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Fernando Cerimedo: o conselheiro político da extrema direita na América do Sul
Extrema Direita

Fernando Cerimedo: o conselheiro político da extrema direita na América do Sul

O consultor argentino de marketing político entrou na política latino-americana em 2020, intervindo em campanhas eleitorais e concentrando-se principalmente na mídia digital para a extrema direita. Ele esteve envolvido em campanhas polêmicas envolvendo desinformação e mentiras no Chile e no Brasil. Agora, ele se juntou aos assessores da campanha presidencial do deputado de extrema direita Javier Milei

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Tempo de leitura: 21 minutos.

Via Ojo Publico

A derrota de Jair Bolsonaro nas eleições brasileiras abriu uma oportunidade para o consultor político argentino Fernando Cerimedo: posicionar-se como referência em comunicação digital para a extrema-direita latino-americana, repetindo a história da “grande mentira”. “Neste domingo, o mundo saberá tudo o que está acontecendo com as eleições no Brasil. A censura e a fraude silenciaram um país inteiro. #BrazilWasRobbed”, escreveu ele no Twitter.

Esse convite foi o prelúdio de seu serviço ao bolsonarismo no final de 2022. Em uma transmissão ao vivo no YouTube – que atraiu 400.000 pessoas – ele questionou a legitimidade da vitória de Lula da Silva com informações falsas.

A intervenção de Cerimedo, que mais tarde ele repetiu no Senado brasileiro, foi o combustível para as manifestações violentas que os apoiadores de Bolsonaro realizaram em todo o Brasil e que culminaram, dias depois, em ataques ao Congresso e ao Palácio do Governo em Brasília. A direita brasileira fez circular mensagens como as promovidas pelo argentino, semeando dúvidas sobre a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro, por meio de canais como o Telegram, entre outros. O Tribunal Superior Eleitoral do Brasil ordenou a suspensão da conta do Twitter do jornal de direita, a conta de Cerimedo (que foi posteriormente restabelecida) e também retirou do ar o vídeo do consultor no YouTube, alegando que se tratava de desinformação. O próprio Bolsonaro foi impedido de ocupar cargos públicos no final de junho pelo mesmo motivo.

A desinformação sobre a suposta fraude eleitoral no Brasil foi o fim para Bolsonaro, mas serviu como um impulso para Cerimedo. “Sou um herói para metade do país. Eles me chamam de o argentino mais querido do Brasil”, diz o consultor com orgulho. Com passos semelhantes em sua carreira ascendente, o argentino pretende se tornar uma referência para a direita sul-americana depois de espalhar mensagens baseadas em mentiras no Brasil, Argentina e Chile, conforme reconstruído por uma aliança jornalística de 21 meios de comunicação, cinco organizações especializadas em pesquisa digital e estudantes da Universidade de Columbia, coordenados pelo Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (CLIP).

“Assumi essa função como consultor da direita latino-americana porque todos têm medo de vestir esse traje. Para muitas pessoas, dizer que você é de direita é uma palavra ruim, mas não para mim”, desafia. Com a mesma facilidade, ele admite a este artigo que sim, ele tem trolls, referindo-se a contas falsas nas redes sociais que interagem com um roteiro definido para falsificar conversas. Mas ele afirma que não os usa para atacar adversários políticos ou para colocar curtidas no conteúdo de seus candidatos, mas sim para enganar os algoritmos e, dessa forma, dar um melhor posicionamento à mensagem de seus clientes.

A aparição de Cerimedo foi fantasmagórica. De praticamente desconhecido, em menos de quatro anos ele montou um grupo empresarial com sede em Buenos Aires que inclui sua agência de publicidade, a Numen SRL, e uma academia que oferece cursos de marketing digital e político, de acordo com fontes oficiais consultadas por esta aliança. Ele afirma que também administra 30 pequenos sites, uma empresa de segurança privada e um total de quase 200 funcionários. Entre seus sites, desde 2018 ele possui o domínio do La Derecha Diario, um portal de notícias que ele criou para “influenciar” esse setor ideológico, dirigido por Natalia Basil, sua sócia. Cerimedo não está formalmente listado como fundador do La Derecha Diario, mas Basil, uma engenheira química que faz parte do grupo (ela é parceira de Cerimedo na agência de publicidade e no meio acadêmico), sim.

