Foto: Midia Ninja/Creative Commons
No Hilton, no elegante bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires, jovens vestindo ternos azuis reais grandes demais para seus ombros se reuniram para um evento organizado pela Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC).
A conferência é um dos pilares da direita política nos Estados Unidos, mas o evento da semana passada foi o primeiro na Argentina e um sinal da crescente importância desse país para a política conservadora, um ano após o início da presidência de Javier Milei.
O ultralibertário Milei foi a atração principal do evento, ao lado de um elenco de influenciadores ultraconservadores e libertários. Um boné vermelho Make America Great Again balançava no meio da multidão, enquanto os repórteres perseguiam figuras de extrema direita, como Santiago Abascal, chefe do Vox da Espanha, ou Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro e agora legislador no Brasil.
“Claramente, Javier Milei é um líder em nível global”, disse uma repórter, sem saber se ela estava fazendo uma declaração ou uma pergunta. “Com certeza”, respondeu Bolsonaro. “Caso contrário, a maior reunião de conservadores do mundo não estaria aqui em Buenos Aires.”
Um ano depois de se catapultar para a presidência da segunda maior economia da América do Sul, Milei entrou no centro das atenções internacionais.
De um “louco” com um penteado a um nome citado por figuras importantes do novo governo americano de Donald Trump, o autodenominado anarcocapitalista que fez campanha com uma motosserra na mão é, segundo alguns relatos, atualmente a “ponta da lança” da política global de extrema direita.
Ele foi o primeiro líder estrangeiro a se encontrar pessoalmente com Trump após sua vitória eleitoral em novembro e falou em um evento da America First Policy no resort de Trump em Mar-o-Lago, na Flórida. Ao visitar a Espanha no início deste ano, ele evitou reuniões formais com o governo de esquerda para falar em um evento da Vox, onde foi tratado como um herói conquistador.
“Poder. Se não o tivermos, os esquerdistas de merda o terão”, entoou Milei durante seu discurso para os delegados da CPAC em Buenos Aires, que pagaram US$ 100 por ingresso para a entrada geral.
O evento da CPAC teve tanto o objetivo de elevar Milei a um pedestal da direita americana quanto o de se encantar com seu brilho particular. Surgiu uma espécie de ciclo de feedback entre um conjunto de líderes de direita, de Milei a Trump, Nayib Bukele, de El Salvador, e o líder ultranacionalista húngaro Viktor Orban, cujo eco um do outro ajuda a ampliar a força do que Milei rotineiramente chama de “guerra cultural”.
“Devemos nos manter unidos, estabelecendo canais de cooperação em todo o mundo. Poderíamos nos chamar de uma direita internacional, uma rede de assistência mútua formada por todos os interessados em disseminar as ideias de liberdade pelo mundo”, disse ele.
Radicalismo “exemplar”
Na CPAC, a lista de palestrantes e participantes incluía legisladores de direita do Peru, México, Uruguai e Chile, e o empresário libertário mexicano Ricardo Salinas Pliego. Lara Trump, nora de Donald Trump, fez o discurso de abertura, depois de aparecer em um vídeo que mostrava ela e um grupo de outros delegados dançando ao lado de Milei na noite anterior.
O ex-conselheiro de Trump, Steve Bannon, e Jair Bolsonaro, que não pode deixar o país por ter sido indiciado no Brasil por participar de uma suposta tentativa de golpe, enviaram saudações em mensagens gravadas.
Os jovens que acompanham Milei há anos e cujo proselitismo de sua mensagem ajudou a levá-lo à vitória em 2023 dominaram o público, dando-lhe um tom notavelmente jovem.
“Milei acabou fortalecendo as posições da extrema direita, muito mais do que [meramente] copiando-as”, disse Pablo Seman, um conhecido sociólogo e antropólogo argentino.
Para outros líderes de direita, seu radicalismo é “exemplar”, argumentou Seman, aparecendo como o “sonho molhado dos empresários” por causa de seu zelo em reduzir o Estado e desregulamentar as instituições.
