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Deter o programa nuclear iraniano com bombas: a perigosa aposta de Netanyahu
Extrema Direita

Deter o programa nuclear iraniano com bombas: a perigosa aposta de Netanyahu

A escalada militar sionista aprofundam o caos geopolítico mundial

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Via Viento Sur

Tempo de leitura: 6 minutos.

O Exército israelense descreveu seus ataques na manhã de 13 de junho como um “ataque preventivo” com o objetivo de impedir que Teerã adquira armas nucleares, atingindo “o coração” de seu programa de enriquecimento de urânio. Segundo autoridades israelenses, o Irã teria alcançado um ponto sem retorno que justificaria o uso da força e o abandono da via diplomática.

Alguns países europeus pareceram apoiar Tel Aviv nessa decisão, como Emmanuel Macron, que reafirmou poucas horas após o início dos ataques “o direito de Israel de garantir sua segurança”. No entanto, há muitos motivos para acreditar que esses ataques não encerrarão o programa nuclear iraniano. Pelo contrário, correm o risco de torná-lo ainda mais difícil de controlar.

A primeira razão é material: aplicar um golpe militar decisivo ao programa nuclear iraniano é considerado praticamente impossível na prática, dado o estágio avançado e o modo como ele foi concebido — com instalações sensíveis enterradas e dispersas por todo o país.

As usinas de enriquecimento de urânio de Natanz e Fordo, consideradas dois dos locais mais sensíveis do programa iraniano, estão localizadas no subsolo. Outra instalação subterrânea está sendo construída no interior de uma montanha (Kolang Gaz La), ao sul de Natanz, para a produção de centrífugas. O local de Natanz também conta com instalações não subterrâneas, incluindo uma planta piloto de enriquecimento que entrou em operação em 2003.

Cem metros abaixo da terra
A profundidade dessas fábricas é um segredo, mas estimativas de pesquisadores especializados variam entre oito metros (para Natanz) e cerca de cem metros abaixo do solo (para Fordo e a nova instalação sob Kolang Gaz La). Provavelmente estão protegidas por várias camadas de concreto armado, terra compactada e/ou rocha.

Para atingi-las, seriam necessárias bombas altamente específicas. Contudo, Israel não possui oficialmente nenhum míssil capaz de penetrar mais de seis metros de concreto em um único impacto. Destruir a planta de Fordo exigiria bombas que apenas os EUA possuem (como as GBU-57/B, bombas antibunker de mais de 10.000 quilos), e isso ainda requereria múltiplos impactos no mesmo ponto.

Foi o que calcularam dois pesquisadores do think tank britânico Royal United Services Institute for Defence and Security Studies (RUSI), em nota publicada em março de 2025, na qual traçaram diversos cenários de ataques israelenses às instalações nucleares iranianas.

A proteção dessas instalações, o avanço do programa e o fato de os iranianos já dominarem amplamente os conhecimentos científicos necessários fazem com que a maioria dos especialistas em proliferação nuclear — incluindo os do RUSI — considere que a força militar, por si só, não pode pôr fim ao programa iraniano.

Os ataques israelenses, por mais massivos que tenham sido, não parecem contrariar essa avaliação até agora. As primeiras imagens de satélite após os ataques na madrugada de 13 de junho mostram que o local de Natanz foi atingido na superfície, na altura da planta piloto e de uma instalação elétrica, mas quase nada nas instalações subterrâneas.

O local de Fordo, considerado por especialistas como o mais estratégico do programa nuclear iraniano, foi alvo de uma segunda onda de ataques no fim do dia 13 de junho. A extensão dos danos ainda é desconhecida.

Os defensores do uso da força contra Teerã citam dois exemplos históricos como suposta prova da eficácia dos bombardeios: os ataques israelenses ao reator iraquiano Osirak (1981) e à instalação síria de Al-Kibar (2007). Considera-se que esses ataques encerraram as ambições nucleares militares dos respectivos Estados.

Mas as circunstâncias não são comparáveis, argumentam os pesquisadores do RUSI Darya Dolzikova e Justin Bronk. Eles apontam que “em ambos os casos, os programas estavam muito concentrados [geograficamente] e em fase inicial, dependendo fortemente de ajuda estrangeira”. O Irã de 2025, ao contrário, “após um ataque militar (…) não apenas possui o conhecimento técnico local para reconstruir instalações mais profundas e resistentes, como também terá mais motivos para fazê-lo”.

Determinação multiplicada
Os próprios funcionários israelenses admitem isso. O conselheiro de segurança nacional de Israel, Tzachi Hanegbi, reconheceu que “é impossível destruir o programa nuclear apenas com força”. O objetivo real é “fazer os iranianos entenderem que devem parar o programa nuclear”, afirmou.

É uma aposta especialmente arriscada. Sem falar no risco de mergulhar toda a região no caos; o passado mostra que ataques ao seu programa nuclear tendem a aumentar a determinação iraniana de obter armas atômicas. Em abril de 2021, o Irã respondeu a uma tentativa de sabotagem de sua planta subterrânea em Natanz anunciando a intenção de enriquecer urânio a 60% (antes era 20%; o nível necessário para uso militar é 90%).

Os avanços do Irã na área nuclear foram em grande parte “uma resposta às ameaças percebidas à sua sobrevivência”, observa a cientista política Doreen Horschig, da Universidade da Flórida Central. Ela lembra a influência da crise de Suez em 1956 e as tensões regionais derivadas disso na decisão iraniana de desenvolver seu programa nuclear.

Um ataque israelense em larga escala às instalações nucleares iranianas “provavelmente reforçaria a percepção de ameaça por parte de Teerã”, “aceleraria sua busca por um arsenal nuclear” e empurraria ainda mais o programa nuclear iraniano “para a clandestinidade”, previu Horschig em 2024, em artigo intitulado Por que atacar as instalações nucleares iranianas é uma má ideia.

Ainda é cedo para tirar conclusões definitivas sobre os ataques israelenses, que continuam e, segundo Benjamin Netanyahu, podem durar duas semanas. Mas já se sabe de três consequências prováveis:

Primeiro, há o risco de arruinar as atuais negociações nucleares entre Irã e Estados Unidos. Segundo, os ataques complicarão enormemente — ou até impossibilitarão por um tempo — as inspeções da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), tanto por motivos de segurança dos inspetores quanto porque Teerã pode transferir seu urânio enriquecido e se recusar a revelar a nova localização.

Terceiro, o Irã pode se retirar do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), considerado um pilar essencial da segurança global — tratado ao qual, vale lembrar, Israel nunca aderiu. Ao tentar eliminar de vez a ameaça nuclear iraniana, considerada existencial, o governo israelense pode ter contribuído para que ela saia de controle.

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