Desinformação prolifera às vésperas da cúpula climática no Brasil
Enquanto a maioria dos cidadãos globais exige políticas ousadas de combate às mudanças climáticas, uma nova iniciativa de integridade da informação visa neutralizar o negacionismo climático que tem impedido ações ambiciosas
A cúpula climática decisiva da ONU deste ano, realizada no Brasil, enfrenta uma onda de fake news e desinformação que visa enfraquecer qualquer frente unida em prol de uma transição energética rápida para longe dos combustíveis fósseis.
Entre julho e setembro, houve um aumento de 267%, ou mais de 14.000 casos, de desinformação relacionada à COP, segundo um relatório publicado hoje. A pesquisa foi produzida pela Coalition Against Climate Disinformation (CAAD), um observatório global do clima, e pelo Observatory for Information Integrity (OII), uma organização de pesquisa focada em meio ambiente e democracia.
Um vídeo amplamente compartilhado, criado por inteligência artificial e circulando nas redes sociais, mostrava Belém, a cidade amazônica que sediará a COP este ano, submersa em água. O OII, porém, afirmou que o repórter, as pessoas, as enchentes e a cidade mostrados no vídeo não existem.
O relatório constatou que, apesar de pesquisas recentes mostrarem que mais de 80% das pessoas apoiam ações climáticas mais fortes, a crescente propagação de falsas informações online, potencializada pela IA, está alimentando a hostilidade à ciência.
“O gasto da Big Carbon e os algoritmos da Big Tech estão nos impedindo de ver e ouvir uns aos outros online. Em vez disso, somos expostos a uma mentira após a outra”, disse a CAAD.
A COP30 ocorre em um momento em que o presidente dos EUA, Donald Trump, líder do maior poluidor histórico de carbono do mundo, lançou um ataque sem precedentes a programas climáticos e de energia renovável.
Desde que assumiu o cargo em janeiro, Trump tem usado as redes sociais para amplificar mentiras sobre energia eólica, por exemplo, afirmando que turbinas causam câncer e matam baleias. Ele emitiu ordens executivas comprometidas com “liberar” a energia de combustíveis fósseis que ele chama de “acessível e confiável”, enquanto falsamente afirma que a energia renovável “motivada ideologicamente” resulta em perda de empregos e aumento nos custos de energia que “devastam” os consumidores.
Tal desinformação ignora a realidade de que as emissões provenientes da queima de carvão, gás e petróleo estão mudando o clima da Terra, causando mais secas, enchentes, tempestades e calor mortal.
Também contradiz diretamente o fato de que a capacidade de energia solar e eólica, em rápido crescimento, já fornece a eletricidade mais barata do mundo há algum tempo. Para cada dólar investido, a energia limpa também gera três vezes mais empregos do que a indústria de combustíveis fósseis.
Trump e a EPA visam revogar regulamentos climáticos
“A administração Trump está empregando um manual de desinformação já conhecido, ressuscitando táticas de negação que eram a abordagem preferida da indústria de combustíveis fósseis nos anos 1980 e 1990”, disse Kathy Mulvey, diretora de campanhas de responsabilidade do Programa de Clima e Energia da Union of Concerned Scientists, uma ONG científica dos EUA.
Apropriando-se das táticas de engano da indústria do tabaco sobre os impactos à saúde do fumo, as empresas de petróleo, gás e carvão estão “fabricando incerteza sobre a ciência climática e bloqueando políticas de clima, energia limpa e transporte limpo”, acrescentou.
As cúpulas climáticas da ONU têm sido um foco importante de empresas de combustíveis fósseis que buscam atrasar a transição energética. No ano passado, uma análise revelou que mais de 1.770 lobistas de combustíveis fósseis tiveram acesso à COP29 em Baku, Azerbaijão — superando todas as delegações nacionais, exceto três.
