Via CADTM
Quase no final de uma nova edição do Fórum Social Mundial (FSM), que aconteceu em Katmandu, Nepal, de 15 a 19 de fevereiro, é hora de fazer um balanço. “Foi um evento muito positivo para a região. No entanto, devemos olhar para frente, promovendo iniciativas concretas em um contexto internacional complexo marcado pela ofensiva da extrema direita”, diz o historiador e economista belga Eric Toussaint. Fundador e porta-voz do Comitê para a Abolição de Dívidas Ilegítimas (CADTM), Toussaint participou do FSM, onde sua organização promoveu sete atividades que tiveram grande participação. Confira.
Qual é a sua avaliação dessa nova edição do Fórum Social Mundial que acabou de terminar?
Eric Toussaint: Foi muito positiva, principalmente por causa da participação de setores muito diversos e extremamente oprimidos. Estou me referindo, entre eles, aos Dalits, a casta dos intocáveis; povos nativos e indígenas, historicamente marginalizados, mas muito organizados; forças sindicais; muitas ativistas feministas de áreas populares. A maioria era do Nepal e da Índia. Os organizadores contaram com 18.000 inscrições [de mais de 90 países] e a manifestação de abertura na quinta-feira, dia 15, mobilizou entre 12 e 15.000 participantes. Nas conferências, workshops e atividades culturais, todos os dias, havia nada menos que 10.000 pessoas. Foi uma excelente decisão vir ao Nepal.
Esse é um resultado incomparavelmente melhor do que a edição anterior do FSM no México, em maio de 2022. Entretanto, o FSM como tal não alcançou a mesma representatividade que teve em sua primeira década de existência, desde sua fundação em Porto Alegre, Brasil, em 2001. Quase não vi participantes europeus, latino-americanos e africanos no Nepal. Em resumo, um bom nível de participação regional, mas uma presença fraca de outros continentes. Isso mostra como é difícil para o FSM tomar iniciativas globais com um impacto real.
Você acha que o último grande FSM em Salvador da Bahia, Brasil, não conseguiu superar o último grande FSM presencial em 2019? Estou tomando o evento de 2019 como referência para comparação, já que a edição de 2022 no México foi realizada em uma situação pós-pandemia muito particular que condicionou significativamente sua capacidade de atrair participantes.
Não é só isso. Se pensarmos na edição de 2019 em Salvador da Bahia, embora tenha tido uma boa participação, ela foi essencialmente reduzida à região nordeste com representações de algumas outras áreas do Brasil. Infelizmente, a presença de outros continentes foi fraca. Atualmente, percebemos uma realidade contraditória. Por um lado, o Fórum Social Mundial não constitui mais uma força de atração e propulsão realmente ampla. Por outro lado, ele é o único espaço global que ainda existe. E é por isso que ainda é importante que o CADTM participe. Estou convencido de que se o FSM tivesse força real – como conseguimos em 2003, quando convocamos grandes mobilizações pela paz e contra a guerra no Iraque – seu poder seria significativo hoje: tanto para enfrentar o genocídio na Palestina quanto para ajudar a criar um amplo freio ao crescimento da extrema direita, um fenômeno preocupante que pode ser visto em muitas regiões do mundo.
Quando digo isso, estou me referindo, entre outros, a Narendra Modi na Índia, nacionalista, antieslã e antimuçulmano, violento; a Ferdinand Marcos Junior nas Filipinas, herdeiro não apenas da ditadura da família, mas do repressor Rodrigo Duterte; ao retorno reacionário na Tunísia, cada vez mais semelhante à antiga ditadura de Ben Ali, antes da primavera magrebina. Na Europa, há projetos extremistas e belicistas como os de Vladimir Putin na Rússia, Giorgia Meloni na Itália, Viktor Orban na Hungria e na Ucrânia, onde um governo neoliberal de direita pró-OTAN está no poder. Também estou pensando nas ameaças reais do Chega, uma nova extrema direita em Portugal (que não tinha essa força entre 1975 e apenas três anos atrás) que aspira a atrair 20% do eleitorado; a possibilidade de vitória de Marine Le Pen na França; o VOX na Espanha; a vitória eleitoral do partido de extrema direita na Holanda, o AFD (Alternativa para a Alemanha), etc. E sem querer mencionar todas essas expressões reacionárias, na América Latina, eu apontaria para figuras como Nayib Bukele em El Salvador ou Javier Milei na Argentina. Este último tem um programa econômico-social mais radical do que o próprio Pinochet no Chile ditatorial. Tudo isso no contexto global de uma possível vitória eleitoral de Donald Trump nas próximas eleições presidenciais dos EUA. E deixo para a última, pela brutalidade que representa: Benjamin Netanyahu em Israel, promovendo um projeto racista, genocida e colonialista.
