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Ex-prefeito de extrema direita de Roma luta pelos direitos dos presos. De dentro da prisão
Extrema Direita

Ex-prefeito de extrema direita de Roma luta pelos direitos dos presos. De dentro da prisão

Cartas da prisão escritas por um ex-aliado estão aumentando a pressão sobre a primeira-ministra Giorgia Meloni

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Via Politico

Tempo de leitura: 6 minutos.

A vida de Gianni Alemanno mudou na véspera de Ano Novo. Quando fogos de artifício explodiam no céu e garrafas de espumante eram abertas, o ex-prefeito de Roma foi preso e levado à prisão de Rebibbia, na capital italiana, para passar sua primeira noite atrás das grades.

Desde então, Alemanno encontrou uma nova batalha política para travar: denunciar as péssimas condições das prisões superlotadas da Itália. É uma campanha algo inesperada para um político da extrema direita, grupo que geralmente defende o encarceramento em massa, mas sua trajetória política tem dado algum peso à sua cruzada.

Alemanno ingressou ainda jovem no Movimento Social Italiano, de inspiração neofascista, mas depois se alinhou à direita conservadora tradicional e foi ministro da Agricultura no governo de Silvio Berlusconi entre 2001 e 2006. Foi prefeito de Roma de 2008 a 2013.

Ele agora mantém um “diário de cela”, publicado todas as terças-feiras em sua página nas redes sociais, e envia cartas abertas à primeira-ministra Giorgia Meloni e a ministros, pedindo reformas.

Em suas cartas, Alemanno relata as tragédias cotidianas da vida na prisão, compartilha histórias de outros detentos e descreve tentativas de suicídio.

“Ele nunca tinha estado numa prisão, e ao entrar ficou estarrecido”, disse Edoardo Albertario, advogado de Alemanno.

Um de seus posts mais lidos descreve a situação em Rebibbia — a maior prisão da Itália — durante o verão, quando as celas se transformam em “fornos” devido à má isolação térmica, e os presos precisam recorrer a soluções improvisadas, como água da torneira, para suportar o calor.

“Mas a política está dormindo (com ar-condicionado), esperando que o comissário responsável construa magicamente novas prisões”, escreveu Alemanno, questionando a promessa do governo de resolver o problema com mais presídios e sua abordagem de “lei e ordem”, como ele a chamou.

Não parece haver dúvidas de que as prisões estão à beira do colapso — ao mesmo tempo em que Meloni adota uma retórica dura sobre segurança pública.

Segundo um relatório da ONG Antigone, que monitora as condições carcerárias, em abril as prisões italianas abrigavam mais de 62 mil pessoas em espaços projetados para apenas 51 mil. Os suicídios têm aumentado: até 24 de julho deste ano, 45 detentos tiraram a própria vida. Em 2024, foram registrados 91 suicídios nas prisões — um recorde, superando o pico anterior de 2022.


Do Capitólio a Rebibbia
Os relatos de Alemanno muitas vezes se concentram nas histórias individuais de seus companheiros de cela, como Roberto, um homem de 77 anos que mal consegue enxergar e tem dificuldades para caminhar, mas ainda precisa cumprir três anos de prisão.

“O que Roberto está fazendo na prisão? Que tipo de ‘vingança social’ ainda precisa ser exercida sobre essa pessoa, que mal consegue andar, que não vê nem ouve, que corre risco de morrer encarcerado e que já cumpriu quase metade da pena? Ele não poderia, ao menos, cumprir prisão domiciliar para tentar cuidar de si mesmo em casa?”, escreveu Alemanno.

Seus textos são coassinados por outro detento, Fabio Balbo, conhecido como “o Escriba de Rebibbia”, referência por escrever pedidos de benefícios e atuar como defensor dos direitos dos presos. Os dois formaram uma “estranha aliança”, como definiu o ex-prefeito em sua última carta.

Alemanno foi condenado em 2022 a um ano e dez meses de prisão por financiamento ilegal de partido e tráfico de influência, como parte da investigação “Máfia Capitale”, que revelou corrupção na concessão de contratos públicos em Roma. Ele havia recebido liberdade condicional com prestação de serviços comunitários, mas, ao descumprir as condições, os juízes decidiram que deveria cumprir pena em regime fechado.

Mesmo na prisão, Alemanno segue fazendo política, liderando um micropartido de extrema direita chamado “Indipendenza!”, cujo objetivo é retirar a Itália da União Europeia e combater as “elites cosmopolitas” em defesa do “povo italiano”.

Embora seu partido seja pouco conhecido, sua campanha pessoal em defesa dos direitos dos presos tem ganhado destaque na mídia.


Meloni sob pressão
O problema da superlotação carcerária na Itália não é novo — o país já foi condenado em 2013 pela Corte Europeia de Direitos Humanos pelas condições desumanas em suas prisões —, mas a situação não tem melhorado. O presidente Sergio Mattarella classificou recentemente a onda de suicídios como “uma verdadeira emergência social”.

No fim de julho, o governo voltou a prometer enfrentar o problema construindo mais prisões e reduzindo a burocracia para liberar presos.

Mas, segundo críticos, isso não resolve o problema no curto prazo, especialmente considerando que o foco principal do governo de direita de Meloni tem sido prender mais pessoas.

“Nunca vi ninguém resolver a superlotação carcerária encarcerando ainda mais”, disse Riccardo Magi, deputado do partido liberal Mais Europa e ativista pelos direitos dos presos, que defende a libertação imediata de alguns detentos e o uso de penas alternativas.

“Gianni Alemanno sempre foi um adversário político para mim. Mas, sem dúvida, a mensagem de suas cartas é forte, justamente por vir de um político da direita que está vivendo na pele os efeitos da ilegalidade do sistema prisional italiano”, afirmou Magi.

O apelo de Alemanno ao menos tem surtido efeito em alguns aliados de Meloni, como o presidente do Senado, Ignazio La Russa.

Também pós-fascista e amigo de Alemanno, La Russa apoia a ideia de um projeto emergencial que permita que alguns presos cumpram o fim da pena fora da prisão — medida semelhante à adotada durante a pandemia da COVID-19.

Por enquanto, no entanto, apesar das cartas de Alemanno, o governo não tomou nenhuma medida urgente para reduzir a superlotação.

“Não é uma questão de esquerda ou direita”, afirmou o advogado Albertario. “Se preocupar com presos não traz votos.”

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