Por Projeto Brasil Real é um País que Luta
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A Revolta do Quebra-Milho, também conhecida como Guerra de Porecatu, foi mais um dos conflitos da luta pela terra no Brasil e ocorreu entre 1949 e 1951 no vale do rio Paranapanema, localizado no norte do Paraná, na região do município de Porecatu. Esse conflito se deu entre posseiros, trabalhadores rurais e pequenos agricultores contra grandes proprietários de terras, empresários e autoridades locais, que tentavam avançar e consolidar o domínio sobre vastas áreas de terras ocupadas. A luta foi motivada pela resistência dos posseiros ao processo de grilagem e à violência empregada para expulsá-los, e escancarou a espoliação como elemento fundamental do processo de concentração de terras e o papel cumprido pelo Estado em defesa dos interesses dos grandes latifundiários e das negociatas políticas.
O conflito tem raízes em uma série de concessões de terras públicas no norte do Paraná, realizadas desde a década de 1930, com o intuito de incentivar a ocupação e o cultivo da terra por imigrantes de outros estados. Ao longo dos anos, a posse de muitas dessas áreas foi sendo disputada judicial e fisicamente entre pequenos agricultores que haviam se estabelecido ali e latifundiários, que viam o crescimento econômico do café e do milho na região como uma oportunidade de expansão de suas propriedades. Entre 1945 e 1949, muitos desses pequenos agricultores e posseiros — especialmente aqueles da Vila Progresso e arredores — já haviam cultivado e estabelecido suas famílias nas terras próximas a Porecatu, mas suas propriedades ainda não estavam legalmente regularizadas.
O aumento do preço do milho após a Segunda Guerra Mundial fez com que a disputa por terras férteis se intensificasse. Com a posse de Moyses Lupion em 1947, o governo do estado passou a entregar as terras sem títulos para proprietários de terra com quem tinha relação. Latifundiários e especuladores urbanos, apoiados por grileiros, começaram a alegar a posse de grandes áreas, forçando a expulsão dos posseiros que já estavam ali e cultivavam a terra. Diante da ameaça iminente de despejo e da violência empregada para expulsá-los, os agricultores se organizaram em um movimento de resistência, unindo forças contra as tentativas de grilagem e pela garantia de suas terras.
A Guerra de Porecatu começou oficialmente em 1949, quando posseiros da Vila Progresso e outras localidades da região passaram a ser alvo de despejos forçados, promovidos por jagunços e policiais a serviço dos grandes proprietários de terra. A resistência dos agricultores se consolidou, e eles montaram barricadas, organizaram vigias armadas e, em alguns casos, montaram armadilhas para impedir o avanço das tropas e dos jagunços contratados pelos latifundiários. Era uma verdadeira guerra de guerrilha, em que os posseiros se refugiavam nas matas e se defendiam com o pouco armamento que tinham.
De um lado, estavam os posseiros e pequenos agricultores, muitos deles sem experiência em combate e mal armados. De outro, forças policiais estaduais e jagunços contratados pelos grandes latifundiários, com apoio de agentes locais e do governo estadual. A desigualdade de poder era gritante: enquanto os posseiros lutavam com rifles improvisados e ferramentas de trabalho, os latifundiários contavam com a conivência das autoridades locais e, em alguns momentos, até mesmo com o apoio das Forças Armadas, que chegaram a ser convocadas para pacificar a região.
Em meio à resistência, os posseiros formaram alianças com sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais da época, que viam a luta como um símbolo da resistência à concentração de terras e ao monopólio do latifúndio. O Partido Comunista do Brasil (PCB) apoiou a guerrilha e participou ativamente do conflito por meio de alguns de seus quadros dirigentes. A intervenção do governo foi brutal: vários trabalhadores foram presos e torturados, e houve inúmeros relatos de assassinatos e desaparecimentos. Apesar disso, os posseiros resistiram até 1951, quando o conflito começou a arrefecer, e alguns acordos foram feitos para que parte das terras ocupadas fosse destinada a colonização e posse legal dos agricultores.
Após dois anos de confrontos, o conflito foi formalmente encerrado em 1951, com um acordo que garantiu a permanência de algumas famílias de posseiros na terra, embora muitas ainda não tivessem a posse formal de suas propriedades. Apesar da resistência e dos esforços, o conflito não trouxe mudanças significativas na estrutura fundiária do Paraná, e venceu a concentração de terras. A Guerra de Porecatu, embora não tenha resultado na reforma agrária que os trabalhadores desejavam, fortaleceu a organização dos movimentos camponeses e serviu como um marco para o surgimento de outros movimentos sociais que, décadas depois, impulsionariam as lutas pela reforma agrária em outras regiões do país.
A Revolta do Quebra-Milho destacou a violência estrutural do modelo fundiário brasileiro, que historicamente privilegia o latifúndio enquanto sufoca pequenos agricultores e trabalhadores rurais. A desigualdade da distribuição de terras no Brasil, ainda hoje, é um dos fatores que perpetuam a pobreza e a insegurança alimentar que aflige o país, dificultando o acesso à terra para a agricultura familiar, essencial para um desenvolvimento socioeconômico soberano pautado pelos interesses e necessidades do povo brasileiro.
Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que cerca de 50% das terras agricultáveis do país estão nas mãos de 1% dos proprietários rurais, refletindo uma das distribuições de terra mais desiguais do mundo. Essa concentração de terras e a violência no campo levaram ao surgimento de movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que reivindica uma reforma agrária ampla e a garantia de terras para famílias que dependem da agricultura de subsistência.