Foto: Deystvie
Em uma das principais avenidas de Sofia, capital da Bulgária, o prédio que abriga a organização de defesa da comunidade LGBTQI+ Bilitis não mostra sinais externos da presença do grupo. Os visitantes precisam subir quatro lances de escada antes de finalmente encontrar o logotipo rosa e roxo da associação, que simboliza sua missão de apoiar e defender os direitos das pessoas LGBTQI+ nesse pequeno país do Leste Europeu com uma população de pouco mais de 6,4 milhões de pessoas.
O endereço dos escritórios e do centro comunitário do Rainbow Hub é deliberadamente mantido off-line, uma precaução necessária para evitar despejo ou ataques. “Sofremos um ataque particularmente violento durante a última eleição presidencial em 2021. Um candidato de extrema direita [Boyan Rasate, líder do partido União Nacional Búlgara – Nova Democracia] apareceu com um grupo de 10 pessoas durante um evento para a comunidade trans e vandalizou nosso escritório anterior. Ele também agrediu fisicamente um de nossos colegas”, diz Robin Zlatarov, coordenador do programa de identidade trans da Bilitis. “Fomos forçados a nos mudar e acabamos nos estabelecendo aqui. Este é o espaço mais estável que já tivemos porque não é um prédio residencial. Estamos cercados de escritórios por todos os lados”. Em outra ocasião, foram os próprios vizinhos que exigiram que a associação fosse embora.
As dificuldades enfrentadas pelos membros da Bilitis, uma das organizações LGBTQI+ mais proeminentes da Bulgária, destacam os desafios mais amplos enfrentados pela comunidade, que é regularmente alvo de ataques físicos e políticos da extrema direita. O último golpe veio neste verão, quando o parlamento búlgaro adotou inesperadamente uma lei que proíbe a “propaganda LGBT” nas escolas.
Proposta pelo partido populista pró-Kremlin Vazrazhdane (Renascimento) e inspirada em legislações semelhantes na Rússia e na Hungria, a lei também proíbe a promoção ou a incitação de “ideias e pontos de vista relacionados à orientação sexual não tradicional e/ou à determinação de identidade de gênero diferente da biológica” no sistema de educação escolar. Embora as propostas legislativas normalmente levem vários dias para serem analisadas e votadas, o projeto de lei foi aprovado em uma única noite por uma grande maioria: 159 votos a favor, 22 contra e 12 abstenções.
“Foi um choque”, lembra Zlatarov, que assistiu à aprovação do projeto de lei ao vivo pela televisão. “As pessoas estavam ligando para a associação com medo e pânico, perguntando o que deveriam fazer em seguida”. A comunidade se mobilizou rapidamente, organizando várias manifestações que contaram com o apoio significativo de aliados.
No entanto, apesar desses esforços e de uma petição que reuniu mais de 7.000 assinaturas em apenas alguns dias, o presidente da Bulgária, Roumen Radev, ratificou o projeto de lei uma semana depois.
Uma crise de saúde mental entre os estudantes
Como a lei é redigida de forma tão vaga, é difícil determinar exatamente o que pode ou não ser discutido nas escolas daqui para frente, explica Denitsa Lyubenova, advogada e cofundadora da associação Deystvie, que defende os direitos LGBTQI+ por meio de ações judiciais e oferece apoio jurídico a indivíduos. “Ainda temos permissão para discutir abertamente figuras históricas ou autores LGBT em sala de aula? As questões de saúde sexual ainda podem ser abordadas em biologia? Podemos apresentar estudos científicos se eles fizerem referência à ‘orientação sexual não tradicional’? Há muitas perguntas e muito dependerá do critério dos diretores de escola”. Embora nenhum professor tenha sido penalizado por não cumprir a lei, Deystvie recebe frequentemente ligações de educadores que estão confusos e ansiosos com a perspectiva de perder seus empregos.
Mas, acima de tudo, a lei tem consequências reais para alunos e estudantes. “Já recebemos relatos de alunos que usavam camisetas pró-LGBT e foram expulsos de suas escolas”, diz Lyubenova. “Eles são os mais vulneráveis”, acrescenta Zlatarov. “Eles agora têm ainda mais medo de expressar quem são, e muitos temem que o assédio que enfrentam só se intensifique.”
Ivan Dimov, fundador da Single Step, compartilha das mesmas preocupações. Ele criou a fundação para oferecer apoio psicológico a jovens búlgaros LGBTQI+, principalmente por meio de uma plataforma de bate-papo on-line onde os adolescentes podem conversar com psicólogos. “Desde que a lei foi aprovada, observamos um aumento dramático do medo e da ansiedade entre os estudantes que entram em contato por meio do bate-papo. Alguns estão apavorados com a possibilidade de serem expulsos da escola se ficarem sabendo que são gays, lésbicas ou trans”, explica ele. Pouco antes da adoção da lei, a fundação realizou um estudo abrangente sobre a saúde mental dos alunos LGBTQI+ do ensino médio na Bulgária. “Os resultados são devastadores: metade deles já pensou em suicídio, 68% sofrem assédio e 24% foram agredidos fisicamente. Tememos que essa lei só venha a agravar uma situação já terrível”, lamenta Dimov.
