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Um músico para a luta de classes
Cultura e Esporte

Um músico para a luta de classes

A história do músico antifascista italiano Luigi Nono

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Tempo de leitura: 20 minutos.

Via Jacobin

No final de 1961, o compositor alemão Hans Werner Henze estava regendo a terceira apresentação de sua nova ópera, Elegy for Young Lovers, em Munique, na Alemanha Ocidental. Um velho amigo de Henze estava sentado na plateia. No entanto, na metade do primeiro ato, o amigo se levantou de repente e, em voz alta, obrigou uma fileira inteira a se levantar para que ele pudesse sair. Esse homem era Luigi Nono, compositor mundialmente famoso e membro do Partido Comunista Italiano (PCI).

Em sua autobiografia, Henze relata uma pós-festa em que Nono, ao ser questionado sobre seu comportamento no concerto, derrubou violentamente uma mesa, quebrando louças caras no processo. Henze pondera sobre a reação furiosa de Nono à sua ópera e, por fim, expressa total desconhecimento do motivo. Mas, como um velho amigo, Henze devia estar ciente do problema de Nono: A Elegy não tinha conteúdo político explícito e contemporâneo.

Considerando a vida e a obra de Nono, sua reação, por mais melodramática que tenha sido, faz sentido. Ele era um antifascista e comunista convicto que havia passado anos desenvolvendo uma teoria e uma prática de criação artística revolucionária. Ver Henze, um colega comunista e membro do PCI, encenar uma ópera aparentemente neutra do ponto de vista político foi irritante para Nono, especialmente devido ao contexto histórico.

Para Nono, a revolução estava em toda parte. As lutas anti-imperiais estavam surgindo na América Latina e no Sudeste Asiático e ele estava empenhado em apoiar a causa por meio de sua música. Qualquer artista revolucionário que não estivesse imediatamente envolvido com essas questões, para Nono, não era um artista revolucionário de fato. Um compositor revolucionário precisava ser um “músico-ativista, não acima, mas dentro da luta de classes”, afirmava ele.

A visão de Nono pode tê-lo tornado, às vezes, impetuoso e obstinado com seus contemporâneos. Mas também produziu um corpo de trabalho flexível e, muitas vezes, surpreendente ao longo de sua vida. À medida que as condições históricas mudavam e as perspectivas revolucionárias diminuíam e fluíam, a música de Nono também se adaptava. Em momentos diferentes, ela incorporou as notas carregadas do antifascismo, ou uma reflexão gerada pelo declínio do PCI e o fechamento de alternativas durante a ascensão do neoliberalismo. Mas mesmo em períodos de derrota da classe trabalhadora, Nono não perdeu a base política de sua arte. Para os artistas de hoje que buscam responder às realidades ao seu redor – desde as novas oportunidades para os socialistas até a ameaça da extrema direita – a vida e a obra de Nono oferecem muita inspiração.

Início radical
Nono nasceu em 29 de janeiro de 1924 em Veneza. Ele descendia de uma longa linhagem de artistas venezianos nativos. Seu avô paterno e homônimo foi um pintor conhecido por retratar a vida brutal dos pobres venezianos. Seu tio-avô Urbano Nono, um escultor, projetou o monumento em Florença dedicado a Daniele Manin, líder da República revolucionária de San Marco (Veneza) durante as revoltas de 1848.

O pai de Nono era engenheiro e a família levava uma vida sólida de classe média alta. Ambos os pais eram músicos amadores envolvidos nos animados círculos artísticos da cidade. Nono começou a estudar piano com um amigo da família aos 12 anos de idade, mas desistiu por achar o instrumento entediante. Em vez disso, passava seu tempo explorando as paisagens sonoras de Veneza, especialmente os ecos da Basílica de São Marcos, que ele começou a frequentar regularmente para contemplar a “acústica especial” da catedral.