As provas das mentiras publicadas pelo La Derecha Diario estão sobre a mesa, mas Cerimedo as nega. Ele contesta as acusações uma a uma, usando seus argumentos, em muitos casos meias-verdades, para passar ileso pela entrevista em vídeo de duas horas. “Chamar-nos de desinformantes em série por duas ou três coisas estúpidas é a única maneira de nos derrotar. Sou contra as notícias falsas”, diz ele. E ele minimiza a desinformação publicada pelo La Derecha Diario; ele a chama de “chiquilinadas”, “boludeces”, “tonterías”. Mas não são.

“La Derecha Diario é o único dos meus meios de comunicação que faz travessuras”, ele admite. Como quando publicou que o kirchnerismo sabia com antecedência sobre a tentativa de assassinato contra Cristina Kirchner porque o canal de TV C5N (que é próximo ao vice-presidente) havia publicado um relatório com data anterior ao ataque, um erro técnico devido à diferença de horário com um servidor, que foi usado pela direita para adicionar combustível a uma atmosfera social já inflamada. “Sim, foi uma coisa infantil de se fazer. Disseram-me que havíamos publicado a notícia no dia seguinte e eu disse: ‘se foi armado, ninguém vai ser tão estúpido a ponto de publicar a notícia cinco horas antes. Isso é besteira'”, minimiza.

Cerimedo, 42 anos, cai em suas contradições. Embora hoje se veja como um militante de direita, há apenas três anos o consultor organizou a militância digital da Juventude Peronista em La Matanza, um distrito-chave para o kirchnerismo. Ele diz que fez a travessia por amor: “Minha esposa é fã de Javier Milei”. Sua exposição aos Bolsonaros permitiu que ele se aproximasse do congressista argentino que pretende vencer a corrida presidencial naquele país este ano. Agora ele é o chefe de comunicações da campanha de Milei, mas também será responsável por cuidar de seus votos. Como um deja vu brasileiro, o consultor já pediu ao governo argentino informações sobre o sistema eleitoral para evitar “irregularidades” nas eleições. Esses são os mesmos ingredientes da receita usada por Bolsonaro e Trump para questionar os resultados das eleições em que perderam.

De Obama ao peronismo

Cerimedo adora se apresentar como um globetrotter que viveu mais de uma vida. Esse estudante de direito deixou sua cidade natal, Mar del Plata, aos 19 anos, porque, segundo ele, havia recebido uma bolsa de estudos de Harvard por suas habilidades esportivas no triatlo. Mas ele não pôde estudar na prestigiosa universidade porque não sabia inglês, então se estabeleceu em Porto Rico. Sua jornada americana incluiu o chamado treinamento militar com os Navy Seals (uma força de operações especiais do Exército dos EUA), antes de conseguir, segundo ele, um doutorado em marketing na Universidade de Phoenix. “Um dia, meu orientador de tese me disse que adorou o que eu havia apresentado e me levou para trabalhar na campanha de [Barack] Obama nas primárias democratas. Como vencemos, liderei equipes na corrida presidencial e fui trabalhar na Casa Branca. Passei alguns meses no escritório de Assuntos Internacionais. Depois fui para uma agência de segurança do governo que me enviou a diferentes países da América Latina para ajudar políticos interessados nos Estados Unidos.

Uma fonte próxima à campanha de Obama e que trabalhou em seu governo disse não reconhecer o nome de Cerimedo nem o de seu suposto mentor. Não há nenhum escritório na Casa Branca com o nome de Assuntos Internacionais.

Além de sua conta salpicada de grandes nomes, o passado de Cerimedo é um mistério. Seu nome só começou a ser divulgado após a criação da Numen em 2020. O histórico de empregos que pode ser reconstruído a partir de outras fontes é um pouco mais terreno. Cerimedo aparece como funcionário de uma empresa de táxi em Mar del Plata em 2014 (Mardeltax SRL), depois trabalhou para uma seguradora em Buenos Aires (Europ Assitance Argentina SA), para uma empresa de produtos de informática (Sentey SA) e para uma fábrica de plásticos (Alfavinil SA) em 2015, de acordo com informações do banco de dados privado Nosis. Ele foi diretor de criação da agência de publicidade McCann na Argentina até 2018. Nesse mesmo ano, e depois em 2019, antes de fundar a Numen, ele trabalhou por alguns meses como professor de ensino médio no governo da cidade de Buenos Aires, informaram fontes oficiais.

