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Cidades da Amazônia elegem infratores ambientais e negacionistas do clima no Brasil
Negacionismo

Cidades da Amazônia elegem infratores ambientais e negacionistas do clima no Brasil

Municípios da região tiveram resultados eleitorais marcados pelo abuso de poder econômico e clientelismo

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Via Mongabay

Tempo de leitura: 8 minutos.

A Amazônia está enfrentando a pior seca de sua história. No entanto, a mudança climática não parece ser uma prioridade para a população local.

Até mesmo Belém, a capital do Pará, que realizará a COP30 em 2025, pode eleger um prefeito que não se preocupa com as mudanças climáticas. “Não estou nem um pouco preocupado com isso”, disse o deputado Éder Mauro ao jornal brasileiro Folha de São Paulo sobre a conferência climática.

Ele está concorrendo com um candidato apoiado pelo governador do Pará, Helder Barbalho, um aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que concorreu prometendo proteger a Amazônia do desmatamento.

De acordo com Mauro, a população “não está preocupada” com as questões climáticas, o que parece ser verdade para a maioria dos eleitores amazônicos.

“É um assunto que não interessa às pessoas no interior e até mesmo nas capitais”, disse Andrade, que mora em Belém e viaja muito pelo interior do Pará.

Em mensagem de texto enviada ao Mongabay, Mauro disse acreditar que a COP30 é um importante ativo econômico e social para Belém e que trabalhará para garantir que o evento deixe um legado positivo para a cidade.

Os partidos centristas e de direita também dominaram as eleições nos municípios que o governo federal considera prioritários para o controle do desmatamento na Amazônia. Dos 70 municípios, 69 foram decididos no primeiro turno, e apenas dois foram para partidos de esquerda, que historicamente favorecem a conservação ambiental no Brasil, de acordo com a agência de notícias ((o)) eco.

As eleições de 2024 acontecem durante a pior seca da história da Amazônia. Grandes rios, como o Madeira, Amazonas, Negro e Purus, atingiram seus níveis mais baixos de todos os tempos, isolando comunidades, levando à escassez de alimentos e água e prejudicando as economias locais. Os focos de incêndio queimaram a Amazônia no Brasil e nos países vizinhos. A seca extrema deste ano se seguiu a outra estação seca severa em 2023, que era 30 vezes mais provável devido às mudanças climáticas.

“É uma agenda de desenvolvimento que está trazendo muita destruição e, ainda assim, grande parte da população prefere esses candidatos”, disse Maureen Santos, coordenadora de políticas e alternativas da FASE, uma organização brasileira sem fins lucrativos que ajuda a promover o desenvolvimento local e comunitário, à Mongabay. “Precisamos estudar esse fenômeno para enfrentá-lo de forma mais concreta nas próximas eleições.”

Em Manaus, capital do estado do Amazonas, dois dos quatro principais candidatos não mencionaram a palavra “queimadas” em seus planos de governo, apesar da crise de saúde provocada pela fumaça das queimadas ilegais.

“Não há clamor social para que o prefeito se sinta compelido a conter o desmatamento e adaptar a cidade às mudanças climáticas”, disse Andrade.

Como resultado, os notórios infratores ambientais obtêm sucesso em seus esforços políticos. De acordo com a Agência Pública, candidatos multados por crimes ambientais foram reeleitos nos municípios do Pará e Mato Grosso.

É o caso de Gelson Dill, prefeito reeleito de Novo Progresso, um dos focos de desmatamento na Amazônia, às margens da BR-163, no Pará. Dill, que ganhou a reeleição com o apoio de 81%, acumulou 4 milhões de reais em multas ambientais, uma delas pelo desmatamento de 200 hectares dentro do Parque Nacional do Jamanxim.

Uma de suas principais promessas de campanha é reduzir o tamanho da Floresta Nacional do Jamanxim, uma unidade de conservação, onde os grileiros criam ilegalmente cerca de 100.000 cabeças de gado.

Em maio, quando o governo Lula começou a apreender os animais na unidade, o prefeito viajou à capital do Brasil para pressionar pelo fim da operação. A reunião foi organizada pelo governador Barbalho e a comitiva incluiu cinco congressistas, deixando claro que o escopo da influência política dos grileiros de terras vai muito além das fronteiras municipais.