Toda a infância de Nono foi passada sob um governo fascista. Foi sob essas condições opressivas que ele conheceu a política radical de esquerda. Quando adolescente, ele participou de reuniões socialistas e exposições de arte subversivas. Depois de se formar em 1942, conseguiu evitar o alistamento militar forçado com a ajuda de um médico que simpatizava com o socialismo, que lhe forneceu um diagnóstico falso de doença permanente. Ele se matriculou na Universidade de Pádua para estudar direito, mas também começou a estudar seriamente música.

Enquanto estava na universidade, Nono começou a fazer trabalhos secretos para a Resistência Italiana. Foi durante a luta contra o regime em ruínas de Mussolini que ele se tornou totalmente comprometido com a causa comunista. Ele distribuía boletins informativos, escondia armas ilegais e até ajudava na movimentação de bandidos partidários pela cidade. No dia da libertação de Veneza, 28 de abril de 1945, Nono, de 21 anos, estava em cena, ajudando os guerrilheiros a tomar e ocupar edifícios importantes.

Aprendendo com a esquerda
Logo após a guerra, Nono conheceu dois homens que teriam um impacto significativo em seu trabalho, Bruno Maderna e Hermann Scherchen. Ele foi apresentado a Maderna pela primeira vez em 1946. Maderna, também veneziano, era apenas alguns anos mais velho que Nono, mas era um prodígio musical que já tinha uma carreira de sucesso como intérprete e compositor. A musicologia da “música viva” de Maderna foi a primeira grande influência sobre a teoria e a prática de Nono. Sua alegação básica era que as composições musicais eram historicamente contingentes e não podiam ser entendidas adequadamente como artefatos fora de seu contexto histórico. Essa abordagem seria a base da arte revolucionária e da estética política de Nono.

Os dois homens conheceram Scherchen, um maestro alemão, em 1948, quando participaram de um curso que ele estava ministrando em Veneza. O músico mais velho logo os colocou sob sua proteção. Foi Scherchen, um socialista de longa data, que apresentou Nono aos movimentos de esquerda europeus fora da Itália.

Em 1950, com o patrocínio de seus dois mentores, Nono, de 26 anos, participou do Internationale Ferienkurse für Neue Musik (Cursos Internacionais de Verão para Música Nova) em Darmstadt, Alemanha Ocidental, um encontro anual de jovens compositores europeus que incluía Karlheinz Stockhausen, Pierre Boulez, John Cage e nosso velho amigo Hans Werner Henze. A primeira apresentação pública de Nono, após quase uma década de estudos, ocorreu nesse encontro. A peça, intitulada Variazioni Canoniche (Variações Canônicas), era uma série de variações baseadas na Ode a Napoleão de Schoenberg. Nono retornaria a Darmstadt todo verão na década seguinte.

Dois anos depois, em 1952, Nono e Maderna tentaram ingressar juntos no PCI. Inicialmente, a entrada lhes foi negada. Ambos eram praticantes do serialismo, um método de composição musical que se originou com Arnold Schoenberg e usava conjuntos predeterminados de tons como base das peças musicais. O serialismo havia sido denunciado pela escola de estética socialista-realista institucionalizada da União Soviética como “burguesa” e “formalista”. O PCI, como muitos partidos comunistas da época, ainda estava sob o controle indireto da União Soviética e, portanto, aceitou esse julgamento estético. Mas Nono, que nunca recuou, esforçou-se ao máximo para convencer o secretário veneziano do PCI de sua absoluta sinceridade, visitando-o pessoalmente para apresentar seu caso. Por fim, a liderança do partido cedeu e eles foram autorizados a se filiar.

Compromisso antifascista
Em meados da década de 1950, Nono havia desenvolvido a base de uma prática artística revolucionária robusta e uma teoria de estética política. Sua prática se concentrava em localizar oposições na criação artística, por exemplo, a luta entre os diferentes meios artísticos de música, design e dança em um palco de ópera, e transcendê-las. Nono acreditava que oposições como essas poderiam ser superadas pelo comprometimento artístico, um termo que ele tomou emprestado da teoria literária do filósofo Jean-Paul Sartre, que afirmou que, para que a arte seja comprometida, ela deve “revelar a situação… a fim de mudá-la”.

