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O legado surrealista do ativismo antifascista
Cultura e Esporte

O legado surrealista do ativismo antifascista

Uma exposição no museu Lenbachhaus, em Munique, é um estudo urgente sobre redes artístico-políticas significativas que enfatizavam a solidariedade e a unidade em vez do isolamento

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Via Hyperallergic

Tempo de leitura: 4 minutos.

Imagem: Max Ernst, “The Angel of Hearth and Home” (1937)

A influência das teorias do inconsciente de Sigmund Freud sobre o Surrealismo é amplamente conhecida, mas o foco comum nos impulsos internos e nos sonhos nas obras desses artistas obscurece o fato de que os surrealistas olhavam tanto para o mundo exterior quanto para dentro de si mesmos. A exposição But Live Here? No Thanks: Surrealism and Anti-fascism (“Morar Aqui? Não, Obrigado: Surrealismo e Antifascismo”), centrada em arquivos e exibida na Lenbachhaus, aborda essa omissão ao traçar meticulosamente o ativismo político multifacetado dos surrealistas, em especial sua resistência ao colonialismo e ao fascismo.

O fato de a exposição ocorrer na Alemanha — onde a expressão política está atualmente sendo censurada e onde o número crescente de apoiadores do partido nacionalista AfD evoca o sombrio espectro da ideologia fascista — não é acidental. Pelo contrário, lembra ao público que artistas sempre atuaram como espelhos da sociedade. Mais especificamente, examina as formas como, em tempos de crises políticas e guerras, esses artistas organizaram redes colaborativas de resistência. As curadoras Stephanie Weber, Adrian Djukić e Karin Althaus organizam a exposição por regiões, começando pela Europa (em especial França, antiga Tchecoslováquia e Espanha), e depois se expandindo para o Egito, Martinica e Estados Unidos.

Para sublinhar o tema da mobilização transnacional, a mostra não foca diretamente nas obras de arte — embora haja muitas pinturas, desenhos, filmes e esculturas que compartilham afinidades estilísticas e metodológicas —, mas as utiliza como forma de traçar a trajetória de vida dos artistas, especialmente seus escritos politicamente engajados e seus deslocamentos durante a guerra. Diversos zines e panfletos político-artísticos, como a revista marxista surrealista Légitime défense, são apresentados em vitrines. Também está presente a agitprop antifascista da artista francesa Claude Cahun, que foi enviada, junto com sua companheira Marcel Moore, para um campo de internamento nazista nas Ilhas do Canal. Uma fotografia evocativa mostra Cahun mordendo um alfinete em forma de suástica.

As curadoras destacam com precisão que a insistência de muitos surrealistas em expor as opressões subjacentes aos sistemas políticos modernos tornava sua arte extremamente útil como ferramenta política. Alguns dos artistas e coletivos em destaque, como o grupo francês La Main à plume, participaram da luta armada contra os nazistas. Outros, como André Breton, fundaram associações revolucionárias formais. O encontro de Breton com o pintor mexicano Diego Rivera e o revolucionário soviético Leon Trotsky na Cidade do México — onde Breton e Trotsky fundaram a Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente (FIARI) — é eternizado em uma fotografia do mexicano Manuel Álvarez Bravo.

A exposição política e filosófica também impulsionou a evolução artística de vários artistas. Quando o cubano Wifredo Lam, assim como Breton, foi exilado da França para a Martinica, entrou em contato com os proeminentes pensadores e escritores anticolonialistas Aimé e Suzanne Césaire, que publicavam a revista surrealista Tropiques (1941–44). Como aponta o texto da parede, esse encontro fortuito impulsionou o estilo afro-caribenho sincrético de Lam. Sua série de gravuras macabras Annonciation (impressa entre 1969–71), que retrata criaturas esqueléticas entrelaçadas e torturadas, acompanhadas por poemas de Aimé Césaire, exemplifica o poder do Surrealismo de expressar horrores indescritíveis — assim como muitas outras obras, de “Anjo do Lar e da Pátria” (1937), de Max Ernst, uma alegoria pintada em resposta à brutal vitória de Francisco Franco sobre os republicanos na Guerra Civil Espanhola, ao monumental Le Grand tableau antifasciste collectif (Grande Pintura Coletiva Antifascista, 1960) — uma tela densa e caótica repleta de membros contorcidos, mandíbulas devoradoras e partes do corpo dilaceradas, pintada como protesto contra a tortura e o estupro de Djamila Boupacha, militante da Frente de Libertação Nacional da Argélia (FLN).

Apesar do título irônico, But to Live Here? No Thanks não defende o exílio ou a fuga, mas oferece uma esperança comedida nestes tempos sombrios, como um estudo urgente das redes artísticas e políticas fluidas, porém significativas, que enfatizavam a solidariedade e a unidade em vez do isolamento.

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