Cerimedo assegurou na entrevista mencionada anteriormente a esta aliança jornalística que um curso em Harvard abriu uma oportunidade para ele. “Fiz um curso de pós-graduação em Comunicação Política na Universidade de Harvard em 2010 e foi lá que conheci Eduardo Bolsonaro. Éramos os dois latinos que falavam português. O Eduardo gosta muito de tudo relacionado à polícia e como eu tenho formação militar, treinei por muito tempo com os Navy Seals, nos demos bem”. Esta equipe jornalística perguntou à Universidade de Harvard sobre esse curso, mas a universidade disse que não encontrou nenhum registro de “Eduardo Nantes Bolsonaro” ou “Fernando Gabriel Cerimedo” como alunos da instituição. Quando questionado posteriormente por e-mail, Cerimedo garantiu que havia feito quatro cursos individuais na universidade e que, por isso, não estava listado como aluno.

Apesar de seu relato duvidoso sobre como conheceu Bolsonaro, Cerimedo diz que trabalhou na campanha presidencial de 2018 do ex-presidente. “Entrei nos últimos 40 dias, quando tudo estava muito difícil. Fizemos um trabalho paralelo à campanha oficial para convencer os odiadores de Bolsonaro, como os homossexuais. Também fizemos campanha de contraste, que é mostrar tudo o que o candidato adversário não quer que as pessoas saibam. Uma metodologia que também pode ser conhecida como campanha negativa.

Naquela época, Cerimedo era um desconhecido na política argentina. Malvinas Argentinas, um município da província de Buenos Aires, o contratou em 2019. Ele havia sido encarregado de trabalhar no “posicionamento de mídia social” para as eleições municipais que terminaram com a reeleição do prefeito peronista Leonardo Nardini, um líder que havia sido assessor de Alicia Kirchner, irmã do ex-presidente. Seu bom desempenho abriu as portas para o mais forte bastião eleitoral do peronismo: o município de La Matanza, na província de Buenos Aires, a mais populosa da Argentina. O kirchnerismo nunca perdeu em La Matanza desde que a democracia voltou ao país em 1983. Cerimedo fez sua parte para manter o peronismo no poder em um dos distritos mais pobres do país.

“Éramos os campeões mundiais em ganhar eleições nas ruas. Sabíamos como bater na porta dos vizinhos para convencê-los, mas não sabíamos nada sobre o novo território das redes sociais, onde a militância também é necessária. Cerimedo iniciou o peronismo em Matanzas nesse mundo desconhecido”, lembra uma fonte kirchnerista. Seus conselhos foram fundamentais para organizar o trabalho que os ativistas mais jovens já estavam fazendo nas redes sociais: “Ele nos ensinou como nos organizar, como funciona um algoritmo, como posicionar melhor uma questão, como atingir usuários segmentados”. O prefeito Fernando Espinoza foi reeleito em 2019. O kirchnerismo em Matanzas ainda se lembra com carinho do “belo louco” que, de um momento para o outro, passou para o partido da oposição.

O primeiro golpe que deu a Cerimedo destaque na mídia não foi na Argentina, mas no Chile. Em setembro de 2020, o jornal El Mercurio publicou uma pesquisa realizada pela Numen que mostrava que as diferenças entre a aprovação e a rejeição do plebiscito para decidir se uma nova constituição deveria ser elaborada no Chile estavam diminuindo. Foi um resultado surpreendente, pois todos os estudos conhecidos até aquele momento previam um triunfo confortável em favor da nova Carta Magna.