Para Nono, o objetivo comum de revelar a situação da natureza criminosa do capitalismo poderia transformar a luta entre os meios artísticos em uma dialética produtiva. Na década de 1950, ele acreditava que, para ser comprometido, um compositor tinha que se dedicar ao uso do serialismo, ainda a vanguarda musical europeia, como uma ferramenta artística para garantir a hegemonia político-cultural contínua dos movimentos de resistência contra o fascismo. Dessa forma, o tema principal da música de Nono durante os anos 50 foi o antifascismo. Foi essa dedicação ao momento político contemporâneo que acabou levando à sua dramática ruptura com os outros compositores de Darmstadt.

A cantata antifascista de Nono para vozes solo, coro e orquestra, Il canto sospeso (A canção suspensa), foi objeto de muita controvérsia em sua estreia em Darmstadt em 1955. Em parte, isso foi resultado da cultura da Alemanha Ocidental na época, ainda traumatizada por sua participação nos piores crimes do fascismo. Mas também se deveu à reação negativa de seus colegas.

O texto da peça é composto de uma série de cartas escritas por combatentes da resistência antifascista capturados pouco antes de suas execuções. Stockhausen criticou muito o tratamento serialista que Nono havia dado ao libreto. Ele acreditava que isso tornava grande parte do texto difícil de entender e obscurecia a mensagem antifascista. Mas Stockhausen foi ainda mais longe: ele acusou Nono de ter feito isso conscientemente por vergonha.

Nono ficou furioso com a acusação de que estava ocultando crimes fascistas. Ele respondeu apaixonadamente a Stockhausen: “A mensagem dessas cartas (…) está gravada em meu coração (…) como um exemplo do espírito de sacrifício e resistência contra o nazismo”. A razão pela qual ele deu ao texto um tratamento serial tão rigoroso não foi para obscurecer sua mensagem, mas para “transpor seu significado semântico para [minha] linguagem musical”. A dor desse debate permaneceria crua por décadas. Vinte anos depois, em 1976, ele ainda estaria respondendo à crítica de Stockhausen sobre seu primeiro grande trabalho.

Intolerância 1960
No final de seu período em Darmstadt, Nono, então com trinta e seis anos, compôs sua primeira grande obra operística, ou como ele a chamou, uma “azione scenica”. Intolleranza 1960 (Intolerância 1960) estreou em 1961 no Teatro La Fenice, em Veneza.

A peça conta a história de um trabalhador migrante que é preso e encarcerado em um campo de concentração. Nono não se desculpou pelos temas explicitamente antifascistas da ópera, deixando clara sua fidelidade à esquerda radical ao incorporar slogans esquerdistas como “No Pasaran” (Eles não passarão), “Nie Wieder” (Não mais) e “Morte al Fascismo e Liberta ai Popoli” (Morte ao fascismo e liberdade para o povo) no libreto. Como resultado, a estreia foi marcada pela censura política e infiltrada por neofascistas, que gritavam “Viva la Polizia” (Viva a Polícia) durante uma cena em que o migrante era torturado por policiais.

Foi durante essa produção que Nono começou a sintetizar seus pensamentos sobre forma e conteúdo. Voltando ao fascínio de sua infância pela paisagem sonora da Basilica di San Marco, ele começou a deixar para trás as ideias de forma puramente musical, reconhecendo o layout físico e auditivo da apresentação como uma forma em si, um espaço que poderia ser organizado para apoiar o conteúdo político revolucionário de sua arte. Nono começou a democratizar o palco, abrindo-o e colocando o público no centro da ação. O uso de novas tecnologias foi fundamental para transformar a performance de uma experiência passiva em uma experiência ativa. Nono começou a experimentar a integração de novas mídias, como filmes e design de som, em seu trabalho.