“Muitos estão pensando em deixar o país”
Há muito tempo, a Bulgária está longe de ser uma nação favorável à comunidade LGBTQI+. Em 2024, o país recebeu uma pontuação de apenas 23,22% da Associação Internacional de Lésbicas e Gays da Europa (ILGA), que avalia anualmente os direitos das pessoas LGBTQI+ em toda a Europa. Essa pontuação coloca a Bulgária perto da parte inferior da classificação da União Europeia. Para fins de comparação, a média da UE é de 50,61%, enquanto a Bélgica, o país com melhor desempenho, obteve uma pontuação de 78,48%.
“É quase impossível ser abertamente LGBT na universidade, no trabalho, com sua família ou até mesmo ao procurar moradia. Meu parceiro e eu tivemos que fingir que éramos melhores amigos só para encontrar um lugar para morar”, diz Zlatarov. Entretanto, de acordo com organizações de defesa, a lei de “propaganda anti-LGBT” inegavelmente criou um ambiente ainda mais hostil para a comunidade gay e homossexual do país. A Bilitis relatou um aumento na violência verbal e física: “Nos últimos meses, temos visto grupos de adolescentes, às vezes muito jovens, atacando violentamente pessoas LGBT nas ruas”, lamenta o jovem coordenador.
“É realmente assustador testemunhar o desenrolar de tudo isso. Hoje, mais e mais membros da comunidade estão pensando em deixar o país. Os ataques à comunidade não são novos, mas essa lei é a gota d’água que leva as pessoas a irem embora de vez”, acrescenta Lyubenova.
Na visão das associações, a retórica homofóbica e transfóbica do partido Vazrazhdane é uma tática calculada para ganhar votos. A Bulgária, atolada em uma crise política sem precedentes, realizou sete eleições em apenas três anos. Durante todo esse período, o Vazrazhdane ganhou terreno de forma consistente, emergindo como a terceira maior força política do país na eleição mais recente, em 27 de outubro. “Esse é um partido que prospera fazendo barulho e não tem escrúpulos em mentir, manipular e explorar os medos dos pais para reforçar sua posição. Para eles, a comunidade LGBT é o bode expiatório de tudo o que está errado no país”, diz Dimov.
A luta continua
“Se não estivéssemos em meio a essa crise política, acredito que a perspectiva para as pessoas LGBTQ+ seria positiva”, diz Dimov. “Ao longo dos anos, a aceitação social de nossa comunidade melhorou”. A mudança de atitudes em relação à Marcha do Orgulho de Sofia reflete esse progresso. “A primeira marcha, em 2008, foi muito violenta. Os oponentes atiraram pedras e até coquetéis molotov nos participantes”, conta Zlatarov, segurando um capacete de segurança azul usado por um dos participantes da marcha naquele dia. Hoje, a marcha, realizada todo mês de junho, tem uma aceitação muito maior, com quase 10.000 pessoas participando da última edição, de acordo com os organizadores.
No entanto, dado o contexto político, os ativistas sabem que precisam contar principalmente com eles mesmos para continuar a promover mudanças profundas na sociedade búlgara. Deystvie está liderando uma batalha legal para contestar a lei aprovada neste verão, começando em nível nacional, solicitando ao Tribunal Constitucional que decida sobre sua constitucionalidade, e estendendo-se até o nível europeu.
“Estamos monitorando como a lei está sendo implementada e se sua implementação contradiz a legislação da União Europeia. Se isso acontecer, forneceremos as provas à Comissão para que ela possa tomar medidas contra a Bulgária”, explica Lyubenova.
A Bilitis e a Single Step continuam seu trabalho vital de apoio à comunidade. Entretanto, para Zlatarov, aumentar a conscientização e a visibilidade das pessoas LGBTQI+ também é crucial. “O que observamos nos últimos anos é que uma das coisas mais impactantes que você pode fazer é falar diretamente com as pessoas e oferecer a elas sessões de treinamento, sejam elas de algumas horas ou de vários dias. O objetivo é que elas conheçam membros da comunidade, ajudando a dissipar noções preconcebidas”, diz ele. “Se pudermos ajudar os jovens LGBTQ+ a levar uma vida completamente satisfatória, em vez de sentirem a necessidade de sair, é claro que continuaremos”, conclui Dimov. Esse compromisso permanece inabalável, apesar das crescentes ameaças da extrema direita.