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O que fazer (e o que não fazer) diante do avanço reacionário da extrema direita
Antifascismo

O que fazer (e o que não fazer) diante do avanço reacionário da extrema direita

O crescimento da extrema direita na América Latina coloca questões chave para os movimentos sociais e organizações progressistas

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Tempo de leitura: 9 minutos.

Foto: Wikimedia Commons

Via Telesur

As vitórias eleitorais de Gustavo Petro, Xiomara Castro, Gabriel Boric, Pedro Castillo, o retorno do MAS ao governo boliviano e de Lula à presidência do Brasil, juntamente com as vitórias eleitorais de Andrés Manuel López Obrador e Alberto Fernández, inauguraram uma nova onda de governos progressistas na América Latina.

Como resultado de importantes mobilizações populares contra a imposição violenta de um neoliberalismo já desgastado na região, a construção de amplas alianças conseguiu reconquistar a liderança política em vários feudos governados há décadas por representantes do capital.

As aspirações de autodeterminação, integração e multilateralismo, que haviam sido adiadas pelo refluxo conservador após a onda de governos populares do início do século, foram reativadas.

Diante dessa reconfiguração do mapa político regional, e como em ocasiões anteriores, a reação conservadora não demorou a chegar. Uma combinação de manobras judiciais, golpes parlamentares, estrangulamento financeiro, entre outras pressões imperialistas extorsivas, uma dura difamação da mídia e até mesmo tentativas de assassinato, seriam lançadas contra as figuras políticas que pressagiavam uma mudança positiva nas políticas públicas em favor das maiorias.

Ao mesmo tempo, e lançando uma sombra sobre o panorama, as forças da extrema direita, após o fim de sua dolorosa administração governamental no Brasil e sua estreita derrota nas urnas, voltaram a ganhar destaque com os resultados da recente eleição de conselheiros constitucionais no Chile, o apoio de um número significativo de paraguaios a uma opção ultraconservadora e o rufar de tambores em torno de um número febril e midiaticamente inflado para as próximas eleições na Argentina.

Diante desse avanço reacionário, longe de cair em um alarmismo fútil ou em um pânico imobilizador, devemos, em primeiro lugar, refletir profundamente sobre seus antecedentes e, em seguida, tomar medidas decisivas.

Passado, presente e futuro na consciência coletiva

Essa erupção de postura política violenta tem semelhanças inegáveis com tragédias históricas anteriores. A crise financeira produzida pela volatilidade da economia especulativa, a projeção da culpa sobre as minorias – ontem judeus e ciganos, hoje migrantes -, a rejeição da diversidade, os discursos de ódio, agora amplificados de forma segmentada e massiva pelo uso de canais digitais, o histrionismo exaltado e messiânico e as falsas promessas de passados míticos idílicos, configuram um cenário com semelhanças óbvias com características presentes nas sociedades europeias na primeira metade do século XX. Elementos que abriram caminho para a ascensão do fascismo e a hecatombe das guerras subsequentes.

Por outro lado, o presente das populações é objetivamente asfixiante. A miséria cresce, enquanto os minúsculos setores ricos se refugiam no cinismo e na anestesia diante do sofrimento alheio, recorrendo à repressão, à criminalização e à expansão dos vícios como resposta infame às demandas legítimas de grandes grupos por condições dignas de vida.

Ao mesmo tempo, um certo “politicamente correto”, imposto pelos detentores do poder por meio da mídia do sistema como “linhas vermelhas” que não podem ser ultrapassadas, enfraquece a possibilidade de esses novos governos realmente cumprirem seus slogans de campanha para o povo. Soma-se a isso a fraqueza intrínseca dos pactos frágeis de interesses particulares, a curta duração de seus mandatos, o entrincheiramento nos diferentes ramos do governo de funcionários propensos ao imobilismo e as travas legais que o próprio sistema institui para continuar sem nenhuma mudança fundamental.

Dessa forma, aqueles que foram chamados a votar pela transformação se sentem enganados pelas ações lentas, mornas ou até mesmo traiçoeiras de líderes e parlamentares que não estão à altura. Assim, surge a tão falada muleta da “classe política”, usada ad nauseam pela direita radical, que não está apenas ligada a uma certa evidência de adiamento das necessidades reais do povo, mas também lembra e funciona com a degradação das esferas pública e política tão cara – em seu duplo sentido – à ideologia neoliberal.

A verdadeira contradição é muito mais profunda. Na estrutura de um sistema em que o dinheiro é o verdadeiro poder, mestre, senhor e deus da organização social e da escala de valores da época, a gestão política é apenas uma peça do quebra-cabeça. Às vezes, serve com coragem e boas intenções como um escudo protetor contra o ataque capitalista doentio e, em outras, favorece a destruição ou atua como um chamariz para desviar a atenção do cerne da questão.

Soma-se a esse presente pantanoso a grande instabilidade sentida pelos indivíduos, produto de uma aceleração do tempo histórico, que provoca o desaparecimento de referências existenciais antes válidas, ao mesmo tempo em que rompe os laços de fraternidade e proximidade, lançando grandes contingentes humanos no desamparo e na solidão.