Intolleranza 1960 foi sua primeira peça importante a utilizar essas técnicas experimentais. Imagens projetadas, textos, filmes, sons eletrônicos, vozes sampleadas e música amplificada por alto-falantes colocados em todo o teatro bombardeavam o público. A sobrecarga sensorial e o conteúdo político altamente carregado se combinaram com o estilo serialista de Nono para torná-la uma obra ousada e conflituosa.

A segunda apresentação da ópera, em 1964, em Boston, seria novamente marcada pela controvérsia. Nono, a quem foi negado um visto americano por causa de suas afiliações políticas, chegou aos ensaios com semanas de atraso. A política da peça criou sérias tensões no set. Nono substituiu muitas das imagens, filmes e textos originais projetados por novos conteúdos específicos dos Estados Unidos, e o elenco e a equipe ameaçaram entrar em greve para protestar contra o foco “injusto” nos crimes de intolerância americanos. Em uma carta enviada após a apresentação, Nono acusou a diretora americana, Sarah Caldwell, de censura porque ela havia tentado remover o termo “bourgeois” e a frase “capitalist exploitation” da apresentação.

Fidelidades internacionalistas
As décadas de 1960 e 1970 foram as mais politicamente engajadas da vida de Nono, devido aos explosivos movimentos anti-imperialistas e socialistas na América Latina e no Sudeste Asiático e aos movimentos estudantis e de trabalhadores em desenvolvimento no centro capitalista. O entusiasmo dessas lutas se reflete em sua música. Siamo la gioventù del Vietnam (Somos a juventude do Vietnã), Ricorda cosa ti hanno fatto in Auschwitz (Lembre-se do que fizeram com você em Auschwitz) e Non consumiamo Marx (Não consumimos Marx) são apenas algumas delas.

Uma peça, La fabbrica Illuminata (A fábrica revelada), que estreou em 1964, foi composta em protesto contra as condições de trabalho na Fábrica de Aço Italsider de Gênova. Ela apresenta uma voz solitária de soprano flutuante, atacada por todos os lados por coros pré-gravados e ruídos mecânicos extraídos de gravações de campo que Nono havia coletado na fábrica. À medida que a peça avança, amostras da soprano são reproduzidas para a vocalista, como se fantasmas do início da peça viessem assombrar seu final. O público da estreia incluiu uma delegação de trabalhadores da Italisider, bem como Jean-Paul Sartre. La fabbrica illuminata foi um enorme sucesso e Nono fez uma turnê de palestras, visitando várias sociedades sindicais para apresentar e discutir a peça.

Em 1967, Nono viajou pela América Latina como embaixador cultural do PCI. No Chile, ele conheceu o lendário músico socialista Victor Jara e os dois mantiveram contato até o assassinato de Jara durante o golpe militar apoiado pelos EUA em 1973. No Peru, ele foi professor convidado na Universidade de San Marcos, em Lima. Durante sua aula, expressou apoio aos prisioneiros políticos do governo de Belaúde. Ele foi imediatamente preso e colocado na prisão, onde enfrentou um interrogatório que durou a noite toda até que o governo italiano garantisse sua libertação. Ele também passou algum tempo em Cuba, onde teve um encontro pessoal com Fidel Castro.

Em abril de 1975, sua segunda e mais explicitamente política obra operística, Al gran sole carico d’amore (O grande sol cheio de amor), estreou no Teatro alla Scala, em Milão. As cenas da peça se movem para frente e para trás entre a Comuna de Paris de 1871 e a Revolução Russa de 1905. Textos de Bertolt Brecht, Karl Marx, Vladimir Lênin, Che Guevara e Fidel Castro foram combinados para formar um libreto politicamente carregado. O coral, que representa os heróis mártires da classe trabalhadora, está deitado de barriga para cima em lajes suspensas, pairando atrás dessas cenas de ação.