Se o Fórum Social Mundial não tem força para se reunir em uma realidade mundial que você descreve como dramática, a pergunta é óbvia: na sua opinião, o que os setores progressistas devem fazer em nível internacional?
Acho que a fórmula de um FSM com apenas movimentos sociais e ONGs, mas sem partidos políticos progressistas (conforme definido na Carta de Princípios de 2001), não permite uma luta adequada contra a extrema direita. Diante da ascensão desses setores e dos projetos fascistas, devemos buscar outro tipo de confluência internacional. Nesse sentido, o CADTM, juntamente com outros atores sociais, entrou em contato com o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e o PT (Partido dos Trabalhadores) de Porto Alegre, berço do Fórum Social Mundial desde 2001, para propor a criação de um Comitê Organizador que convocaria uma reunião internacional em maio para discutir o caminho a seguir, com vistas a uma grande reunião dentro de um ano. Com uma visão ampla para integrar movimentos sociais de todos os tipos, feministas, ativistas da justiça climática, crentes progressistas, sindicalistas etc., para citar apenas alguns exemplos, na perspectiva de considerar a melhor forma de resistir à extrema direita. Atores importantes, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) brasileiro, poderiam participar ativamente. Se eles conseguiram no Brasil reverter o governo de Jair Bolsonaro com uma ampla proposta de alianças políticas e sociais, é essencial tirar lições concretas. O Fórum Social Mundial poderia continuar, mas estamos convencidos de que é necessária uma nova estrutura de forças capaz de se remobilizar.
Já existem iniciativas, como a Assembleia Internacional dos Povos, que têm objetivos semelhantes…
É claro que elas deveriam estar envolvidas e desempenhariam um papel importante. Mas precisamos de uma iniciativa nova e mais ampla de frente unida. Achamos que essa primeira reunião poderia ser convocada em maio de 2024 em Porto Alegre, Brasil, e seria possível, por exemplo, ter uma forte presença da Argentina, de forças radicais de esquerda junto com a esquerda do peronismo, organizações sindicais como a Central de Trabalhadores da Argentina e até mesmo a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e os diversos movimentos sociais e feministas. Seria um primeiro passo para uma grande conferência em 2025, por exemplo, em São Paulo, se a aliança de esquerda (PT, PSOL etc.) vencer as eleições para prefeito em 2024.
A construção dessa nova iniciativa internacional seria ampla e diversificada, incorporando várias correntes revolucionárias, a 4ª Internacional, a social-democracia, passando pela internacional progressista, em toda a gama de setores. Organizações e personalidades progressistas dos EUA (por exemplo, Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez, o UAW, que obteve uma grande vitória em 2023) também devem ser convocadas. E partidos e movimentos de esquerda na Europa, África, Ásia, região árabe, com suas diferentes expressões. Ampliar a participação para incluir personalidades comprometidas do mundo cultural, que contribuam com sua própria contribuição, de seu próprio setor. É necessário convencer o maior número possível de forças, que também devem superar as diferenças e divisões históricas, e que entendam e aceitem o grande desafio prioritário do momento atual, ou seja, a luta contra a extrema direita. Sabemos que esse apelo não será simples nem fácil: ele exige grande generosidade e forte vontade política. O complexo momento histórico e os perigos que a humanidade e o planeta enfrentam indicam que é importante tentar.