A empresa de Cerimedo alegou ter realizado mais de 18.000 pesquisas on-line, um número incomum para uma pesquisa, que normalmente não ultrapassa 3.000 entrevistados. O estudo, que havia sido financiado por empresários da Rechazo, foi então usado nas redes sociais por esses mesmos setores para tentar mudar o clima eleitoral. Na época, as urnas não endossaram a tentativa de manipulação: o “Apruebo” venceu com 78% dos votos. Mas no imaginário da direita permaneceu a ideia de que ela poderia vencer (veja mais detalhes na história dessa aliança jornalística: Árbitro constitucional chileno é parceiro de um desinformante).

Cerimedo descreve a intervenção como um “fracasso”. “O erro foi que analisamos e projetamos os dados com o voto obrigatório, 100% de participação dos eleitores”, justificou-se ele em uma entrevista ao La Tercera, onde atribuiu o erro a um problema de apresentação, ignorando o fato de que o voto era voluntário, que 100% de participação era impossível e que, mesmo ao calcular o eleitor provável, suas estimativas foram superestimadas e sua metodologia foi questionada. Em outras palavras, foi uma pesquisa enganosa para favorecer a posição dos empresários que a encomendaram. Cerimedo argumentou ainda, na entrevista ao jornal chileno, que “não somos uma empresa de pesquisas, não somos uma empresa de pesquisas” (embora as ofereçam em seu site) e disse que as utilizam como insumo para elaborar um “plano de estratégia digital para a Rejeição”.

Já com Gabriel Boric na Casa de la Moneda, Cerimedo apareceu novamente no Chile para o plebiscito que deveria aprovar ou rejeitar o novo texto constitucional. “Eu fiz toda a estratégia de comunicação e as agências tradicionais me acompanharam”, diz ele. Desta vez, o consultor levou a medalha pelo triunfo nas urnas, mas duas pessoas da equipe que liderou a campanha oficial da Rejeição, da qual participaram todos os partidos de direita, negaram a esta aliança jornalística que Cerimedo tenha participado. Uma delas não o conhece e a outra diz que seu nome “está sempre circulando”, mas que ele “trabalha muito com a guerrilha das redes”.

Após o triunfo eleitoral do Rechazo, o La Derecha Diario fez sua própria ação: divulgou uma notícia indicando que o Presidente Boric havia tido um “colapso nervoso” após a derrota eleitoral. O governo chileno negou o fato, assim como vários verificadores de informações, mas o boato foi aproveitado por militantes de extrema direita. Uma análise das redes sociais feita pela organização chilena Interpreta, aliada desta investigação jornalística Mercenarios Digitales, detectou que a hashtag #Boricinternado já estava em movimento minutos antes de a notícia ser publicada no site.

Seu salto para a direita

A pandemia encontrou Cerimedo em reuniões do Zoom com Patricia Bullrich, ex-ministra de Mauricio Macri, que na época estava pensando em se candidatar a deputada na Argentina para as eleições de 2021. “Ele é um encantador de serpentes. Um grande vigarista que vende meias-verdades impossíveis de verificar. Por exemplo: ele nos disse que trabalhou para a campanha de (Donald) Trump e isso é tão amplo que nunca poderemos saber. Ele também disse que tinha milhares de bancos de dados, mas nunca mostrou nada”, disse um dos que estavam nessas reuniões virtuais. “Quando Bullrich decidiu não ser candidato a deputado, ela se irritou, disse que não tínhamos sede de poder e desapareceu.

Cerimedo respondeu com a mesma veemência: “É a pior equipe com a qual já trabalhei. Patricia é fã de trolls e eles gastaram muito dinheiro com empresas que os deram a ela. Eu fugi por causa desse tipo de coisa”.

A pandemia também foi um bom momento para a política. A direita diária estava atacando o governo argentino, que estava aplicando políticas de saúde rigorosas, o oposto das políticas liberais que Bolsonaro queria impor no Brasil. Em tempos de dúvidas sobre o coronavírus, o site de Cerimedo divulgou uma mensagem com desinformação relacionada à Covid, receita usada pela direita em vários países nesse período. Eles publicaram que a entidade estatal argentina encarregada de aprovar as vacinas havia confirmado que as doses continham grafeno, uma substância prejudicial à saúde, mas essa era uma mentira que foi verificada pelo Chequeado.

