‘Não é não’: como Portugal resistiu à extrema direita, mas por pouco

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Foto: Elísio Estanque

Via Al Jazeera

Quando, nas eleições de março em Portugal, o partido político de extrema direita Chega quadruplicou sua representação parlamentar de 12 para 50 assentos, uma conclusão parecia extremamente óbvia. Da noite para o dia, parecia que o país mais ocidental da Europa havia se tornado a mais recente linha de frente do continente entre os partidos populistas e ultraconservadores que desfrutavam de um apoio crescente e as formações mais tradicionais e centristas que enfrentavam um apoio cada vez menor dos eleitores.

O terremoto eleitoral de Chega – e a vitória mais apertada da coalizão de centro-direita Aliança Democrática (AD) sobre os socialistas em exercício, por apenas 80 assentos contra 78 – mostrou como o apoio dos eleitores aos dois principais partidos havia caído ao seu nível mais baixo desde 1985. No entanto, quando se trata de administrar o país, embora com um apoio muito mais instável do que gostariam, por enquanto o establishment político de longa data de Portugal continua no comando.

No dia 2 de abril, Luis Montenegro, cujo conservador Partido Social Democrata (PSD) constitui o principal componente da AD, deverá tomar posse como líder de um novo governo minoritário, e o fará sem contar com o apoio parlamentar padrão do “novo garoto do bloco político” de extrema direita.

“Governar nas atuais circunstâncias deverá ser um desafio”, alerta Sofia Serra-Silva, cientista política do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. “O novo governo navegará em um parlamento fragmentado, com o Partido Socialista fortemente estabelecido como oposição e o Chega exercendo pressão pela direita. Para a AD, garantir uma maioria simples será uma tarefa complexa.”

Portanto, enquanto o PSD comemora seu retorno ao poder pela primeira vez desde 2015, a questão de como um governo minoritário de centro-direita conseguirá legislar suas políticas – evitando um acordo de compartilhamento de poder com o Chega – será fundamental para o futuro político do país.

Esse dilema, por sua vez, se sobrepõe a uma segunda questão, mais profunda: Como um establishment político com um caso aparentemente crônico de apoio eleitoral minguante lidará com o aumento aparentemente implacável de Chega nas pesquisas?

‘Cordão sanitário’ improvável

Ambas as situações têm paralelos em toda a Europa, mas Serra-Silva argumenta que a ideia de um “verdadeiro cordão sanitário, ou seja, a não cooperação total” – como é o caso na Alemanha, por exemplo, entre os partidos tradicionais e a Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita – “em Portugal parece improvável”.

“Apesar de o líder do partido de centro-direita ter afirmado na campanha que não faria coligação com o Chega, as opiniões internas e as colaborações anteriores, como o apoio do Chega ao PSD nos Açores, sugerem uma posição mais matizada.”

“A declaração ‘não significa não’ [de Montenegro] referia-se apenas à formação do gabinete, não excluindo outras formas de cooperação.”

Enquanto isso, a preocupação dos eleitores de base está aumentando em alguns setores sobre como as ideias do Chega estão se tornando cada vez mais comuns, paralelamente ao seu forte aumento na influência política.

“Estou preocupado por causa do resultado da eleição, mas também porque acho que a atitude dos portugueses em relação a esse tipo de política está mudando um pouco”, diz Alexandre Pinto, professor de línguas em Lisboa.

“O tabu de demonstrar atitudes racistas ou xenófobas está desaparecendo e o resultado final é o Chega. É claro que essas coisas não mudam abruptamente. Mas talvez o que estava escondido tenha se tornado mais aberto.”

Enquanto Serra-Silva diz que um cordão sanitário bem definido na política parlamentar é muito improvável, Pinto argumenta que, em um nível prático, é necessário algum tipo de acordo entre os partidos tradicionais para lidar com a ascensão de um partido tão notoriamente volátil como o Chega.

“Eu não chamaria isso de cordão sanitário – os socialistas já tiveram essa discussão. Mas quando se trata de políticas sólidas para defender os valores democráticos, acredito que é preciso haver um entendimento entre os dois partidos tradicionais, porque, basicamente, não sabemos o que o Chega fará.”

