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Dentro do ecossistema de mídias sociais da extrema direita que está normalizando suas ideias no Reino Unido
Cultura e Esporte

Dentro do ecossistema de mídias sociais da extrema direita que está normalizando suas ideias no Reino Unido

Muitos indivíduos e grupos da direita radical e da extrema direita estão usando um processo conhecido como captura de audiência para influenciar as políticas públicas

Por e

Via The Conversation

Tempo de leitura: 6 minutos.

No último mês de setembro, o líder do Reform, Nigel Farage, rejeitou uma política de deportações em massa como uma “impossibilidade política”. Agora, um ano depois, o partido promete deportar até 600 mil migrantes ilegais e retirar retroativamente o direito de residência permanente de pessoas já estabelecidas no Reino Unido.

Essa é uma guinada drástica à direita, mesmo para o Reform. Apenas no ano passado o partido afirmava buscar representar a “maioria silenciosa” e manter afastados os “extremistas”.

Ao explicar essa mudança, políticos do Reform provavelmente alegariam que é isso que a maioria silenciosa deseja. Apontariam para o endurecimento da opinião pública sobre imigração ilegal.

Eles também quereriam evitar a acusação de que cederam aos extremistas ao propor tais políticas. Afinal, o Reform tem procurado se distanciar da extrema direita, mesmo enquanto se move cada vez mais na direção dela.

Mas uma análise das redes sociais sugere outra coisa. Muitos indivíduos e grupos da direita radical e da extrema direita estão usando um processo conhecido como captura de audiência (audience capture) para influenciar as políticas públicas.

Um grupo de contas anônimas no X (antigo Twitter) adota o que chamam de estratégia posting-to-policy — ou seja, publicar para influenciar políticas. Essas contas — algumas administradas por profissionais de Westminster desiludidos — publicam para injetar suas frustrações no debate online.

O objetivo é fazer com que suas narrativas circulem e ganhem popularidade em redes de direita. Uma vez estabelecidas, esperam que políticos — muitos dos quais os seguem — adotem suas ideias.

Um exemplo é o uso do termo “Boriswave”, que se refere ao aumento da imigração de fora da UE durante o governo de Boris Johnson. O termo nasceu e se espalhou a partir dessa rede, e agora é amplamente usado no debate público — inclusive pelo Reform, que o utilizou para justificar a proposta de revogar o direito de residência permanente.

Outro exemplo é o esquema Motability, um programa que ajuda pessoas com deficiência a alugar carros. Ele foi inicialmente atacado por contas anônimas no X como um sistema caro e suscetível a fraudes, e passou a dominar o debate sobre reforma do bem-estar social em 2025. A líder conservadora Kemi Badenoch prometeu recentemente restringir os critérios de elegibilidade do programa.

Embora muitas dessas contas sejam anônimas, algumas são mais abertas. Conservadores online como Connor Tomlinson e Steven Edington se gabam de ter ajudado o Reform a mover-se ainda mais à direita.

Além desses usuários e influenciadores, há os casos de ex-políticos do Reform, como o deputado Rupert Lowe e o líder do Advance UK, Ben Habib. Ambos deixaram o partido em meio a desavenças e agora lideram movimentos alternativos — pressionando o Reform a adotar políticas mais radicais.

Lowe chamou a promessa do Reform de deportar até 600 mil migrantes ilegais de “patética” e sugeriu que o número fosse quadruplicado. Habib, por sua vez, participou dos protestos de extrema direita Unite the Kingdom, em setembro.

Somando todas essas forças, surge o que equivale a uma corrida armamentista da direita — comunidades de usuários empurrando por políticas cada vez mais extremas, tentando mudar as normas e diretrizes do Reform e da direita britânica.


Como uma ideia se espalha

Para entender essa dinâmica — e como a recente guinada do Reform foi moldada por ela —, pesquisadores analisaram as redes online que impulsionaram a discussão sobre “deportações em massa” no X ao longo do último ano. Usando métodos computacionais, identificaram quatro subcomunidades distintas, formadas pelas relações de retweet:

  • Em 2024, as discussões sobre deportações em massa eram dominadas quase exclusivamente pela extrema direita e pelas contas anônimas da direita radical. Avançando para abril de 2025, Lowe, Habib e outros influenciadores da direita entraram no debate em apoio à política.

Finalmente, em setembro — após o anúncio do Reform em agosto —, Farage e figuras centrais do partido substituíram esses influenciadores, assumindo a liderança de um movimento que eles mesmos não haviam criado. Assim, o partido se alinhou a uma política que, menos de um ano antes, rejeitava veementemente.

Essa análise oferece apenas um retrato parcial das discussões online e não explica os fatores políticos e socioeconômicos mais amplos. No entanto, demonstra como narrativas oriundas de ecossistemas de extrema direita e marginais podem migrar para o discurso dominante e influenciar políticas inteiras.


É difícil imaginar isso acontecendo sem o novo papel do X sob Elon Musk. Com figuras da extrema direita novamente permitidas na plataforma e a liberalização dos algoritmos, que impulsionam conteúdos mais extremos, o resultado tem sido a amplificação e normalização de discursos radicais.

Pesquisadores apontam que, por isso, as redes sociais funcionam hoje como um espelho distorcido, deformando a realidade política. Como o debate online é dominado por um pequeno número de vozes extremas (10% dos usuários produzem 97% do conteúdo político), o resultado é uma visão distorcida e não representativa da opinião pública.

Isso, por sua vez, confunde a percepção dos usuários sobre o que é ou não considerado “normal”. O fato de que, fora da internet, a maioria da população se opõe à remoção retroativa do direito de residência permanente reforça a ideia de que as mudanças de política do Reform estão sendo impulsionadas por um pequeno grupo de vozes influentes online, e não pela vontade das massas.

Se antes as redes sociais funcionavam como praças públicas, onde as pessoas podiam expressar suas opiniões e apoiar partidos políticos, hoje elas refletem cada vez mais as ações estratégicas de poucos influenciadores poderosos.

Embora a dimensão disso ainda não esteja totalmente clara, é preciso perguntar se as percepções do Reform sobre a opinião pública não estão sendo distorcidas por esse “espelho de parque de diversões” em que o X se transformou. E, considerando que o partido lidera as pesquisas, isso tem implicações sérias para o futuro político do Reino Unido.

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