Foto: Stratfor/Reprodução
Na verdade, o Partido Socialista conseguiu manter uma vantagem de 0,97 ponto sobre a Aliança Democrática (AD), a coalizão de direita (PSD/CDS) que formou um governo minoritário em março e levou os socialistas de volta à oposição após quase dez anos no poder.
NENHUM PARTIDO HEGEMÔNICO
A euforia socialista, com uma vitória por diferença decimal, esconde a realidade observada nas eleições legislativas de 10 de março e confirmada pelas eleições europeias: nem o Partido Socialista nem a Aliança Democrática ocupam uma posição hegemônica na política portuguesa. A mudança para a direita em março continua e está causando um mal-estar geral no centro político. Ao mesmo tempo, a apreensão popular cresceu diante da ascensão da extrema direita nas eleições parlamentares (18%), apesar de sua queda dois meses depois nas eleições europeias (9%).
Os partidos à esquerda dos socialistas ainda não conseguiram se recuperar das derrotas dos últimos anos, mas conseguiram estabilizar a votação que obtiveram nas eleições parlamentares de março passado e agora devem procurar avançar para recuperar o terreno perdido. Os partidos à direita do AD continuam a ganhar terreno, beliscando os calcanhares da direita tradicional, que está lutando para manter sua pequena vantagem (na eleição geral, tinha menos de um ponto de vantagem sobre o Partido Socialista).
A ALIANÇA DEMOCRÁTICA IMPÕE AUSTERIDADE E PRIVATIZAÇÃO
O governo minoritário do AD é instável, mas terá que aprovar um orçamento estadual em outubro. Ele está anunciando programas setoriais sobre imigração, saúde e habitação para condicionar tanto o PS quanto a extrema direita às políticas europeias e sociais. Infelizmente, já sabemos o que isso significa: mudanças iniciadas pela direita sem passar pelo Parlamento sempre se tornam difíceis de reverter mais tarde. No espaço de três meses, o governo já impôs altas barreiras à regularização de trabalhadores imigrantes ilegais, revogou a frágil medida socialista que pôs fim ao “golden visa” – depois de dez anos sob pressão do movimento social -, está se preparando para privatizar as estruturas de saúde e tenta resolver a falta de professores convidando aposentados, o que terá pouco efeito. É tudo uma questão de pragmatismo e rapidez, porque o primeiro-ministro transformou o governo em um comitê eleitoral.
O PS está apostando em alcançar o status de “principal força do país” para acentuar o desgaste do governo. Mas o fato é que o PS, que formou um governo com maioria absoluta, renunciou por iniciativa própria e depois perdeu 42 cadeiras em março (há 230 deputados no Parlamento), não representa uma alternativa ao governo de direita.
GOVERNO POR DECRETO
Por enquanto, a direita ignora o Parlamento e governa por decreto, numa tentativa de repetir a experiência de Cavaco Silva nos anos 80, quando um governo minoritário do PSD derrotado no Parlamento conseguiu impor uma maioria duradoura e confortável. Se não conseguir, tentará unir forças com o partido ultraliberal IL e a extrema direita (Chega) para governar, pois não terá outra opção.
O Partido Socialista está na mesma situação: mesmo que uma rejeição parlamentar do orçamento do estado levasse a eleições no curto prazo e o SP ficasse à frente do AD, dificilmente teria uma maioria para governar. A única proposta que o SP parece estar promovendo é um retorno ao consenso neoliberal que ele usou com sua antiga maioria absoluta.
O problema para a esquerda é diferente. Com um total de pouco mais de 10%, todos os partidos que representam essa área – o Bloco de Esquerda, o PC e o Livre (Verdes) – perderam terreno desde 2022. No entanto, o Bloco de Esquerda se recuperou um pouco e estabilizou seu voto em 2024 em 4,3%. Nas enormes manifestações que marcaram o 50º aniversário do 25 de abril e naquelas organizadas pelos movimentos sociais, particularmente na luta por moradia, feminismo, antirracismo e LGBT, há uma demanda por unidade que constitui uma alternativa à direita e à ameaça da extrema direita.