“Há um grande número de pessoas que sobrevivem, mais ou menos, fora da ordem estatal – porque não há [trabalho] formal, porque o Estado está capturando cada vez menos, porque está resolvendo cada vez menos, porque tudo se move mais rápido do que o Estado”, disse Seman. Um presidente como Milei, que apareceu na capa da revista The Economist no mês passado com a frase “Meu desprezo pelo Estado é infinito”, pode impulsionar essa tendência, apelando para aqueles que se sentem deixados para trás pelo Estado, ao mesmo tempo em que tenta desmantelá-lo.
“Isso é o que eu acho que é o mais forte em Milei”, disse Seman. “Sua capacidade de influenciar uma direção destrutiva do Estado.”
Milei reduziu os gastos do governo em cerca de 30% em termos reais, fechando nove dos 18 ministérios do governo, demitindo dezenas de milhares de funcionários do setor público, interrompendo projetos de obras públicas, recusando-se a aumentar as pensões para que acompanhem a inflação, cortando fundos para universidades públicas, reduzindo os subsídios para energia e trânsito e estabelecendo um novo Ministério de Desregulamentação e Transformação do Estado.
Na véspera da CPAC, o governo de Milei anunciou que as universidades e os hospitais poderiam começar a cobrar dos estrangeiros pelo uso da educação e do atendimento médico públicos, e que ampliaria os motivos pelos quais poderia impedir a entrada no país ou expulsar um imigrante que tivesse sido pego cometendo um crime, todas as medidas destinadas a reprimir a imigração dos países vizinhos.
Sua conquista mais notável foi a contenção da inflação cronicamente alta da Argentina – o governo de Milei conseguiu reduzi-la para menos de 3% ao mês, de uma alta de 25% em dezembro de 2023. Ao mesmo tempo, a pobreza subiu para 53% no primeiro semestre de 2024, em comparação com 42% quando ele assumiu o cargo em 2023. Apesar desses níveis, e em meio a protestos de aposentados e estudantes, ele manteve o apoio de sua base, que vê suas políticas como uma ruptura necessária com os governos anteriores da Argentina.
“Nós, nos Estados Unidos, olhamos para a Argentina para ver o que podemos realizar”, disse Kari Lake, uma figura republicana que perdeu a candidatura a governadora do Arizona, durante a CPAC, chamando Milei de uma ‘versão fortemente cafeinada de Donald Trump’.
“Milei está liderando o mundo em uma nova era de ouro da liberdade, eu realmente acredito nisso”, disse Ben Shapiro, um comentarista conservador, à multidão da CPAC. Em seguida, ele imitou o slogan de Milei “Viva la Libertad Carajo” – viva a liberdade, caramba – embora não com o mesmo rugido do chefe de Estado argentino.
Apoiando os EUA
Seman, o sociólogo argentino, considera Milei o líder mais ativamente pró-americano da América Latina.
Fernando Cerimedo, estrategista de Milei durante sua campanha e agora sob investigação no Brasil por um suposto papel na tentativa de golpe de 2022, aponta que a postura pró-americana de Milei levou a Argentina a assumir um papel cada vez mais favorável aos EUA no cenário mundial.
Em outubro, Milei demitiu seu ministro das Relações Exteriores depois que a delegação argentina votou com a maioria dos membros da ONU para pedir aos EUA que encerrassem o bloqueio econômico a Cuba. Mais tarde, seu governo disse que estava considerando a possibilidade de se retirar do Acordo de Paris sobre ações climáticas, algo que Trump prometeu fazer mais uma vez. A Argentina também se tornou um dos poucos países na Assembleia Geral da ONU a votar ao lado dos EUA contra os esforços para restringir as ações de Israel contra os palestinos.
“Javier [Milei] mostrou que, gostem dele ou não, ele é forte em suas decisões. Ele pode enfrentar qualquer um e dizer sim a isso e não a aquilo. E o mundo precisa de líderes assim”, disse Cerimedo.
Para Matias Font, 19 anos, que mora em um bairro de classe média de Buenos Aires, Milei continua a deslumbrar da mesma forma que quando o ouviu pela primeira vez aos 11 anos de idade. Ele foi atraído por sua personalidade. “Sua forma de ser combativo com a política que vem arruinando o país”, disse ele. “E isso fez com que nossos pais ficassem desesperados com a situação.”
Agora, no evento da CPAC, ele foi atrás de Eduardo Bolsonaro para tirar uma selfie e, em troca, teve seu cabelo despenteado.
“Ele disse que isso o fazia lembrar de Milei”, disse Font.