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CPI Antifascista de Campinas investiga relação entre ações de grupos de extrema direita
Antifascismo

CPI Antifascista de Campinas investiga relação entre ações de grupos de extrema direita

Presidente da comissão, a vereadora Mariana Conti vê discurso bolsonarista como combustível para expansão de ações de extremistas na cidade.

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Tempo de leitura: 8 minutos.

Via Revista Movimento

O crescimento das manifestações de grupos nazifascistas no Brasil e no mundo é evidente, mas em Campinas (SP), o recrudescimento de suas ações levou a Câmara de Vereadores a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atividade de extremistas. Proposta e presidida pela vereadora Mariana Conti (PSOL), a CPI Antifascista foi oficialmente instalada em 6 de junho.

Conforme a parlamentar, a cidade coleciona casos de manifestações nazifacistas. Entre os casos de maior repercussão, as pichações de símbolos no Parque do Taquaral e em uma biblioteca da Universidade de Campinas, em 2018. Mas eventos recentes mostraram uma escalada no ódio da extrema direita.

Recentemente, houve novas pichações nazistas na Unicamp. Dessa vez, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (Ifch), e um ataque no Bar do Ademir, que fica em frente à moradia estudantil. Foi um ataque armado e, segundo relatos de testemunhas, foi produzido por motoqueiros que portavam símbolos de cunho fascista, e dirigido contra funcionários do bar que são imigrantes haitianos”, conta Mariana.

O episódio ocorreu em 6 de junho, durante uma festa de forró. Conforme testemunhas, quatro agressores homens, vestindo roupas com insígnias de um clube de motociclistas, chegaram de carro ao local, e tentaram obrigar um dos garçons, negro e imigrante, a entrar no veículo. Três dos agressores estavam armados e um deles carregava no colete uma suástica nazista e a bandeira do exército confederado dos Estados Unidos. O grupo fez ofensas racistas ao garçom e ao DJ, também negro, bateram no dono do bar, apontaram as armas para os frequentadores do local e deram três tiros para o alto. Felizmente, ninguém se feriu.

Para Mariana, a escalada do ódio manifestada no contexto da universidade começou em um momento em que a instituição se movimentava para instituir cotas para estudantes negros e advindos da escola pública.

O conteúdo de grupos como esses têm vários elementos, mas existem pontos em comum: o ataque à esquerda, o anticomunismo, o ataque a grupos sociais como os da negritude, os LGBTQIA +, as mulheres. Na universidade, há um processo de popularização e diversificação da comunidade. Isso faz dela um alvo na medida em que se torna mais plural. O fato de a universidade ter movimento por cotas para pessoas trans diversifica seu ambiente e traz grupos sociais que são marginalizados para o protagonismo. Isso incomoda”, argumenta.

O peso do Bolsonarismo

Fora dos muros da universidade, o extremismo também mostra sua face. Ano passado, durante uma sessão da Câmara Municipal, foi realizado um protesto anti-vacina organizado por grupos bolsonaristas que contou com manifestações explícitas de racismo. Um dos militantes portava um símbolo do QAnon, grupo supremacista branco estadunidense que esteve envolvido na invasão do Capitólio. Para Mariana Conti, todas essas ações estão relacionadas.

A partir da CPI, começamos a trabalhar o nexo entre as coisas. A comissão foi aberta para entendermos isso. A antropóloga Adriana Dias [professora da Unicamp que se dedica a pesquisar o neonazismo no Brasil desde 2002] participou da audiência pública que fizemos no último dia 23. Ela tem dito que há uma miríade de aspectos de grupos de extrema direita que fazem apologia ao nazismo e fascismo, como o ataque a certos grupos sociais: imigrantes de origem africana, latino-americanas, de países pobres, nordestinos, pessoas trans, LGBTQIA +, mulheres e feministas. São aspectos que se congregam em torno desses grupos de extrema direita que vem crescendo no Brasil, no mundo e na cidade de Campinas”, diz.

A pesquisa de Adriana Dias vincula a intensificação desses movimentos ao Bolsonarismo.

O Bolsonarismo deu forma política a esses grupos. Inclusive, foi Adriana quem descobriu, anos atrás, que antes de ele ser eleito, quando ainda era um parlamentar do baixo clero da Câmara Federal, ele já contava com apoio de nazifascistas. Ela identificou que em um dos maiores sites nazifascistas do Brasil havia um banner que remetia diretamente ao site oficial do Bolsonaro, e por meio das pesquisas, viu que 90% dos acessos ao site oficial do deputado. Isso mostra que antes do mesmo do ‘Bolsonarismo’, a origem dos apoiadores dele eram grupos nazistas, fascistas, supremacistas brancos, uma extrema direita ideológica que faz apologia ao extermínio de grupos sociais”, conta Mariana.

