O surgimento do Partido dos Panteras Negras em Oakland, Califórnia, em 1966, foi um dos grandes momentos da história da luta pela liberdade negra e pela democracia profunda nos Estados Unidos da América. Este corajoso e visionário grupo de jovens negros decidiu destacar o pilar fundamental da supremacia branca e da prática antidemocrática contra o povo negro – especialmente as incontáveis e violentas ações repressivas da polícia branca sobre as pessoas negras.
Como a atitude heróica de Ida B. Wells-Barnett contra o terror do linchamento e da Jim Crow há mais de um século, o Partido dos Panteras Negras tentou exercer controle democrático sobre a violência pública arbitrária dos Estados Unidos, estado-nação que mutilou e assassinou seus cidadãos negros. Tais esforços organizados são raros na história americana porque sempre resultam em líderes negros e ativistas pagando o preço máximo da morte e da destruição. O Partido dos Panteras Negras, liderado por Huey Newton, Bobby Seale, David Hilliard, entre outros, empreendeu este destemido desafio no meio do grande despertar dos anos 60.
A fundação da preciosa experiência da democracia nos Estados Unidos se baseia, em grande parte, na “niggerização” dos povos africanos. Este processo secular de “niggerização” não foi simplesmente a escravidão e exploração do povo negro. O objetivo também era manter os negros assustados, intimidados, desrespeitados e desconfiados uns dos outros e condenados ao desamparo e a desesperança. Os objetivos básicos da “niggerização” eram promover a ganância dos brancos e seu ódio; suas principais estratégias para garantir esses objetivos eram a ideologia racista que degrada e desvaloriza o povo negro e a violência racista que aterroriza o povo negro.
A ameaça ao apartheid americano liderada por Martin Luther King Jr. e Malcolm X, nos anos 1960, iniciou um grande despertar democrático, especialmente entre os jovens negros. Este despertar foi a “desniggerização” do povo negro – o processo de transformar pessoas assustadas, intimidadas e desamparadas em pessoas ousadas, corajosas e esperançosas, dispostas a viver e morrer pela liberdade negra.
O Partido dos Panteras Negras foi o esforço organizado mais avançado para exemplificar este despertar. Em outras palavras, foi a mais alta forma de “desniggerização” na América negra. O Partido dos Panteras Negras foi a maior ameaça para apartheid americano porque era originário em sua composição, interrracial em suas estratégias e táticas, e internacional em visão e análise. Era originário na medida em que falava das necessidades e esperanças da comunidade local, como pode ser visto no histórico Programa de Sobrevivência do partido. Combinou o arroz-e-feijão do cotidiano das pessoas comuns com um profundo empoderamento democrático frente a um status quo opressivo.
Era interracial porque permanecia aberto a alianças estratégicas e coalizões táticas com militantes progressistas latinos, indígenas, orientais e brancos. E foi internacional por entender o apartheid americano à luz das lutas anti-imperialistas ao redor do mundo, especialmente na Ásia, África, e América Latina. A política revolucionária dos Panteras Negras vinculou as condições catastróficas das comunidades negras locais (sistemas escolares vergonhosos, saúde e cuidados infantis indisponíveis, altos níveis de desemprego e subemprego, taxas crescentes de encarceramento, e formas generalizadas de auto-ódio e autodestruição) à desigualdade econômica nos EUA e em realidades coloniais ou neocoloniais no sistema-mundo capitalista.
Não é preciso dizer que este grande despertar foi demais para o establishment americano. A guerra liderada pelo FBI contra o Partido dos Panteras Negras levou à morte e destruição negra. No entanto, quarenta anos mais tarde, a fênix agora se levanta das cinzas. Nós nunca esqueceremos a visão, a coragem e o sacrifício do corajoso Partido dos Panteras Negras no esforço para ver as necessidades do povo como sagradas, o poder popular como democrático e as esperanças das pessoas como tão preciosas. De fato, tão sagradas, democráticas e preciosas que nós agora lutam por um novo grande despertar que estilhaça o sonambulismo em nosso próprio tempo. E o Partido dos Panteras Negras continua sendo o vento que bate nas nossas costas, que nos apoia, enaltece e nos empurra adiante!