A cruzada anti-constituinte da extrema-direita peruana

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Via Al Poniente

Em vista de tudo o que está acontecendo no Peru no momento atual de enormes mobilizações, violência de rua, violações dos direitos humanos pelo governo de fato de Dina Boluarte e imobilidade do Congresso, a discussão sobre a realização ou não de um referendo sobre uma nova constituição está se tornando cada vez mais necessária.

Assim, diferentes setores da esquerda e movimentos sociais no Peru estão promovendo a ideia de consultar os peruanos sobre a possibilidade de uma nova constituição, enquanto outros setores de direita e conservadores estão fazendo o máximo para manter a ilegítima constituição de Fujimori de 1993, inclusive promovendo medidas totalmente antidemocráticas.

Este é o caso do advogado de ultra-direita Lucas Ghersi, filho de Enrique Ghersi, a quem se ocorreu nada mais do que promover a coleta de assinaturas contra a assembleia constituinte, a fim de pressionar o Congresso a proibi-la explicitamente na Constituição (1).

O argumento de Ghersi é que a assembleia constituinte concentraria o poder de forma absoluta e, portanto, levaria automaticamente a uma ditadura sem qualquer contrapeso, ameaçando assim a democracia do país.

Em outras palavras, supostamente abriria o caminho para um projeto totalitário de esquerda, liderado por Pedro Castillo no estilo do que aconteceu na Venezuela, transformando a assembleia constituinte em um órgão que só serviria para instalar um novo regime centralizado que destruiria o Estado de Direito, como também disse a congressista Adriana Tudela (2).

A verdade é que é difícil entender por que tal afirmação é feita e por que se busca sua proibição como mecanismo, considerando o enorme número e diversidade de países na Europa, América e no resto do mundo que tiveram assembleias constituintes e que, ao contrário, ao invés de se transformarem em ditaduras, desconcentraram o poder e deram voz aos cidadãos na tomada de decisões.

Consequentemente, “venezuelanizar” a assembleia constituinte por causa da tirania que o governo daquele país provocou, está agindo de má fé e só procura gerar medo entre os peruanos para que a atual constituição fujimorista seja mantida o melhor possível e que no melhor dos casos sejam feitas apenas algumas reformas parciais.

Da mesma forma, esta cruzada anticonstitucional, promovida por Ghersi e Tudela, não é de modo algum ingênua, pois faz parte de um discurso mundial ultra-direitista, negacionista e reacionário, cada vez mais presente na América Latina e no Caribe, onde a conspiração, o fundamentalismo neoliberal e a incorreção política sustentam uma forma completamente excludente e antidemocrática de ver o mundo.

Não deve ser surpresa, portanto, que Ghersi e Tudela estejam travando a chamada batalha cultural através desta nova direita no Peru, que tem como referências políticas e intelectuais figuras como Donald Trump, Jair Bolsonaro, Javier Milei, Agustín Laje, José Antonio Kast e Axel Kaiser, com os quais este último tem uma estreita relação (3).

No que diz respeito ao Peru, é impossível não mencionar o prefeito de Lima, Rafael López Aliaga, o eventual futuro candidato presidencial da ultra-direita, que não tem dúvidas em promover um discurso de ódio abertamente racista, sexista, homofóbico e até mesmo contra as medidas sanitárias de Covid (4), o que é claramente uma ameaça aos direitos e à democracia peruana.

Não ver a seriedade disto é subestimar uma ultra-direita que está aqui para permanecer na região e instalar qualquer tipo de mentira, tal como que a assembleia constituinte é algo totalitário, a fim de gerar notoriedade na grande mídia e atingir setores politicamente descontentes.

Portanto, não basta apenas denunciar esta narrativa politicamente incorreta da ultra-direita, que trata o direito tradicional como covarde e, no caso do Peru, procura apenas desinformar e gerar terror com a assembleia constituinte, mas também assumir a responsabilidade pela desajeitação, erros e horrores de vários esquerdistas que governaram na região.

Refiro-me aos vários caudilhismos, clientelismo e violações dos direitos humanos por parte de governos autoritários de esquerda, que têm sido utilizados pela ultra-direita regional para instalar facilmente seu discurso anti-direitos, o que deveria nos fazer refletir sobre nossa própria responsabilidade ao permitir isto.

Finalmente, não esqueçamos que Pedro Castillo tentou encenar um golpe de Estado no Peru, que, além do fato de que ele ainda seria destituído pelo Congresso, deveríamos nos perguntar o que teria acontecido se ele tivesse tido o apoio das forças armadas, o que, se tivesse, certamente teria transformado a assembleia constituinte em um espaço controlado por ele, dando razão à ultra-direita e negando ao povo peruano a possibilidade de ter um novo pacto social democrático.