Por fim, o mal-estar interno, característico de todo fim de era, é aumentado pela sensação de um futuro sem saída. As imagens de melhoria social progressiva, que representavam um horizonte crível nos períodos do industrialismo, em que estudar e trabalhar duro eram preceitos que sustentavam o esforço diário, hoje são slogans vazios em um quadro evidente de precariedade, desemprego e incerteza.

Tudo isso explica por que, em um contexto de globalização forçada por desejos corporativos, mas também de crescente interconexão de culturas e povos, o crescimento da ultradireita e do irracionalismo fanático não é uma questão local que pode ser resolvida inteiramente em esferas restritas, mas se tornou um fenômeno global.

O que não fazer

Diante desse panorama psicossocial, cuja expressão na arena política facilita o surgimento e a adesão a personagens grotescos – que obviamente não resolverão, mas complicarão os conflitos -, é bom evitar adotar atitudes negligentes ou catastróficas.

Minimizar esses fenômenos, negando sua existência, apenas permite que eles atuem. São bem conhecidos os versos do poema “First They Came” (Primeiro Eles Vieram), erroneamente atribuídos ao dramaturgo alemão Brecht e originalmente expressos em um sermão do pastor luterano antinazista Martin Niemöller, que alertava sobre as consequências fatais da indiferença.

Ao mesmo tempo, maximizar sua importância torna o cenário sombrio, semeando terror e impotência, e, ao mesmo tempo, dar uma importância desmedida a posições desonestas nos impede de ver os fatores que também estão presentes, que incentivam e constroem em uma direção evolutiva.

É absolutamente desaconselhável rebaixar as próprias pessoas por sua escolha, rotulando-as de ignorantes, ingênuas ou servis. Pelo contrário, vale a pena reconhecer o fracasso frequente das “minorias esclarecidas” em se engajar em um diálogo efetivo com a margem social cujos direitos e oportunidades são mais violados, caindo em bolhas de autoafirmação que desaparecem quando contrastadas com a rejeição popular.

Por fim, externalizar as causas do avanço do irracionalismo na esfera política com referência às manobras do imperialismo, às manobras dos grupos de poder ou à onipresente propaganda da mídia hegemônica a seu serviço, diminui a compreensão abrangente e, mais uma vez, ofusca a intencionalidade dos povos e sua capacidade de superar esses ataques, embora os fatores mencionados acima certamente constituam uma parte do problema em termos de autopreservação sistêmica em tempos de crise.

O que fazer

A partir do diagnóstico acima, necessariamente reduzido à estrutura de uma análise jornalística, surgem algumas possibilidades de ação imediata e mediata.

A chave geral é a erradicação de todas as formas de violência, seja ela física, econômica, religiosa, étnica, psicológica, moral, de gênero etc. Violência que, em sua naturalização objetiva e subjetiva, dá abrigo a atitudes reacionárias.

A não-violência, como estágio de superação da espécie humana, em permanente mudança e evolução, deve se tornar o novo paradigma da organização social, das relações interpessoais e das atitudes individuais e coletivas.

A partir desse horizonte, será possível construir utopias transformadoras em todas as esferas e espaços. Assim, a mudança política tenderá a incluir a participação popular direta como a única garantia de um novo tipo de democracia, promovendo a autogestão e a cogestão, encurtando assim as distâncias entre os assuntos públicos mais gerais e a vida cotidiana da população.

Para que isso seja efetivo, será necessário descentralizar o poder para a base social, para a própria comunidade, mas também, ao mesmo tempo, desarmar a concentração em poucas mãos, interferindo nos mecanismos especulativos e corporativos, fortalecendo o sistema econômico cooperativo, apoiando os meios de comunicação comunitários, fornecendo às pessoas o sustento básico universal, aderindo às experiências alternativas em curso, como o comércio justo, a agroecologia ou as tecnologias livres, entre muitas outras.

Mas, acima de tudo, é necessário desvincular o ideal de felicidade do consumo materialista irracional, que não só causa sofrimento na imaginação devido à sua insaciabilidade, mas também nos torna concorrentes em vez de aliados na causa do bem comum.

Logicamente, isso não será possível sem uma mudança simultânea na interioridade dos grandes grupos, uma transformação que, como as mudanças sociais indispensáveis, exige dedicação e recursos aplicados. Nesse sentido, a criação de programas oficiais de cogestão comunitária que ofereçam espaço para que cada pessoa e coletivo desative a violência interna em sua própria consciência e conduta deve ser uma prioridade.

Em termos de ação imediata, precisamos reconstruir o tecido social, incentivando familiares, colegas, vizinhos e estranhos a se rebelarem contra os muros que tentam nos separar. Acolher os outros de braços abertos, oferecer-lhes proteção e calma diante da ansiedade, superar o individualismo dilacerante, ajudar a integrar cada vez mais as diferenças e discrepâncias, ir além do que divide e valorizar o que nos une, é agora imperativo.

Para conseguir esse tratamento caloroso e alimentar a esperança nesta época de agonias estruturais, o caminho é começar a sentir o que há de verdadeiramente humano em cada um de nós, não simplesmente nosso objeto ou presença animal, mas a intenção que o caracteriza e a aspiração de crescimento e libertação que vive nesse grande ser.

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