
Zohran Mamdani ofereceu aos nova-iorquinos uma revolução política – e venceu
Socialista venceu as primárias do Partido Democrata em Nova York e tem grandes chances de ser o próximo prefeito da cidade
A vitória de Zohran Mamdani nas primárias democratas da cidade de Nova York representa mais do que uma reviravolta eleitoral. É uma confirmação de que a política progressista, quando levada a sério, com disciplina, visão e vigor, pode ressoar amplamente — mesmo em uma cidade conhecida por suas estruturas de poder arraigadas.
Esta não foi uma primária comum. Andrew Cuomo, ex-governador cujo declínio político parecia irreversível há alguns anos, havia se posicionado como o favorito absoluto. Amparado por milhões de dólares oriundos de interesses corporativos, super PACs e doadores bilionários como Michael Bloomberg e Bill Ackman, Cuomo apostou pesado na inércia institucional e em apoios vindos de cima. Mas, na noite de terça-feira, ficou claro que isso não bastava para levá-lo à vitória.
Mamdani, um legislador de 33 anos do Queens, conduziu uma campanha extremamente disciplinada centrada no custo de vida, focando em questões essenciais como moradia, transporte, cuidado infantil e alimentos. Tentativas repetidas de rotulá-lo apenas como um “socialista muçulmano” com ideias radicais, de forçar uma polarização baseada em identidade ou de transformar a eleição num referendo sobre Israel fracassaram.
Mas não foi apenas a disciplina na mensagem que fez Mamdani ter sucesso. Ele tem um talento político enraizado em carisma genuíno. Sua fluência com a linguagem, clareza de propósito e autenticidade permitiram que se comunicasse com convicção com eleitores de diversas origens. Ele não era apenas mais um ativista-político; mostrou-se um líder nato — alguém capaz de transmitir verdades morais sem soar moralista.
Enquanto isso, a tentativa de Cuomo de se reinventar na política nova-iorquina foi falha desde o início. Muitos eleitores viram sua candidatura como uma manobra arrogante por poder, um projeto de reabilitação pessoal mais do que um compromisso sério com os desafios da cidade. Ele negligenciou o sistema relativamente novo de votação por escolha ranqueada de Nova York, isolando-se teimosamente em vez de construir coalizões, mesmo com figuras centristas.
A diferença entre os estilos de campanha foi marcante e instrutiva. A campanha de Mamdani foi fundamentalmente de base, movida por voluntários comprometidos, incluindo jovens ativistas dos Socialistas Democráticos da América (DSA). Também foi moderna e inteligente, reconhecendo que uma parcela crescente do eleitorado forma suas opiniões pelas redes sociais e encontrando maneiras inovadoras de comunicar propostas. Notavelmente, quase um quarto dos votos antecipados nestas primárias vieram de eleitores que votavam pela primeira vez em Nova York.
Ainda assim, os resultados mostram que sua base não se limitou a jovens com ensino superior. Mamdani venceu em bairros como Bay Ridge, Bensonhurst, Dyker Heights, Sunset Park e Brighton Beach — todos eles com tendência à direita nas eleições presidenciais de 2024.
Esse sucesso se deveu a seus esforços consistentes para alcançar jovens trabalhadores alienados do Partido Democrata; seu primeiro vídeo viral na campanha, em novembro, mostrava entrevistas com nova-iorquinos que haviam votado em Trump, falando sobre suas frustrações com o custo de vida. Frente a um público cético, Mamdani conseguiu apresentar o socialismo democrático como uma política universal — não como identidade de nicho ou ideologia perigosa.
Mas a construção de alianças foi tão decisiva quanto a determinação política. Foi crucial o apoio de figuras progressistas como o Controlador Brad Lander. Lander se apresentava como o melhor candidato a prefeito, mas reconheceu a lógica da votação ranqueada e a necessidade de derrotar Cuomo ao endossar Mamdani. Essa postura ajudou a formar uma frente unida e coerente — algo cada vez mais raro nos círculos progressistas — e se mostrou decisiva.
Os eleitores, por sua vez, demonstraram que estavam prontos para a mudança. Recusaram-se a ceder ao medo cínico em torno de uma suposta onda de crimes e antissemitismo que viria com a vitória de Mamdani. Em vez disso, analisaram suas próprias vidas, avaliaram os fracassos do Partido Democrata e optaram por algo novo, diferente e fundamentalmente alternativo ao establishment político fracassado.
Ainda assim, os resultados de terça-feira levantam questões maiores sobre o futuro. A vitória de Mamdani nas primárias, embora significativa, será testada novamente nas eleições de novembro contra Eric Adams e, provavelmente, Cuomo. E além disso está o teste ainda mais desafiador: governar. Progressistas dos EUA têm observado com atenção como Brandon Johnson, outro prefeito de esquerda promissor, tropeçou em Chicago frente à oposição institucional e a falhas administrativas próprias. Mamdani terá que navegar esses obstáculos com mais habilidade se for eleito.
O precedente histórico pode oferecer algum alento para quem deseja sucesso ao favorito à prefeitura de Nova York. A tradição do socialismo municipal bem-sucedido nos EUA — como em Milwaukee com os “socialistas dos esgotos” e, mais recentemente, em Burlington sob Bernie Sanders — oferece exemplos reais de governança socialista marcada por competência, eficácia e popularidade. O legado de Sanders em Burlington, em especial, é um modelo que Mamdani pode seguir: uma gestão pragmática, mas profundamente comprometida, que constrói legitimidade entre céticos e opositores.
Prefeitos de Nova York, historicamente, costumam ser homens que vêm do nada e vão para lugar nenhum, politicamente. Mas Mamdani pode quebrar esse molde, seguindo a trajetória de Sanders — da liderança municipal eficaz a uma voz nacional duradoura.
Para ter sucesso, no entanto, Mamdani terá que confiar em seu próprio julgamento — que já se mostrou perspicaz e estrategicamente sólido. Precisará manter independência tanto do establishment corporativo, que o combateu em cada passo, quanto do establishment progressista ligado a ONGs, cujos instintos políticos fracassaram nas últimas eleições.
Sua plataforma, que combina uma “agenda da abundância” focada na oferta com demandas por redistribuição equitativa e investimentos públicos expansivos, oferece exatamente o modelo de governança social-democrata que Nova York precisa desesperadamente. Não há nada fundamentalmente radical nessas propostas; o que é verdadeiramente radical é o entusiasmo que elas despertaram entre eleitores — muitos dos quais estavam totalmente desligados da política local.
Na terça-feira, Mamdani sem dúvida conquistou uma vitória importante na maior cidade dos EUA. Mas devemos manter os pés no chão quanto aos desafios futuros. Vitórias eleitorais só têm sentido se se traduzirem em melhorias reais na vida das pessoas, e o impulso político pode desaparecer rapidamente se o governo não corresponder às expectativas. Mamdani enfrenta uma enorme responsabilidade — não só com sua base imediata, mas também com um movimento progressista mais amplo que o observa atentamente dos Estados Unidos e do mundo.