Via El País
O Partido Republicano virou a política chilena de cabeça para baixo. A força de extrema direita, liderada pelo advogado José Antonio Kast, de 57 anos, obteve no domingo um número recorde de votos nas eleições para o Conselho Constituinte, que redigirá uma nova constituição.
O partido – defensor da atual Carta Magna, redigida em 1980 durante a ditadura de Augusto Pinochet – obteve 35% dos votos, o equivalente a 23 assentos (de 51) no órgão encarregado de redigir uma nova Constituição. Desbancando os três partidos tradicionais de direita (UDI, Renovación Nacional e Evópoli, que juntos obtiveram 21% dos votos), o Partido Republicano, em 7 de maio, tornou-se o partido chileno a obter a maior porcentagem de votos desde 1965, quando a Democracia Cristã era a força hegemônica sob o comando de Eduardo Frei Montalva. Isso foi feito com 3,5 milhões de votos em todo o país, em uma eleição com 85% de comparecimento, no 50º aniversário do golpe de Estado de 1973. O partido alcançou esse sucesso incontestável com Kast no comando.
Benevolentes com Pinochet e aliados da Vox [da Espanha], os republicanos enchem suas propostas de emocionalidade, falando sobre questões como ordem, paz, crime, progresso, pátria, controle de imigração… “As ideias do senso comum”, como Kast as definiu após o sucesso do partido nas urnas, que conquistou a maioria em 254 dos 345 municípios do país. “Hoje não há nada para comemorar: porque o Chile não está bem, porque nós, chilenos, não estamos bem e isso deve estar gravado em nossos corações”, disse Kast no domingo, após a votação, em um comício na sede de seu partido, com a bandeira chilena ao fundo e vestido de terno e gravata.
Ele fez um apelo às famílias “sobrecarregadas e cansadas pela incerteza; pela pressão econômica e pelo mal-estar; pela perda de trabalho, que vem aumentando; pelo medo”. Com a insegurança cidadã como a principal preocupação dos chilenos, Kast falou de pessoas que “sofrem dia e noite e que veem como a paz de seus bairros está desaparecendo”. “É hora de trabalhar com unidade para o bem do Chile”, continuou o político que, em contraste com seu discurso radical, fala com um tom particularmente calmo.
Duro com Boric
Em contraste com a direita tradicional, Kast foi particularmente duro com o governo de Gabriel Boric, que chegou a La Moneda em março de 2022 apoiado por uma nova geração de esquerdas, a Frente Amplio, próxima ao Podemos. “O Chile derrotou um governo fracassado e isso deve ser dito em alto e bom som. Um governo que tem sido incapaz de lidar com as crises de segurança, migração, social, educação, saúde, habitação e muitas outras. Um governo no qual muitas coisas estão entrando em colapso”, disse Kast sob aplausos. “Começaremos a reconstruir e a recuperar nosso amado país”, acrescentou, completando suas críticas à atual administração, cuja popularidade não ultrapassa 30%.
De ascendência alemã, o advogado da Universidade Católica do Chile tem nove filhos, é católico praticante e seguidor do movimento apostólico de Schoenstatt. O Partido Republicano, que ele fundou em 2019, se opõe ao casamento igualitário, à adoção de crianças por casais do mesmo sexo, ao aborto, à educação sexual nas escolas e a um conjunto abstrato de ideias que eles chamam de ideologia de gênero.
Em 2007, como deputado da UDI, um dos partidos tradicionais de direita, ele liderou uma petição sem sucesso ao Tribunal Constitucional para impedir a comercialização da pílula anticoncepcional de emergência. Essas posições facilitaram a aproximação dos protestantes ao seu partido. Assim, os evangélicos são uma das bases de apoio eleitoral dos republicanos, conforme evidenciado nas últimas eleições: “No grupo de municípios com a maior concentração evangélica, o Partido Republicano obteve um apoio médio de 42,8%; naqueles com a menor, chegou a 30,1%”, resume um estudo pós-eleitoral da Universidad del Desarrollo.
Embora lidere uma força recém-criada, Kast tem um longo histórico na política. Entre 1995 e 2000, quando os governos de centro-esquerda da Concertación estavam iniciando uma longa crise interna que terminou com seu fim, ele atuou como conselheiro no município de Buin, um município com forte tradição camponesa, na parte sul de Santiago do Chile, onde nasceu e vive.
Entre 2002 e 2018, foi deputado pela UDI, o partido de direita que, no início dos anos 2000, era a principal força política do Chile e, em 1999, estava prestes a chegar a La Moneda sob o comando de Joaquín Lavín. Como parlamentar, Kast priorizou questões religiosas e morais e não estava na linha de frente quando se tratava de defender o legado de Pinochet. E, embora tenha se tornado secretário-geral do partido, em 2016 renunciou ao cargo depois de não ter conseguido uma mudança em relação a essas posições moralistas.
A primeira vez que o advogado concorreu à presidência foi em 2017, quando desafiou o conservador Sebastián Piñera. Ele concorreu como independente, obtendo 7,93% dos votos. Naquela campanha, ele disse: “Se estivesse vivo, [Pinochet] votaria em mim”. Após as eleições, Piñera revalidou seu mandato em La Moneda. Sua segunda tentativa presidencial, com o Partido Republicano, foi em 2021: ele liderou após o primeiro turno e perdeu no segundo turno para Boric. Desde então, a formação de extrema direita cresceu na esteira do fiasco do governo em relação ao plebiscito constitucional – rejeitado por 62% da população em setembro do ano passado – e também por causa de sua retórica dura, de lei e ordem.
Ao contrário de outros líderes de extrema direita em nível regional – como o brasileiro Jair Bolsonaro, com quem Kast se reuniu em 2018 para presenteá-lo com uma camisa da seleção chilena de futebol -, o advogado chileno não incentivou ações antidemocráticas, embora entre suas fileiras haja parlamentares (eles têm 12 deputados e dois senadores) que exibem seu radicalismo sem problemas. Muito próximo da ultradireita espanhola – “O Partido Republicano é um partido de direita semelhante ao Vox, por isso nos damos tão bem” -, Kast participou de reuniões ibero-americanas entre forças do mesmo espectro ideológico.
Depois de sua vitória nas últimas eleições, e apesar do fato de que a posição de seu partido era contra o início do processo constituinte, tudo indica que o partido cumprirá o mandato para mudar a Carta Magna, que terminará em dezembro com outra votação. Em grande parte, o sucesso – ou fracasso – do processo estará ligado ao Partido Republicano e a José Antonio Kast.