Como se ainda faltassem motivos para uma investigação sobre quem está por trás das manifestações de ódio em Campinas, nos últimos meses foram encontradas pichações nazistas dentro de escolas, acompanhadas de ameaças de massacres.

Isso tudo motivou a gente a abrir uma CPI. Queremos entender o nexo entre as coisas, a relação entre os ataques, as pichações, entre esses grupos que vêm se organizando, a presença de um símbolo do QAnon em manifestação organizada pela ala Bolsonarista da Câmara. Nossa hipótese é que exige uma organização por trás disso. Não nos propomos a fazer o trabalho da Polícia Civil, mas dar uma resposta política em relação a esse conjunto de fatos que vemos. São vários sinais de fumaça que vão aparecendo e que queremos entender, compreender e responder politicamente ao crescimento dessa extrema direita que faz apologia ao extermínio de grupos sociais e incentivam ações de violência”, afirma a vereadora.

Andamento da CPI

No momento, os sete integrantes da CPI fazem visitas institucionais e trabalham para conhecer a fundo os processos criminais. Na última segunda-feira, Mariana esteve na Delegacia de Polícia Civil responsável pela investigação do ataque ao Bar do Ademir. Como a comissão parlamentar não tem poder para quebrar sigilos, o apoio da instituição será imprescindível – ainda que se observe sérias deficiências.

Temos um problema na Polícia Civil, que é o desmonte. O baixo número de funcionários, a sobrecarga dos servidores. Temos uma política de segurança pública dirigida aquelas ações de espetáculo e, em grande medida, contra os pobres, em ações violentas nas periferias. Mas em termos de investigação, ela foi completamente desmontada. Assim, acho que há certa dificuldade para a polícia identificar como esses casos que se conectam politicamente. O caso do ataque ao Bar do Ademir foi registrado como injúria racial, mas não necessariamente a polícia faz nexo com grupos nazifascistas. E esse deve ser um ponto que a gente tem que se tratar. E como se trata? Mostrando aos órgãos responsáveis pelas investigações que a gente tem visto a extrema direita crescer em grupos organizados que reivindicam essa ideologia”, diz Mariana.

A parlamentar diz que além de entender como funcionam, é necessário descobrir como se dá o recrutamento de militantes por meio de redes sociais e sites que fazem divulgação de conteúdo nazifascista.

Esses sites são monetizados? Como as plataformas como Instagram e Facebook trabalham com isso? A Polícia Civil mapeia esses sites? Quais as relações disso com figuras da política? Esse é o grande nó que precisamos desvendar e, sobretudo, elaborar provas”, afirma.

Quebra-cabeças do ódio

Os primeiros passos da CPI tornaram mais clara a urgência de se conhecer a relação desses grupos. Na audiência pública do dia 23, foram apresentados relatos sobre os assassinatos de dois imigrantes haitianos, ocorridos em 2020 e 2021. Ambos moravam em Campinas, mas seus corpos foram encontrados em Americana e Paulínia. Um deles, carbonizado.

Estamos fazendo um levantamento, um quebra-cabeças para juntar esses fatos. A ideia é que, ao final, apresentemos um relatório para o Ministério Público e a própria Polícia Civil. É uma forma de pressionar essas instituições para que observem os crimes de ódio e possam sustentar as investigações sobre esses grupos”, diz Mariana.

Superar a descrença na correlação entre os atos de violência pode levar os agentes de segurança a desnudar grupos do submundo que trabalham de forma articulada em diversas cidades do país.

Talvez as pessoas não tenham dado atenção a isso, mas há casos que não aconteceram em Campinas que acabam se relacionado com a cidade. As investigações sobre o massacre em uma escola de Suzano, em 2019, mostraram que os autores tinham vínculos com grupos nazifacistas. E a polícia acabou chegando a Campinas, onde em uma busca e apreensão descobriram armas, conteúdos nazistas e tudo o mais. Outro fato o assassinato de uma estudante da Unicamp em São João da Boa Vista. Acharam na casa do suspeito tanto símbolos nazistas quanto pinturas remetendo ao massacre em Suzano. Isso mostra a gravidade do caso. E esse também é o papel da CPI: chamar a atenção para a gravidade do que está acontecendo aqui”, afirma a vereadora.

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