uma base de extrema direita que invadiu tribunais, ameaçou juízes e classificou o impeachment como uma conspiração estrangeira.

O que diferenciou este episódio não foram apenas as ações de Yoon, mas também o apoio do governista Partido do Poder do Povo (PPP), que ecoou suas alegações e cortejou grupos de extrema direita.

Esses grupos diferem dos conservadores tradicionais sul-coreanos tanto na origem quanto na orientação. Enquanto os conservadores anteriores operavam majoritariamente dentro das normas constitucionais e priorizavam o crescimento, a estabilidade e a segurança nacional, os grupos atuais mesclam populismo reacionário com teorias da conspiração, ressentimentos culturais e hostilidade à democracia liberal. Essa base não se define tanto por uma ideologia coerente, mas sim por uma mobilização afetiva baseada no antifeminismo, sentimento anti-imigrante — especialmente anti-China —, nacionalismo religioso e rejeição ao pluralismo em favor de um moralismo absolutista. Diferente dos conservadores tradicionais, que buscavam consensos entre elites, os atores de extrema direita em 2025 se mobilizam fora das estruturas institucionais por meio de igrejas, plataformas online e protestos de rua, enquadrando seus opositores como inimigos existenciais.

Antes marginais, essas forças ganharam espaço em meio à precariedade econômica, mudanças demográficas e liberalização cultural. Sua ascensão sob Yoon marcou uma transição do conservadorismo institucional para uma política de cerco, ressentimento e tentação autoritária — dinâmica que continua a moldar o cenário político sul-coreano mesmo após sua saída do poder.

Dois grupos demográficos-chave estão por trás desse crescimento da extrema direita: uma “geração esquecida” de cidadãos idosos e homens jovens na faixa dos 20 e 30 anos — a chamada “geração 2030”. O colapso das estruturas sociais tradicionais e a insuficiência dos sistemas de bem-estar social deixaram os idosos — que enfrentam a maior taxa de pobreza entre idosos nos países da OCDE — com a sensação de terem sido abandonados pela sociedade que ajudaram a construir. Ao mesmo tempo, muitos homens jovens, diante de salários estagnados, insegurança no emprego e serviço militar obrigatório, tornaram-se cada vez mais ressentidos com o feminismo e inclinaram-se a visões conservadoras. Esses grupos formam a espinha dorsal de um movimento reacionário que transforma frustrações pessoais em fúria nacionalista.

Estatísticas das eleições presidenciais de junho de 2025 revelam muito, especialmente sobre a geração 2030. Entre os homens com 20 anos ou menos, 74,1% votaram no candidato do PPP, Kim Moon-soo, ou no candidato conservador do Partido da Reforma, Lee Jun-seok — um aumento de 15 pontos em relação a 2022 —, enquanto 60,3% dos homens na faixa dos 30 anos fizeram o mesmo. Já o candidato liberal Lee Jae-myung obteve apenas 24% e 37,9% de apoio entre esses dois grupos, respectivamente. Em contrapartida, quase 60% das mulheres da geração 2030 apoiaram Lee Jae-myung, revelando uma crescente divisão de gênero.

A religião também teve papel central na ascensão da extrema direita. Igrejas protestantes conservadoras, especialmente evangélicos alinhados aos EUA, tornaram-se centros de ativismo extremista. Mobilizando retóricas anti-LGBTQ+ e anticomunismo da Guerra Fria, essas igrejas oferecem uma estrutura emocionalmente carregada e teologicamente justificada para a rejeição da política liberal. O pastor extremista Jeon Kwang-hoon organizou comícios exaltando Yoon com o slogan “Salvem a Coreia” e conclamou os fiéis a mobilizarem 30 milhões de pessoas contra o impeachment. Eventos como os comícios Taegeukgi combinaram símbolos patrióticos, hinos religiosos e slogans políticos, criando um espaço em que fé pessoal e política nacionalista se reforçam mutuamente.

A aliança do PPP com esses grupos é uma aposta perigosa. Ao tentar salvar seu poder, o partido legitimou atores que rejeitam os fundamentos da democracia. Isso reflete uma tendência observada no Partido Republicano dos EUA, onde o abraço ao extremismo de direita corroeu normas institucionais e intensificou a polarização política. O impeachment de Yoon pode ter interrompido uma queda rumo ao autoritarismo, mas não resolveu a crise mais profunda — a normalização das ideologias extremistas, o colapso de uma alternativa conservadora moderada e a incapacidade dos progressistas de construir uma coalizão ampla e inclusiva.

O governo de Lee Jae-myung, iniciado em junho de 2025, enfrenta o desafio de recalibrar a política externa da Coreia do Sul em uma região volátil, enquanto navega por uma intensa polarização interna. Lee prometeu unidade nacional e moveu-se do progressismo para uma centro-esquerda mais moderada, enfatizando a aliança com os EUA e a cooperação trilateral com o Japão. No entanto, essa postura de consenso pode enfraquecer ainda mais as forças progressistas do país, deixando a extrema direita radicalizada sem contrapeso. Isso ocorre em um contexto de crescente pressão externa, sobretudo com os esforços renovados do presidente Donald Trump para instrumentalizar o Nordeste Asiático contra a China. Sem alternativas críveis às correntes de extrema direita, a Coreia do Sul corre o risco de comprometer sua consistência diplomática e credibilidade estratégica.

O que acontecerá a seguir depende não apenas das elites, mas também do povo. Como reconheceu a Corte Constitucional, foi a resistência cidadã e a não adesão institucional que impediram o autogolpe de Yoon. Cidadãos comuns demonstraram que o espírito democrático da Coreia do Sul permanece resiliente. No entanto, resiliência por si só não basta. As estruturas que produziram essa crise — desigualdade neoliberal, alienação geracional, divisão de gênero e uma direita religiosa radicalizada — continuam intactas.

O impeachment de Yoon e a eleição de Lee são apenas o início de uma luta muito mais longa e difícil para reconstruir a confiança nas instituições e garantir que a democracia constitucional continue sendo uma realidade vivida. Nessa luta, a coragem dos cidadãos pode novamente se revelar a maior defesa da Coreia do Sul.

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