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A Revolta dos Colonos
Antifascismo

A Revolta dos Colonos

A luta dos posseiros paranaenses contra a exploração

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Tempo de leitura: 6 minutos.

A Revolta dos Colonos, também conhecida como Revolta dos Posseiros, foi um dos episódios marcantes dos conflitos agrários no Paraná. Trata-se de um levante organizado por colonos e posseiros armados, iniciado em 10 de outubro de 1957, como consequência de uma série de problemas e conflitos que emergiram na região das glebas Missões e Chopim. Essas terras estavam situadas no sudoeste do Paraná, em uma área de fronteira com a Argentina, que se tornou palco de intensas disputas pela posse e utilização do solo. 

A origem desse conflito remonta às décadas anteriores, quando a disputa pelas terras na região já se mostrava acirrada. Em 1945, José Rupp obteve uma vitória judicial significativa em um processo iniciado ainda em 1927 contra a Brazil Railway Company, uma empresa controlada pelo grupo Percival Farquhar. A ação envolvia a falta de pagamento pelos dormentes de madeira fornecidos por Rupp. Quando a Brazil Railway foi incorporada ao governo federal em 1940, a dívida de Rupp passou a ser um crédito contra a União Federal, o que prolongou a resolução do caso. 

Sem conseguir um acordo definitivo, José Rupp associou-se a Mário Fontana, figura influente e amigo próximo do então governador do Paraná, Moisés Lupion. Juntos, fundaram a Clevelândia Industrial e Territorial Ltda. (CITLA), uma companhia com o objetivo de ‘realizar a colonização” da região sudoeste do estado. Fontana adquiriu integralmente os direitos sobre as terras que Rupp reivindicava e, em 1950, a CITLA obteve, por meio de um processo considerado ilegal, as glebas Missões e Chopim. A transação foi conduzida pelo governo federal através da SEIPU (Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União), por um valor irrisório que gerou indignação em diversos setores da sociedade. 

A escritura emitida à CITLA abrangia impressionantes 475.200 hectares de terras, uma área que incluía todo o território da Colônia Agrícola General Osório (CANGO). Criada em 1943, a CANGO foi uma iniciativa do governo para promover a migração de colonos, especialmente das regiões de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, fornecendo condições favoráveis como terras, ferramentas, assistência técnica e madeira gratuita. Na época da transação, a CANGO já abrigava mais de 3 mil colonos assentados, além das áreas urbanas dos distritos de Francisco Beltrão, Santo Antônio e Capanema. 

A negociação gerou forte oposição política, que denunciou o caso como uma negociata envolvendo figuras influentes do governo estadual. O caso ganhou repercussão nacional, especialmente após o Tribunal de Contas da União invalidar o registro da escritura em nome da CITLA, apontando diversas irregularidades no processo. Para evitar que o registro fosse efetivado, o Conselho de Segurança Nacional emitiu uma ordem proibindo todos os cartórios da região de realizarem qualquer registro referente às terras em questão. Contudo, o governo estadual, em uma manobra, criou um Cartório de Registro de Títulos e Documentos em Santo Antônio do Sudoeste, onde a escritura foi registrada antes que a proibição chegasse à localidade. 

A partir desse momento, a região mergulhou em um cenário de violência brutal. Jagunços contratados pelas companhias grileiras começaram a agir com extrema crueldade, praticando espancamentos, estupros, incêndios e até assassinatos. Essa escalada de violência levou à organização e à mobilização dos colonos, que não viam alternativa senão reagir para proteger suas terras e famílias. 

No dia 10 de outubro de 1957, aproximadamente 6 mil colonos, armados com foices, espingardas, revólveres, enxadas e pedaços de madeira, reuniram-se em Francisco Beltrão, no sudoeste do Paraná. Eles chegaram à cidade utilizando caminhões, carroças, cavalos e até mesmo a pé. Revoltados com as condições precárias e a insegurança que enfrentavam, os colonos ocuparam a Praça da Matriz, que ficava próxima ao centro de operações. Este centro funcionava em uma casa de esquina, que também abrigava uma estação de rádio local. Em poucas horas, a delegacia e a prefeitura foram tomadas, e tanto o prefeito quanto o delegado fugiram da cidade. 

As ações dos colonos tiveram grande impacto. O juiz da comarca foi colocado em prisão domiciliar, enquanto o promotor público ficou sob custódia militar até que lhe fosse permitido deixar a cidade. A insurreição rapidamente se espalhou para outras localidades, desencadeando uma série de levantes em municípios vizinhos. Em Pato Branco, por exemplo, no dia anterior, 9 de outubro, já havia sido formada uma Junta Governativa, composta por representantes de diferentes facções políticas, para organizar a resistência. A cidade foi estrategicamente defendida, com os colonos ocupando e protegendo os principais pontos de acesso, pontes, repartições públicas e estações de rádio. 

Entre as cidades que foram tomadas durante o movimento, destacam-se Francisco Beltrão, Capanema, Planalto, Realeza, Pranchita, Renascença, Marmeleiro, Pato Branco, Santo Antônio do Sudoeste, Verê e Dois Vizinhos. A ação coordenada dos posseiros conseguiu expulsar as companhias grileiras e seus jagunços, marcando uma importante vitória. Além disso, os colonos exigiram que novas autoridades assumissem o comando das cidades ocupadas, garantindo maior segurança e estabilidade para a região. 

Saiba Mais

GOMES, Iria Zanoni. A Revolta dos Posseiros. São Paulo. 1957. 

PEGORARO, E. Revolta dos posseiros de 1957: consensos e desacordos de algumas interpretações. Revista Ideas – Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 2, n.1, p. 109-133, jan.-jun. 2008.

AMANCIO, Silvia Maria. Ontem, luta pela terra; hoje, monumento histórico: A Revolta dos Posseiros no Sudoeste do Paraná em suas variadas versões. Diálogos-Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História, v. 13, n. 2, p. 499, 2009.

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