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“Somos bodes expiatórios”: a ascensão da raiva antimigrante na Polônia
Extrema Direita

“Somos bodes expiatórios”: a ascensão da raiva antimigrante na Polônia

Ativistas de extrema direita culpam uma “inundação” de imigrantes ilegais pela criminalidade, mas a população nascida no exterior na Polônia é pequena

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Via Al Jazeera

Tempo de leitura: 5 minutos.

Este crime violento desencadeou uma onda de tensões na Polônia:

Em junho, no centro de Toruń (Polônia central-norte), um homem venezuelano esfaqueou até a morte Klaudia, uma polonesa de 24 anos, enquanto ela caminhava para casa depois do trabalho por um parque. Esse episódio horrível provocou uma marcha silenciosa em Toruń, no dia 6 de julho, organizada por apoiadores da aliança política de extrema direita Konfederacja, cujo protesto exibia cartazes com a frase “pare a imigração ilegal”.

Em seguida, as redes sociais espalharam rumores e desinformação. No dia 14 de julho, em Wałbrzych (sudoeste da Polônia), alguém telefonou à polícia para informar que um homem paraguaio estaria tirando fotos de crianças em um playground. Embora a polícia não tenha encontrado nada comprometedor em seu celular, dois poloneses o agrediram violentamente pouco depois. No dia seguinte, um grupo de cerca de 50 pessoas invadiu o albergue onde ele e outros migrantes se hospedavam. Foguetes foram lançados contra o imóvel, e o proprietário, temendo novos ataques, acabou fechando o estabelecimento.

Nas últimas semanas, o sentimento anti-imigrantes tem crescido no país, impulsionado pela retórica de extrema direita, que afirma que a Polônia está sendo invadida por uma “migração ilegal descontrolada”. Alegações de que os migrantes “roubam” empregos locais e representam uma ameaça à identidade polonesa — tanto fisicamente quanto culturalmente — são comuns e incentivadas até mesmo por parlamentares.

Um deputado da Konfederacja, Konrad Berkowicz, de Cracóvia, declarou à rádio TOK FM:

“A xenofobia é um elemento importante da nossa unidade nacional. Condenar e reprimir a xenofobia no Ocidente levou a estupros e atos terroristas — é por isso que devemos valorizá-la.”

Para Elmi Abdi, um somali de 62 anos que chegou à Polônia como refugiado em 1996 e hoje dirige a fundação Good Start, “hoje os migrantes são vistos como responsáveis por todos os problemas da Polônia; somos bodes expiatórios atacados por todos os partidos, mesmo quando políticos sabem que isso é mentira”.

As ondas de desinformação, como no caso de Wałbrzych, motivaram o Fórum de Migração da Polônia a descrever o clima atual como “próximo a um pogrom”. Agnieszka Kosowicz, líder do fórum, afirma:

“O que diferencia a situação atual é a violência. Estamos em um lugar muito ruim… pessoas já são alvo de insultos, ameaças e hostilidade. É uma situação alarmante que exige resposta firme do Estado.”

Fronteira com Belarus: boatos e vigilância privada
Em 7 de julho, a Polônia restabeleceu controles de fronteira com a Alemanha e Lituânia, resposta a medidas semelhantes impostas pela Alemanha para limitar a entrada de solicitantes de asilo. Há ainda boatos circulando sobre supostas “deportações ilegais” de migrantes para a Alemanha — algo permitido sob regras da UE, mas que motivou patrulhas ilegais da extrema direita nas fronteiras, que tentaram instaurar detenção “cidadã”.

O governo ainda enfrenta pressão da UE, que acusa autoridades bielorrussas e russas de incentivarem a migração irregular ao continente como forma de desestabilização.

Desde 2022, foi erguida uma barreira na fronteira com Belarus para conter a entrada irregular. Mesmo assim, em 2025 houve uma queda nas tentativas de travessias não autorizadas: de janeiro até junho, foram 15.022 incidentes, dos quais apenas 5% foram bem-sucedidos. Em comparação, de janeiro a junho de 2021, antes da construção da barreira, foram registradas 52.000 tentativas.

Kosowicz alerta que o governo falhou ao não divulgar os benefícios da migração — por exemplo, refugiados ucranianos contribuíram com 2,7% do PIB da Polônia, segundo estudo do Deloitte e ACNUR, mas essa narrativa não é enfatizada pelos políticos.

Protestos anti-imigrantes varrem o país
Em 19 de julho, protestos anti-imigrantes organizados pelo partido Konfederacja e torcedores de futebol ocorreram em cerca de 80 cidades polonesas. Os manifestantes gritavam slogans racistas e defendiam um país étnico exclusivamente branco.

Nikola, 16 anos, foi à manifestação em Cracóvia — incentivada por vídeos na internet que afirmavam que pessoas no Ocidente “têm medo de sair de casa” por causa da presença de imigrantes. Ela quis “mostrar que se importa com a segurança e que a Polônia é nossa”. Em outra cena, Danuta, 60 anos, defendia que “a nação está acordando; as fronteiras não estão seladas e devem ser defendidas por civis.”

O próprio Abdi afirmou estar com medo de sair de casa: “Eles falam que querem uma Polônia branca. Eu não tenho medo, mas estou preocupado com meus filhos.”


Desinformação alimenta o ódio
A maioria dessa narrativa, no entanto, é infundada:

  • A Polônia não enfrenta uma onda maciça de migração irregular. Em 2024 foram devolvidos à Polônia 688 pedidos de asilo submetidos por pessoas que foram para Alemanha, segundo as regras de Dublin. Em 2023, foram 318.
  • Apenas 2,2% da população polonesa nasceu fora do país em 2023, segundo a OCDE — contra 15,4% no Reino Unido, 18,2% na Alemanha e 13,8% na França.
  • Em 2022, 152 mil imigrantes receberam permissões de residência por mais de um ano.

Essa distorção da realidade, alimentada por campanhas e desinformação, está levando a sociedade polonesa a uma crise social em que migrantes passam de vítimas a alvos.

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