As últimas eleições no Brasil tornariam sua mudança para a direita mais evidente. Cerimedo recebeu Eduardo Bolsonaro em uma viagem oficial a Buenos Aires em outubro passado, após a derrota de seu pai contra Lula da Silva no primeiro turno. O La Derecha Diario fez uma reportagem sobre os passeios do filho de Bolsonaro, que mostrou os argentinos reclamando da inflação e de outros problemas econômicos. Eduardo entrou em um supermercado, abriu uma geladeira vazia e disse: “isso é o que o socialismo faz”, uma referência às notícias falsas sobre a falta de estoque nos supermercados da Argentina.

“Não concordo com esse tipo de coisa, mas isso não é fake news. Naquela época, havia uma escassez de carne porque não havia preços devido à inflação. Eduardo usou isso para fazer propaganda de sua campanha. Mas desinformação é outra coisa”, justifica Cerimedo na entrevista. O consultor aproveitou as últimas horas do filho de Bolsonaro em Buenos Aires para organizar um café da manhã com Javier Milei, seu novo cliente, o líder dos “libertários” argentinos (veja mais detalhes na matéria desta aliança jornalística “Eduardo Bolsonaro viajou em missão oficial para se encontrar com argentino que mentiu sobre urnas”).

Conta excluída

Cerimedo foi fundamental nessa viagem de proselitismo a Buenos Aires, embora tenha escolhido um papel de apoio na frente das câmeras. Mas isso mudou após a derrota de Bolsonaro no segundo turno, quando o argentino convocou uma “live” no YouTube em 4 de novembro de 2022 para transmitir um estudo que havia sido compartilhado com ele por entidades privadas sobre supostas fraudes no Brasil. A transmissão ao vivo, intitulada “O Brasil foi roubado”, foi compartilhada por políticos e influenciadores pró-Bolsonaro em meio a um clima pós-eleitoral acalorado no Brasil que levou aos ataques golpistas em 8 de janeiro.

O argentino espalhou mensagens com informações falsas sobre o sistema eleitoral durante sua transmissão “ao vivo”, que depois repetiu em uma audiência pública no Senado convocada por um parlamentar aliado, de acordo com a Agência Lupa, Aos Fatos, EFE, AFP e Estadão. Após esse vídeo, os perfis do Diário Brasil de direita no Twitter, Instagram e Telegram foram suspensos pelo Tribunal Superior Eleitoral por divulgar mentiras sobre o sistema eleitoral brasileiro.

“Foi comprovado judicialmente que eu não espalhei desinformação. Eles suspenderam minhas contas em novembro e as desbloquearam quando o dia 8 de janeiro aconteceu, porque descobriram que eu não era o responsável”, afirma Cerimedo. “Eu nunca disse que havia fraude no Brasil, mas que era preciso investigar”, argumenta ele contra as evidências. Ele acrescenta que o bloqueio das contas foi uma medida provisória. Pudemos confirmar que, pelo menos até o momento da publicação desta matéria, a conta do Twitter do La Derecha Diario ainda estava bloqueada no Brasil.

Além disso, dois comunicados emitidos pelo TSE contradizem esse fato. O tribunal declarou em 9 de novembro que “ao contrário do que [Cerimedo] disse, não é verdade que os modelos anteriores de urnas eletrônicas não foram submetidos a procedimentos de auditoria e inspeção”. Dias depois, o TSE publicou outra nota sobre Cerimedo: “em uma nova transmissão ao vivo, em 11 de dezembro, um canal argentino voltou a questionar o resultado das urnas eletrônicas e espalhou mentiras sobre as eleições brasileiras”. Apesar das sanções, a experiência de Cerimedo em enganar o público o consagrou como uma figura de direita na América do Sul.

O guardião do leão

“Minha esposa sempre insistiu que eu tinha que conhecer Milei”, lembra ele. Tudo aconteceu muito rapidamente, pois poucos meses depois Cerimedo foi nomeado chefe de comunicações de sua campanha presidencial. Além disso, ele foi nomeado responsável por todo o monitoramento de seu partido político, para cuidar dos votos tanto nas urnas quanto no mundo digital. “Trabalho para a Milei de graça. Hoje eu poderia pedir o número que quisesse, mas Javier não poderia me pagar, mesmo que eu o cobrasse barato. A campanha não tem esses recursos. O deputado Milei já montou seu personagem: ele se autodenomina “o leão” por causa de sua juba com bigodes, um economista histriônico que acusa “a casta”, a liderança política kirchnerista e macrista, para se posicionar como um outsider, a fórmula que se mostrou bem-sucedida para Bolsonaro há quatro anos.

