
O outro líder da extrema direita francesa enfrentando denúncias de corrupção
A condenação de Marine Le Pen lançou luz sobre o uso indevido de recursos públicos por seu partido. Onde o partido já governa, como na cidade de Fréjus, no sudeste da França, seu prefeito, David Rachline, é acusado de estar envolvido em uma vasta rede de corrupção
É uma história já bem conhecida: o cruzado anticorrupção que, uma vez no poder, torna-se ainda mais corrupto que seu predecessor. Mas essa narrativa simples descreve com precisão o argumento de um livro recentemente atualizado sobre David Rachline — vice-presidente do partido francês Reunião Nacional e homem outrora considerado o “melhor amigo” de Marine Le Pen.
Les Rapaces (Os Pássaros de Rapina) é o resultado de uma investigação de dois anos da jornalista francesa Camille Vigogne Le Coat sobre a gestão de Rachline na cidade de Fréjus, no sudeste da França, onde ele exerce o cargo de prefeito desde 2014. Lá, próximo à cintilante Côte d’Azur, Rachline — que é próximo tanto de Le Pen quanto de seu protegido Jordan Bardella — teria aperfeiçoado a arte de agradar os aliados certos enquanto enchia os próprios bolsos: um sistema de clientelismo apelidado de “Máfia Varoise”, em referência ao departamento (Le Var) onde fica Fréjus.
Enquanto Le Pen recorre de sua condenação por desvio de fundos do Parlamento Europeu — proferida por um tribunal francês na última segunda-feira — o livro de Le Coat oferece um vislumbre de como o partido de extrema-direita supostamente organiza esquemas de corrupção em nível local. Embora o Reunião Nacional — da liderança às filiais locais — se apresente como um partido anti-sistema, imune à corrupção que abala o establishment político, Le Coat argumenta o contrário: uma vez no poder, o RN não apenas perpetua velhos esquemas de corrupção como também os aprofunda.
“E se David Rachline não fosse um homem isolado, um pária, mas o sintoma de uma doença maior dentro do partido?” — questiona Le Coat na introdução, publicada antes da condenação de Le Pen na última segunda-feira.
Longe de Bruxelas — onde o partido de Le Pen foi considerado culpado de desviar cerca de €4 milhões em fundos do Parlamento Europeu para financiar atividades partidárias — Le Coat sugere que a cidade romana de Fréjus serviu como laboratório para a apropriação indevida de verbas públicas pela extrema-direita. Segundo sua análise, Rachline — que chegou ao cargo em 2014, substituindo o desacreditado ex-prefeito Élie Brun, condenado por “conflito de interesses ilegal” — foi peça central no esquema.
Na época, Rachline era um ativista de 26 anos do Reunião Nacional, subindo rapidamente no partido como um “Marinista” (apoiador de Marine Le Pen). Ele dividiu os votos entre Brun e outro candidato da direita tradicional, tornando-se prefeito de Fréjus. Meses depois, concorreu ao Senado pelo Var, tornando-se o senador mais jovem da França e um dos dois primeiros a representar o partido de extrema-direita de Le Pen.
Fréjus nem sempre foi um bastião da extrema-direita. Esta cidade de 57 mil habitantes, localizada em uma antiga região liderada por comunistas — conhecida como o “Var Vermelho” — está situada entre as glamourosas Saint-Tropez e Cannes. O interior agrícola e industrial do Var contrasta com o litoral cheio de resorts. Mas a partir da década de 1980, esse cinturão enfraquecido e tradicionalmente de esquerda passou a pender cada vez mais para a extrema-direita.
Como Le Coat revela meticulosamente, Rachline soube surfar no descontentamento popular dessa região esvaziada para ascender rapidamente ao poder. Mas sua ascensão teve um custo.
Uma vez no cargo, segundo Le Coat, Rachline rapidamente começou a se aproximar dos mesmos chefes locais com quem seu antecessor convivia, incluindo o próprio Brun. Ela afirma que, assim como o ex-prefeito, Rachline aproximou-se do magnata da construção Alexandre Barbero — dono de uma dúzia de empresas na região — que passou a acumular contratos com a cidade, aumentando vertiginosamente a dívida municipal e enchendo Fréjus de concreto mal projetado.
Le Coat começou a investigar Rachline após descobrir a compra à vista, feita por seu assessor pessoal, de um relógio Hublot de €15 mil em uma joalheria famosa da Côte d’Azur, em 2015. O relógio, segundo ela, “fala de um sistema”. “Foi o primeiro elemento de prova de um vasto mecanismo de corrupção operando em Fréjus.”
As redes clientelistas de Rachline não se limitavam a Barbero, segundo Le Coat. Nem seus gostos de luxo se restringiam ao relógio chamativo. Diversos entrevistados lembram-se de festas de vários dias, roupas de grife e o pagamento suspeito de pequenas despesas com notas de €500 — tudo aparentemente bancado com dinheiro público.
À medida que consolidava seu poder e influência, Rachline os utilizava contra minorias e moradores de baixa renda da cidade costeira. Segundo Le Coat, o prefeito de Fréjus convivia com hooligans de extrema-direita como o infame Groupe Union Défense (GUD); fazia piadas com saudações nazistas com seus assessores; e usava a guarda municipal como força pessoal, ao mesmo tempo em que destinava verbas para veículos policiais equipados com videomonitoramento.
O resultado de seu mandato: não a austeridade econômica prometida pela extrema-direita, mas uma dívida crescente de mais de €150 milhões.
Esse coquetel perigoso, segundo Le Coat, poderia ser rapidamente implementado em toda a França se um candidato do Reunião Nacional vencesse as eleições presidenciais em 2027. A “maneira de administrar Fréjus de Rachline — recuperando os velhos esquemas e clientelismo da direita tradicional e exercendo-os em um clima de antissemitismo e racismo — é exatamente o que o partido de Marine Le Pen poderia estender por toda a França se chegasse ao poder”, alerta Le Coat.
É improvável, no entanto, que Rachline seja o candidato do Reunião Nacional em 2027. No início deste ano, o prefeito foi intimado a comparecer ao tribunal no fim de setembro, sob suspeita de “conflitos de interesse ilegais”, ligados ao seu papel na chefia de duas empresas responsáveis pela gestão municipal.