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Os fiéis de extrema-direita do Brasil não estão desistindo
Extrema Direita

Os fiéis de extrema-direita do Brasil não estão desistindo

A correspondente da BBC na América do Sul examina os riscos dos adversários de extrema-direita de Lula.

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Tempo de leitura: 5 minutos.

Via BBC

Fora do quartel militar, no centro de São Paulo, há um pequeno grupo de cerca de 50 pessoas protestando.

Enroladas na bandeira do Brasil, elas estão cantando: “Forças armadas, salvem o Brasil”. Alguns estão balançando bandeiras com as palavras: “Nossa bandeira nunca será vermelha – fora com o comunismo”.

Ao seu redor, dezenas de barracas de lona foram montadas, a maioria delas verde, azul e amarelo, as cores da bandeira nacional, que agora estão associadas à extrema-direita do país.

Um jovem que se apresenta como Rodrigo está acampando em uma delas, junto com outras quatro pessoas.

Rodrigo diz que está disposto a ficar fora do quartel a longo prazo, se necessário. Ele se apresentou logo após as eleições presidenciais de outubro, nas quais o candidato de extrema-direita que apoiava – o atual presidente Jair Bolsonaro – perdeu por pouco para o canhoto Luiz Inácio Lula da Silva.

“É uma causa maior”, diz ele, explicando que ele está aqui para ficar e não considerar voltar para casa.

Quando perguntado se Jair Bolsonaro é a força motriz por trás de sua decisão de ficar e protestar, ele admite que está.

“Ele é influente nas redes sociais – as coisas que ele publica sobre família, Deus, liberdade, que são nossos princípios, nos fazem ficar aqui”.

Mas o colega de protesto Luca Oliveira discorda – ele diz que o movimento deles é maior do que o futuro ex-líder.

“Nosso sistema de votação? É uma fraude”, diz Luca. Ele afirma que o sistema de votação eletrônica do Brasil é propenso a irregularidades e que a Suprema Corte “tendenciosa” não está fazendo nada a respeito.

É um argumento familiar. Jair Bolsonaro o fez durante toda a campanha eleitoral, não fornecendo nenhuma prova para apoiá-lo. Mas repita as alegações uma e outra vez, e isso é suficiente para manter este grupo de pessoas nas ruas.

“Estamos pedindo algo diferente”, diz Luca, sem definir exatamente o que é isso.

A verdade é que as pessoas aqui querem que os militares se envolvam.

“Venho aqui principalmente porque temos razões para acreditar que as eleições não foram feitas de maneira limpa”, explica Sofia, 22 anos, uma estudante de direito que não queria dar seu sobrenome.

Sofia é uma estudante de direito que acha que o exército deve intervir.

“Lula é um ex-condenado. Torná-lo presidente é basicamente dizer que está tudo bem para você ser um criminoso aqui no Brasil”, diz ela referindo-se ao tempo em que o presidente eleito serviu na prisão antes de sua condenação ser anulada.

Juiz brasileiro anula as condenações do ex-presidente Lula

Sofia argumenta que, segundo a Constituição brasileira, cabe ao exército intervir para cuidar da segurança nacional nos casos em que houver algo errado com as eleições ou com as máquinas de votação eletrônica.

Ela diz que as forças armadas devem tomar “todas as medidas necessárias” para garantir que “a eleição seja correta”.

Mas não há sinal de que os militares do Brasil queiram intervir.

Um relatório das forças armadas sobre a segurança do sistema de votação eletrônica do Brasil não encontrou nenhuma evidência de fraude durante as eleições, apesar de ter apontado algumas vulnerabilidades que, segundo ela, poderiam ser exploradas.

Essa margem de dúvida é suficiente para manter esses manifestantes esperando uma reviravolta radical por parte das autoridades.

É um cenário replicado em todo o Brasil desde que Lula venceu as eleições presidenciais no final de outubro.

Um manifestante carrega um sinal que diz “#Brazilianspring” em uma referência aos protestos em massa em 2013, quando mais de um milhão de pessoas participaram de protestos anti-governamentais em cerca de 100 cidades em todo o país.

Os manifestantes acreditam que a eleição foi “roubada” por Lula

O cientista político Jonas Medeiros diz que estes protestos não são nada parecidos com a escala da agitação que o país vivia naquela época.

Mas ele adverte que vale a pena prestar atenção ao que está acontecendo agora. “Há uma tendência no campo progressista, bem como na mídia, de minimizar sua importância [dos protestos]”, diz o Sr. Medeiros.

“Que eles são apenas uma minoria de párias intervencionistas, portanto não lhes dêem nenhuma atenção. Mas estas pessoas estão construindo redes, possíveis organizações civis e esta é a semente para o futuro da oposição com a qual Lula terá que lidar durante os próximos quatro anos”.

Michele Prado é também uma cientista política. Ela sabe em primeira mão como estes manifestantes operam, porque até recentemente ela era um deles.

Ela votou em Jair Bolsonaro em 2018 e fala sobre ter se radicalizado antes de perceber que muitos dos argumentos que ela havia lido sobre os grupos de direita WhatsApp “não eram democráticos”.

Ela diz ter caído na narrativa que “parecia defender a democracia e a liberdade”.

Mas mesmo que a Sra. Prado tenha tido uma mudança de opinião, ela insiste que a influência do Sr. Bolsonaro continua forte.

“Basta olhar para o comportamento dele até agora”. Ele ainda não fez uma declaração [após a vitória de Lula]”, diz ela referindo-se ao fato de que o presidente cessante não admitiu a derrota.

Jair Bolsonaro não foi muito visto em público desde que perdeu nas eleições.

“Ele deixou a porta aberta para que a mobilização extremista continuasse. Ele legitima esta radicalização e a extrema-direita porque ele mesmo passou todo seu mandato atacando as instituições democráticas, desrespeitando as minorias, a separação do poder”, explica ela.

A estudante de direito Sofia é uma das que ainda resiste para que as forças armadas impeçam de alguma forma a entrega do poder.

Ela diz que acredita que “as forças armadas realmente farão algo” para impedir que Lula assuma o poder.

É um resultado improvável que aqueles que protestam ao lado dela fora do quartel do exército ainda possam estar resistindo, mas um resultado que poucos brasileiros realmente acreditam que ocorrerá.

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