Um porta-voz da Milei definiu Cerimedo como “um trabalhador” e respondeu a essa aliança que não há problemas éticos em tê-lo em sua equipe porque as acusações contra o consultor são infundadas. Ele acusou grupos de esquerda no Chile, como a Acción Antifascita (Antifa), de prejudicar sua reputação e garantiu que as contas sancionadas no Brasil não eram dele, mas de homônimos, apesar das evidências já apresentadas pelo TSE daquele país.

Cerimedo diz que pode trabalhar de graça porque não vive da política. Seu grupo empresarial obtém lucros de suas atividades privadas, diz ele. Os principais recursos são pagos pelos clientes corporativos de sua agência de publicidade e são complementados pelos benefícios da Numen Academy, um espaço que oferece cursos de treinamento on-line em marketing político, gestão de comunidades e segurança cibernética, entre outros.

“Hoje a política representa 10% da minha renda”. Esta aliança jornalística não pôde verificar esses dados porque os balanços de suas cinco principais empresas não estão disponíveis na Inspetoria Geral de Justiça. Quatro dessas empresas, por serem sociedades de responsabilidade limitada, não são obrigadas por lei a apresentar balanços. Mas uma delas é uma sociedade anônima que é obrigada a apresentar essa documentação e não o fez, de acordo com a agência. Quando questionado sobre isso, Cerimedo garante que todas as suas contas foram apresentadas em tempo e forma.

“O site da Escuela de Conducción Política, um projeto de Cerimedo, convida você a vir e treinar como um líder para tornar a Argentina grande novamente. Milei é professor nesse espaço e leciona a matéria “Argentina e crescimento econômico”. O consultor também é professor e está encarregado da disciplina “Campanha Eleitoral”. A diretora desse espaço chamado “Ciudadanos” é Camila Duro, assessora parlamentar de Milei. Se alguém quiser se registrar do exterior para fazer o curso on-line, deverá pagar 25 dólares.

Como a campanha eleitoral já começou na Argentina, Cerimedo colocou anúncios eleitorais no Google em algumas províncias onde o partido de Milei, La Libertad Avanza, apresentou candidatos. Ele também realizou, segundo ele, longas reuniões nos escritórios do Meta em Buenos Aires, mas não está listado como responsável pelos anúncios nessa rede. Esse novo partido liberal, quase sem estrutura territorial, apóia a disseminação de sua mensagem por meio das redes sociais. Cerimedo está de olho em absorver o descontentamento social para levar o Milei ao segundo turno das eleições argentinas.

Cerimedo vê as eleições do próximo ano nos EUA como o próximo passo em sua carreira. La Derecha Diario dá cobertura ao que acontece naquele país, sempre sob sua lente de aumento. Como quando reproduziu a história conhecida como “a grande mentira” sobre a suposta fraude nas eleições de 2022, que os partidários do ex-presidente Donald Trump denunciaram, apesar do fato de que dezenas de autoridades estaduais e juízes locais não encontraram uma única prova. Foi uma estratégia política trumpista para minar a fé em uma instituição central da democracia, reiteraram os analistas. Também espalhou desinformação sobre a migração latina para os Estados Unidos e até mesmo sobre a saúde do presidente Joe Biden.

Cerimedo, é claro, está apostando em uma vitória republicana em 2024. Em março, ele tuitou uma foto com um assessor do ex-secretário de defesa de Trump. “Grande reunião no café da manhã. Grandes coisas estão por vir nos próximos anos”, escreveu ele. Sempre disposto a conversar com essa aliança jornalística, o argentino optou pelo silêncio pela primeira vez para se referir a um possível trabalho com o fundador do populismo americano. “Não posso compartilhar essa informação”, respondeu. Talvez esse seja o próximo passo de Cerimedo, o consultor eleitoral da nova direita latina, disposto a mentir para vencer.

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