Por Projeto Brasil Real é um País que Luta
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A chamada “Guerra dos Bárbaros”, também conhecida como “Confederação dos Cariris” ou “Guerra dos Cariris”, foi um longo e violento conflito entre os colonizadores portugueses e os povos indígenas, especialmente os tapuias, que habitavam as regiões do Nordeste do Brasil. Esse massacre, que se estendeu de meados do século XVII até o início do século XVIII (1683-1720), foi respondido pela resistência indígena contra a invasão e exploração de suas terras e a escravização de sua população. Embora o conflito tenha ocorrido há mais de três séculos, a luta em defesa de seu território contra o avanço dos interesses econômicos da ordem capitalista, ameaçado pelo agronegócio predatório e a mineração, marca a trajetória diária dos povos indígenas no Brasil.
No século XVII, a expansão colonial no Nordeste brasileiro estava impulsionada pela necessidade de ocupação e exploração do território. Os colonizadores portugueses buscavam consolidar o domínio sobre a região para assegurar o controle das rotas comerciais e expandir a criação de gado e a produção agrícola. Os bandeirantes e senhores de engenho saíram em operações para saquear novas terras e explorar a mão de obra indígena escravizada como forma de compensar a escassez de escravizados africanos.
Os indígenas tapuias, que habitavam uma vasta área que hoje corresponde a regiões do Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará, Pernambuco e Piauí, eram povos considerados “não-tupi”, ou seja, culturalmente e linguisticamente distintos dos tupis que habitavam o litoral. Esses povos, como os cariris e janduís, tinham uma organização social e econômica diversa e estabeleceram uma relação cultural profunda com o território, vivendo da caça, pesca e agricultura de subsistência. A chegada dos portugueses significou uma ameaça direta à sua sobrevivência, levando os tapuias a se mobilizarem em uma longa resistência armada contra os invasores.
O conflito começou a ganhar força em 1683, quando os colonizadores intensificaram a ocupação de áreas no sertão nordestino, que eram tradicionalmente ocupadas pelos tapuias. As expedições de “sertanismo de contrato”, promovidas pelos colonos para capturar e escravizar indígenas, desencadearam revoltas e alianças entre as diferentes tribos, que se uniram contra os invasores. Os colonizadores viam a resistência indígena como uma afronta à sua “missão civilizadora”, rotulando os tapuias de “bárbaros” para justificar sua violência e legitimar a “guerra justa” — recurso da Coroa para reprimir povos considerados rebeldes ou ameaçadores aos interesses coloniais.
A guerra foi marcada por sua brutalidade. Os indígenas, em menor número e com menos recursos, empregaram táticas de guerrilha e conhecimento do território para lutar contra os colonizadores. No entanto, a desvantagem bélica dos tapuias era evidente. As tropas portuguesas, frequentemente acompanhadas por indígenas captados de outros povos, como os tupis, manipulados como aliados táticos dos interesses da Coroa, utilizavam armas de fogo e métodos de tortura para subjugar os rebeldes e devastar as aldeias. O avanço colonial resultou na destruição de várias comunidades, na morte de milhares de indígenas e na captura e escravização de outros tantos. Após décadas de combate, a guerra foi finalizada em 1720, com os colonizadores consolidando seu controle sobre o sertão nordestino.
A Guerra dos Bárbaros resultou em uma dizimação significativa das populações indígenas do Nordeste. Muitos povos tapuias foram exterminados, enquanto outros foram dispersos e assimilados à força em missões religiosas ou escravizados nas fazendas de gado e engenhos de açúcar. A derrota dos tapuias também significou uma vitória do projeto colonial português, que expandiu o território controlado pela Coroa e consolidou a economia da criação de gado no sertão nordestino.
A violência dessa guerra também estabeleceu um padrão de dizimação dos povos indígenas e exploração da terra que se perpetuou no Brasil colonial e continua até hoje. A construção narrativa de que os povos indígenas eram “obstáculos ao desenvolvimento” foi internalizada pelo projeto de colonização e persiste na sociedade brasileira, refletindo-se em políticas e práticas econômicas das classes dominantes que ignoram a existência dos povos originários e sua relação com seu território. A visão racista e colonialista moldou a história brasileira, marginalizando os povos indígenas e tratando suas terras como recursos a serem explorados, massacrando os povos tradicionais com a lógica extrativista, predatória e produtivista do capitalismo.
A resistência dos tapuias contra a exploração e ocupação de suas terras permanece angustiantemente viva na luta dos povos indígenas e tradicionais contra a expansão do agronegócio, da mineração e de todas as formas de exploração predatória do território, seja como reprodução e manutenção da ordem econômica exportadora de commodities, seja em nome do chamado projeto “nacional-desenvolvimentista” que, ao não romper com os marcos da lógica capitalista, sustenta um projeto de desenvolvimento em benefício das elites e seus interesses. Assim como no período colonial, grandes interesses econômicos avançam sobre as terras indígenas, desmatando vastas áreas de floresta, contaminando rios e promovendo práticas de monocultura e pecuária que ameaçam a biodiversidade e a cultura dos povos originários, além de acelerar o avanço da crise climática causada pela lógica produtivista do capital.
O grande agronegócio brasileiro, baseado na grande propriedade latifundiária, ocupa uma posição central na economia do país, sendo responsável pela exportação de commodities como soja, carne e milho. Esse modelo predatório é um obstáculo para a soberania do país, seja ela alimentar, econômica ou política. Baseado nos interesses do capital estrangeiro, explora à exaustão os recursos naturais desencadeando profundas crises socioeconômicas e ambientais. Sua expansão ocorre de maneira predatória, com o desmatamento de florestas e o avanço sobre terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas. Essas terras, desde a chegado do colonizador, têm sido alvo constante de conflitos, com invasões ilegais de grileiros, garimpeiros e grandes latifundiários que, incentivados pela omissão ou apoio do poder público, avançando sobre a cultura e a vida dos povos tradicionais.
A aprovação recente do marco temporal pelo poder legislativo foi um duro ataque contra os povos indígenas que expõe o esgotamento da superestrutura política da nova república, onde a lógica de superexploração neoliberal predatória, resposta da burguesia diante da profunda crise do capitalismo, impõe uma agenda de destruição, por dentro das instituições, das garantias duramente conquistadas por séculos de luta e resistência, autorizando o genocídio dos povos tradicionais e a destruição da natureza. Uma ordem política que serve ao avanço da barbárie. É preciso, mais uma vez, apostar na resistência indígena, aliada aos movimentos sociais em luta pela reforma agrária e em defesa da natureza.