Em 2023, pesquisadores revelaram que empresas de energia fóssil pagaram à Meta — que possui as plataformas Facebook, Instagram e WhatsApp — até 5 milhões de dólares (4,3 milhões de euros) por anúncios de desinformação climática antes da COP28 nos Emirados Árabes Unidos.
Quatro das maiores empresas de petróleo e gás do mundo — Shell, ExxonMobil, BP e TotalEnergies — foram responsáveis por 98% desse investimento em publicidade.
Contra a desinformação por meio da transparência
Em meio ao temor de que o mundo tenha perdido a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento planetário a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, surge um esforço coordenado contra tentativas de semear dúvidas e atrasar ações climáticas.
A Iniciativa Global liderada pelo Brasil para a Integridade da Informação sobre Mudança Climática fará, pela primeira vez em qualquer cúpula climática da ONU, parte da agenda oficial da COP30. O projeto visa financiar pesquisas, jornalismo investigativo e campanhas de comunicação climática que combatam o contrarianismo e ampliem a ciência climática — e soluções.
“Devemos combater campanhas coordenadas de desinformação que impedem o progresso global sobre mudança climática, desde a negação explícita até o greenwashing e o assédio a cientistas do clima”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, em novembro de 2024, quando a iniciativa foi lançada na cúpula do G20.
“Quando os governos continuam a expandir a produção de combustíveis fósseis, mesmo comprometidos publicamente com metas de zero líquido, é essencial que a sociedade civil em todo o mundo una forças para garantir a disponibilidade de informações precisas, consistentes, confiáveis e transparentes para o público e formuladores de políticas”, disse Ece Elbeyi, cientista consultora do Painel Científico sobre Integridade da Informação sobre Ciência Climática, uma organização científica global com sede na Suíça.
Ao reunir pesquisadores e profissionais de mídia, a iniciativa de integridade da informação da COP30 exemplifica “o tipo de engajamento cívico necessário” para combater a desinformação, afirmou ela à DW.
Enquanto isso, o observatório global do clima CAAD está pedindo à mídia e à Big Tech que filtrem “conteúdos falsos prejudiciais” sobre o clima para seus públicos, e que sejam transparentes sobre a origem de qualquer desinformação para garantir “transparência e responsabilidade”, observou Philip Newell, co-presidente de comunicações da CAAD.
Mas mentiras sobre o clima, mais recentemente provenientes da administração Trump sobre o custo e o potencial de criação de empregos da energia renovável, estão sendo replicadas na mídia globalmente.
“O retorno de Trump ao poder em janeiro provocou um aumento da desinformação climática não contestada na mídia francesa”, observou Eva Morel, secretária-geral da ONG climática QuotaClimat. Um relatório sobre desinformação climática coautorado pela QuotaClimat mostrou que os casos de engano climático na mídia francesa triplicaram nos primeiros oito meses de 2025.
Uma oportunidade sem precedentes para combater o engano dos combustíveis fósseis
A comunicação científica climática transparente e rigorosa é essencial em um momento em que os países estão prestes a produzir mais do que o dobro de combustíveis fósseis em 2030 do que seria compatível com o limite de aquecimento de 1,5°C. Conforme relatado no mais recente Production Gap Report, que monitora a “desconexão” entre a produção nacional planejada e a produção global real.
Se a COP30 espera ajudar a reduzir essa desconexão, precisa aproveitar uma “oportunidade sem precedentes” para facilitar “uma ação global coordenada contra a desinformação”, disse Mulvey.
“A exposição do engano e das táticas sorrateiras da indústria de combustíveis fósseis é uma das melhores estratégias que temos”, afirmou ela, sobre o uso da integridade da informação para fortalecer a pressão por uma transição energética rápida.
Eliesio Marubo, ativista e assessor jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, disse que a desinformação climática precisa ser chamada pelo que realmente é na COP30: “Não gosto do termo ‘fake news’”, afirmou, acrescentando que o termo “acaba legitimando algo que não é notícia alguma. Prefiro chamá-la pelo que realmente é: uma mentira.”