Neoliberalismo em ascensão
A música de Nono começou a tomar um rumo mais reflexivo no final dos anos setenta. Seus característicos acordes fortíssimos desapareceram e sua agitação artística pelo futuro comunista foi substituída por um modo de expressão calmo e contemplativo. A evolução de seu estilo é às vezes atribuída a uma mudança em sua ideologia política, motivada pela influência do filósofo Massimo Cacciari, com quem Nono havia feito amizade recentemente. Essa narrativa está incorreta. Cacciari também era esquerdista e membro do PCI. Sua filosofia era de fato menos agitada, mas isso teve pouco a ver com a evolução do estilo musical de Nono. Em vez disso, os eventos históricos estavam levando os dois homens a conclusões semelhantes ao mesmo tempo.

No núcleo capitalista, as conquistas social-democratas e do New Deal da era pós-guerra estavam prestes a ser erradicadas por um neoliberalismo ascendente. O realismo capitalista da ordem neoliberal consumiria a esquerda eleitoral global, incluindo grande parte do movimento anti-imperialista que Nono havia apoiado nos anos sessenta. Os efeitos disso aconteceram gradualmente na Itália. Nono entrou para o comitê central do PCI em 1975 e viu o partido obter ganhos significativos na eleição seguinte. No entanto, após a tentativa de Berlinguer de um “compromisso histórico” com o centro político da Itália, Nono viu o PCI perder o poder centímetro a centímetro ao longo da década de 1980.

Foi uma época sombria para um artista empenhado em se envolver com o momento contemporâneo. Não é de se admirar que a música de Nono tenha assumido um estilo mais reflexivo. Entretanto, dizer que sua ideologia política mudou durante esse período é interpretar mal o que estava acontecendo. Nono ainda estava envolvido com a contemporaneidade. Sua música carecia de conteúdo revolucionário não porque ele não fosse mais um revolucionário, mas porque o momento contemporâneo carecia de potencial revolucionário. É verdade que ainda havia lutas acontecendo em todo o mundo, por exemplo, os sandinistas da Nicarágua ou o movimento socialista pan-africano liderado por Thomas Sankara. Mas os movimentos internacionais estudantis, operários e anti-imperialistas dos anos 60 e do início dos anos 70 aparentemente haviam desaparecido com a ascensão do neoliberalismo.

No início da década de 1980, Nono e Cacciari colaboraram em uma nova obra operística, Prometeo: Tragedia dell’ascolto (Prometeu: Tragédia da escuta). A ópera contava várias versões do mito de Prometeu usando textos de vários autores, incluindo Walter Benjamin e Rainer Maria Rilke. Prometeo foi composta especificamente para as propriedades acústicas da Basilica di San Marco, a igreja que tanto intrigou Nono quando criança. No entanto, a estreia acabou sendo transferida para outra igreja veneziana, San Lorenzo, onde foi apresentada em 1984.

Para o Prometeo, Nono concentrou toda a sua energia na democratização do espaço físico e auditivo da apresentação. O “palco” não era mais uma cena estática de ação, mas uma apresentação omnidirecional centrada e titânica. Uma enorme câmara de ressonância de madeira foi construída de acordo com as especificações exatas, de modo que até mesmo o pianíssimo mais minúsculo pudesse ser transmitido por San Lorenzo com total clareza. Essa câmara chegava até os cofres da igreja. Friedrich Spangemacher, um compositor e crítico musical que estava presente, comparou-a a “uma estrutura de navio”. Os cantores e instrumentistas foram colocados em todos os lados da igreja, em níveis variados. Cada músico tinha um microfone. As transmissões desses microfones eram alteradas eletronicamente e enviadas para vários alto-falantes posicionados ao redor do público.

Se abordado isoladamente, o Prometeo é uma peça musical cacofônica e esmagadora, repleta de saltos melódicos dissonantes e sopros e metais exagerados. Mas para o corpus de Nono, ela é muito suave. Há uma falta acentuada de cromatismo (o uso de todas as doze notas do sistema musical europeu), que era uma característica típica de seu estilo serialista. E, embora seja um exagero chamar o Prometeo de tonal, há um centro flutuante que o fundamenta. Intervalos consonantes, como a quinta e a oitava, são mais frequentes do que nunca.