Uma vez reeleito, a primeira medida de Dill foi convocar uma reunião com produtores rurais para criticar as operações ambientais do governo federal e defender a flexibilização do Código Florestal Brasileiro. Em uma mensagem de texto enviada ao Mongabay, o prefeito disse que apoia a responsabilidade ambiental e que, ao contrário de outros municípios, Novo Progresso tem 85% de suas florestas em pé.

Dar e receber

Em Itaituba, município do Pará conhecido como a capital amazônica do ouro ilegal, todos os principais candidatos à prefeitura tinham relações anteriores com a mineração e apoiavam a expansão da atividade.

A interseção da política e da economia mostra um conjunto de interesses compartilhados. O Pará é o único estado amazônico em que as administrações locais podem emitir licenças para minas de ouro de até 500 hectares (1.235 acres), conhecidas como garimpos – mineração selvagem que não está sujeita aos mesmos padrões ambientais rigorosos das minas industriais de grande escala.

É por isso que os garimpeiros acham essencial ter “um amigo” nas prefeituras do Pará ou se candidatar a prefeito. “Isso acaba gerando um processo não só de complacência com a ilegalidade, mas também de legalização da ilegalidade em vários desses municípios”, disse Santos, da FASE.

O Partido Verde do Brasil contestou a resolução do Pará que delegou o licenciamento dos garimpos às administrações locais, e o caso ainda está pendente no Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso, os garimpos de ouro proliferam no estado, especialmente em Itaituba, que responde por 30% de todas as permissões de garimpo.

Nos últimos oito anos, a cidade foi administrada por Valmir Climaco, um polêmico dono de garimpo condenado por extração ilegal de madeira e alvo de uma investigação da Polícia Federal em 2019, quando quase 600 kg de cocaína foram encontrados em uma de suas fazendas.

No entanto, nada disso o impediu de obter outra vitória eleitoral este ano. Como Climaco não poderia concorrer novamente – o Brasil permite apenas uma reeleição em cargos executivos -, ele apoiou seu vice-prefeito na disputa pela prefeitura, que venceu com 48% dos votos. Mongabay conversou com Climaco por telefone, mas ele disse que não comentaria a história.

“A atividade ilegal é popular e impulsiona a economia local”, disse Andrade, ressaltando que a exploração madeireira e o garimpo ilegal de ouro são as principais fontes de renda e emprego em muitas dessas cidades.

De operadores de motosserras a proprietários de postos de gasolina e trabalhadores de garimpos ilegais e oficinas mecânicas, todos dependem dessas atividades para ganhar a vida. “Se você é contra a ilegalidade, está politicamente fadado ao fracasso”, disse Andrade.

As doações de campanha são diretamente proporcionais ao comprometimento dos candidatos com esses negócios. Nas eleições de 2020 de Novo Progresso, por exemplo, a Polícia Federal investigou um dos candidatos por supostamente receber dinheiro de garimpo ilegal de ouro.

Em muitos municípios amazônicos, a maioria dos empregos envolve atividades ilegais ligadas ao desmatamento. Imagem de Fernando Martinho.
Mas as eleições de 2024 não foram apenas uma má notícia para os conservacionistas. Os candidatos das comunidades tradicionais da Amazônia ou de programas sustentáveis têm se organizado para enfrentar esse poder financeiro: as eleições municipais deste ano tiveram o maior número de candidatos indígenas da história da Amazônia (1.274), de acordo com o InfoAmazônia. Apenas 8% (107) foram eleitos no primeiro turno. No total, os eleitores da Amazônia elegeram três prefeitos indígenas, 96 vereadores e oito vice-prefeitos.

Os especialistas concordam, no entanto, que a expansão dos defensores ambientais em cargos públicos ainda carece de dinheiro e comunicação adequada. Santos, da FASE, disse que muitos candidatos verdes são rapidamente enterrados sob ondas de notícias falsas. “São narrativas que não permitem que candidatos mais progressistas sejam sequer ouvidos pela população e dificultam as possibilidades de renovação”, disse ela.

“Estamos perdendo no campo da narrativa e da comunicação”, disse Andrade, para quem as mudanças climáticas se confundiram com a polarização política do Brasil. “A agenda ambiental se tornou uma agenda de esquerda, comunista, socialista – o que é preocupante.”

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