Os eventos ocorridos no parlamento português na semana passada, em que o Chega voltou atrás em um acordo com o PSD sobre os votos para presidente e vice-presidente do parlamento – posições de grande importância simbólica – destacam as complexidades que o governo enfrenta para negociar acordos, diz Serra-Silva, e “mostram como a extrema-direita desestabilizou o sistema bipartidário tradicionalmente estável de Portugal”.

Por outro lado, Serra-Silva argumenta que, historicamente, é possível encontrar um terreno comum em várias questões políticas para os dois principais partidos, o PSD e os socialistas. Ela aponta a oferta de apoio dos socialistas, em 19 de março, para uma retificação do Orçamento do Estado para 2025, a fim de priorizar o bem-estar dos principais trabalhadores do setor público, como uma das áreas em que novos acordos em potencial poderiam ser firmados.

De acordo com Serra-Silva, a estratégia futura de Luis Montenegro sugere que, quando necessário, o parlamento será contornado e o governo será feito por decreto, “refletindo uma resposta prática aos obstáculos legislativos”.

“No entanto, essa abordagem tem suas limitações, como evidenciado pelas recentes dificuldades encontradas durante a eleição do presidente do Parlamento”, diz Serra-Silva. “Dadas essas restrições, surge a pergunta: Montenegro buscará o apoio do Chega ou dos socialistas?”

As ideias podem se encontrar?

Enquanto isso, a ideia de usar a persuasão e a discussão para permitir que a sociedade absorva as ondas de choque causadas pela extrema direita também tem seus apoiadores de base. Entre eles está o Dr. Francisco Miranda Rodrigues, presidente de uma das principais associações de profissionais de saúde mental de Portugal, a Ordem dos Psicólogos Portugueses.

“Se quisermos que ideias mais progressistas tenham um lugar no futuro, temos que lidar com um contexto em que há muitas pessoas que não pensam de forma progressista”, argumenta ele.

“Se apenas lutarmos contra isso, em vez de conversarmos com outras pessoas que pensam de forma diferente, estaremos fazendo exatamente o oposto do que queremos que aconteça. Estamos apenas colocando mais lenha na fogueira e vamos tornar os dois lados mais extremos.”

Sua ideia de que não é de forma alguma impossível para a sociedade dominante dialogar com os eleitores do Chega – e talvez, no processo, devolvê-los à política dominante – já estava em circulação na noite da eleição. Mesmo com a apuração dos votos, aponta Pinto, o líder do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, disse que, embora mais de um milhão de pessoas tenham votado em um partido de extrema direita pela primeira vez, seu apoio tinha elementos de um voto de protesto, não porque necessariamente concordassem com as políticas xenófobas de Chega. “Eu gostaria de pensar que ele está certo”, acrescenta Pinto com ironia.

Em Portugal, um dos principais testes do potencial do governo para ir até o fim do mandato será a aprovação do orçamento do estado para 2025 no outono. “Garantir uma maioria absoluta para fazer isso será um desafio”, diz Serra-Silva. Mas mesmo antes disso, nas eleições de junho da União Europeia, o aumento da popularidade de Chega provavelmente contribuirá para os ganhos previstos da extrema direita em todo o continente.

“Os dados da pesquisa de boca de urna das últimas eleições nacionais em Portugal indicam que muitos dos eleitores do Chega vieram da abstenção, o que os torna eleitores irregulares e lança incertezas sobre sua participação em junho”, conclui.

Mas, apesar disso, acrescenta, a expectativa predominante é de que o Chega garanta alguns cargos de eurodeputado, contribuindo para o esperado aumento da direita nas eleições para o Parlamento Europeu. “As pesquisas sugerem um impacto significativo, com previsões de que a direita nacionalista e a extrema direita poderiam garantir quase um quarto dos assentos em junho.”

Quanto à questão de saber se a atual situação de Portugal com o Chega pode ser uma lição para a democracia europeia, Pinto diz: “Acho que essa é a pergunta de um milhão de dólares. Na Espanha, por exemplo, o [partido de extrema direita] Vox não é tão relevante quanto antes, mas se olharmos para a França ou a Itália, a extrema direita está crescendo e parece ter vindo para ficar.”

“Eu gostaria que os moderados e democratas estrangeiros aprendessem com o que aconteceu em Portugal, mas acho que temos que ver que a extrema direita é mais relevante do que era. Não sei se esses ventos de mudança podem parar agora.”