A música de Nono é sempre inquietante, seja por suas referências aos crimes brutais do capitalismo ou por sua dissonância estrondosa. Prometeo, apesar de seu conteúdo menos explícito e de sua linguagem musical mais fundamentada, é uma peça musical muito perturbadora. O libreto é murmurado por duas vozes que, muitas vezes, são abafadas pelo coro e pela orquestra. De vez em quando, um único “Prometeo, Prometeo” é ouvido sob as densas texturas vocais e instrumentais. Até mesmo abaixo das vozes murmurantes, um sopro solitário de metais ou madeira às vezes começa a ranger como uma porta quebrada ou um animal perdido.

Em vez de desenvolver uma ideia musical clara, Nono se detém em fragmentos de ideias melódicas, acordes simples ou ritmos curtos antes de passar para algo novo. Mais tarde, ele descreveu Prometeo como um arquipélago de contradições musicais. Foi um arquipélago que ele explorou em sua busca para encontrar uma nova luta, uma nova solução para o problema da “vida real [ser] muito mais avançada do que a realidade política”.

Reflexão voltada para o futuro
Nono permaneceu como membro ativo do PCI até sua morte. E seu trabalho de reflexão não é politicamente agnóstico. Pelo contrário, é uma reflexão explicitamente marxista, caracterizada pelos textos com os quais ele estava envolvido na época, especialmente o trabalho de Walter Benjamin. Para Nono, continuar agitando o futuro socialista era inútil em um mundo em que as forças dedicadas a criá-lo haviam sido totalmente derrotadas. Sem uma luta clara com a qual se comprometer, sua música não poderia transcender as oposições dialéticas que ele via como endêmicas à criação artística. Em vez disso, ele passou a acreditar que se envolver com o momento atual significava refletir sobre essas próprias oposições e por que a luta para transcendê-las artística e politicamente havia sido derrotada. Ele estava especialmente fixado na contradição entre o futuro aparentemente sombrio e as lutas heroicas do passado, uma atitude artística que ele chamou de “nostalgia do futuro”.

Durante os últimos anos de sua vida, Nono ficou obcecado por uma citação que viu pintada com spray na lateral de um mosteiro durante uma viagem a Toledo, na Espanha, em 1985. Era uma frase do poeta republicano espanhol Antonio Machado: “Caminantes, no hay camino, solo hay caminar” (Viajantes, não há caminho a percorrer, somente a própria viagem). A citação claramente representava a posição de Nono como músico-ativista em busca de uma causa. Na metade da década seguinte, ele comporia cinco peças inspiradas por essa ideia. Mas, apesar da dura realidade política, Nono nunca se tornou um derrotista. Em vez disso, ele se deleitava com os atos de exploração e reflexão, esperando plenamente que a solução, a luta, acabasse se revelando.

Em 8 de maio de 1990, Luigi Nono faleceu em sua casa de infância na Zaterre al Ponte Longo, em Veneza, aos 64 anos de idade.

Uma coletânea traduzida para o inglês dos escritos de Nono, apropriadamente intitulada Nostalgia for the Future, foi publicada no ano passado. Para os artistas de esquerda, Nono fornece uma estrutura sobre como criar e julgar a arte politicamente comprometida. Uma estrutura que é desesperadamente necessária em um mundo que está apenas começando a emergir da imaginação política atrofiada do realismo capitalista. Embora o fim da hegemonia neoliberal seja animador, as catástrofes econômicas e climáticas assombram o movimento socialista renovado. Cabe aos artistas socialistas criar uma cultura de esquerda robusta que possa apoiar um movimento forte o suficiente para alterar radicalmente nossas possibilidades políticas e sociais se quisermos evitar a crise que se aproxima. Nono estava totalmente comprometido com as duas principais lutas globais que ocorreram durante sua vida. Os artistas socialistas de hoje devem ter o mesmo comprometimento. Quando perguntado sobre o motivo pelo qual fazia música, Nono foi absolutamente claro: “A batalha contra o fascismo e o imperialismo é o meu objetivo na vida”.

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