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A arte pode ser uma ferramenta antifascista?
Cultura e Esporte

A arte pode ser uma ferramenta antifascista?

O Surrealismo foi uma reação ao fascismo ou mesmo o seu antítese radical? Como a arte responde hoje a tendências políticas bizarras? Conversamos com Adrian Djukić, que, em colaboração com Stephanie Weber e Karin Althaus, curou a exposição “But Live Here? No, Thanks.” no Lenbachhaus

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Via Zeitgeister

Tempo de leitura: 7 minutos.

Sr. Djukić, o Surrealismo é amplamente considerado um dos movimentos artísticos mais radicais do século XX. Por que isso?

Isso se deve, em grande parte, à época em que o Surrealismo surgiu, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Alguns de seus membros fundadores haviam lutado na Primeira Guerra e ficaram repugnados com a ideia de representar um país. Os surrealistas sabiam que a sociedade como um todo precisava mudar se o mundo quisesse evitar mergulhar novamente em guerra. Eles estavam bem informados sobre os acontecimentos políticos da época, mas também amplamente letrados em filosofia, e acreditavam que apenas uma revolução radical poderia resolver os problemas que já se acumulavam novamente em grande escala.
Uma prova adicional de seu radicalismo foi vista em sua tentativa de transformar a arte, que aos seus olhos havia falhado. Ao mesmo tempo, tomaram posições políticas claras: anticolonialismo, anticapitalismo e internacionalismo foram posições explicitamente articuladas já na década de 1920. Em resumo, eram demandas realmente extremas.

O Surrealismo enfatiza o bizarro, o onírico e o inconsciente. Como isso se manifestava exatamente?

O Iluminismo foi visto como um fracasso, já que crimes continuavam a ser cometidos, países eram subjugados e guerras eram travadas em nome do chamado bom senso. Os surrealistas rejeitaram decisivamente a realidade. Ao abraçar sonhos, o inconsciente e o grotesco, introduziram categorias que permitiam uma visão mais ampla dessa realidade. Sonhos e prática artística deveriam influenciar a realidade, criando reinos mais ricos e excitantes de imaginação.

Na prática, isso tomou várias formas: surrealistas registravam seus sonhos, às vezes compartilhando-os em revistas. Experimentavam técnicas que reduziam seu controle sobre as imagens – queimando negativos, usando múltiplas exposições ou aplicando cola em placas fotográficas. Seu trabalho era muitas vezes experimental e baseava-se no princípio do collage para criar justaposições surpreendentes. Para eles, o sonho não era tanto uma fuga, mas um meio de exercer pressão sobre um mundo definido por objetivos utilitários e exploração.

Desde o Renascimento, o termo “bizarro” descreve fenômenos que desafiam a ordem do mundo – sejam estados psicológicos e sonhos, ou ideias ousadas e criações engenhosas. Qual foi o papel do bizarro no Surrealismo?

Foi extremamente importante. O Surrealismo começou como um movimento literário, mas logo permeou todas as áreas das artes visuais. Apareceu como uma representação de um mundo de algum modo estranho, ou como uma estratégia estética para desafiar a ordem da realidade através de combinações inéditas de elementos existentes. A realidade era, assim, cruzada com o inesperado – fenômeno particularmente evidente na fotografia surrealista.

Os efeitos bizarros ou grotescos mais valorizados pelos surrealistas criavam paradoxos e ambivalências. A arte não era boa nem má, mas possuía sua própria qualidade distinta. Isso também era visto por muitos deles como uma ferramenta antifascista, um meio de resistir a um mundo que se tornara demasiadamente restrito.

Havia artistas que tornaram o bizarro central em seu trabalho?

É difícil destacar artistas individuais, mas um exemplo é o pintor cubano Wifredo Lam, que lutou contra o fascismo de Franco na Guerra Civil Espanhola. Quando fugiu da Europa em um navio em 1941, desenhou figuras que não eram humanas, nem animais, nem plantas – mas eram tudo isso ao mesmo tempo. Outro exemplo é a equipe editorial da revista Tropiques na Martinica, onde Suzanne Césaire e René Ménil trabalharam com interseções temáticas. Eles não estavam interessados em pureza cultural, mas em forjar conexões inovadoras entre diferentes formas de pensar e abordagens estéticas.

Talvez o auge do bizarro tenha sido alcançado nos escritos de Aimé Césaire, pioneiro do movimento de libertação negra, cofundador da revista e também ligado de perto ao Surrealismo. Ele inverteu a ideia: o bizarro é o próprio mundo, não alguma forma exótica de arte. Isso se torna particularmente evidente no colonialismo, uma forma de barbárie que, em primeiro lugar, desumaniza o colonizador, brutalizando-o e diminuindo-o.

Surrealistas como André Breton e Max Ernst viam sua arte não apenas como um experimento, mas também como uma forma de resistência contra a racionalidade e sistemas autoritários. Regimes fascistas, em contraste, dependiam de ordem, clareza e disciplina. O Surrealismo foi, então, a antítese do fascismo?

Em seus ideais fundamentais, o Surrealismo foi inequivocamente antifascista desde o início. No entanto, alguns surrealistas chegaram a flertar com o fascismo; o irracional, infelizmente, pode se encaixar confortavelmente no fascismo. Entretanto, os inúmeros artigos, panfletos, revistas e biografias que documentam como artistas se esconderam uns aos outros da Gestapo em apartamentos privados, forjaram passaportes, lutaram na Résistance e construíram redes internacionais de solidariedade falam claramente das convicções centrais do movimento.

Muito esforço também foi dedicado a analisar o fascismo para combatê-lo mais efetivamente. Junto aos atos de resistência, surgiu um senso de humor anti-autoritário – que ainda faz as tentativas da extrema direita atual de parecer espirituosa ou descolada parecerem completamente ridículas.

Podemos descrever o Surrealismo como um movimento artístico antifascista por subverter o normal e o convencional? Mais especificamente, onde o fascismo busca impor conformidade, o Surrealismo celebra a deviação, o inconsciente, o “selvagem”?

Isso certamente foi verdade por muito tempo, e o Surrealismo foi muito bem-sucedido em identificar o que era normal e convencional e, portanto, precisava ser desafiado. Esse não-conformismo foi cuidadosamente cultivado através de intensos debates entre seus membros. Em resumo: os surrealistas buscavam realizar uma forma de individualismo que se desviasse da norma, enquanto abraçavam simultaneamente um sentido maior de coletividade.

Na década de 1960, entretanto, já lhes estava claro que meras deviações da norma não seriam mais suficientes, já que essas estratégias também haviam se tornado, em parte, sistêmicas. Até hoje, a extrema direita explora prontamente o “selvagem” – embora sob termos autoritários – de modo que, em muitos aspectos, o Surrealismo foi superado pelo lado errado.

Como a arte hoje responde a novas tendências autoritárias ou aparentemente “bizarras”?

Gostaria de inverter a pergunta e abordá-la a partir da perspectiva do Surrealismo. Para os surrealistas, a arte nunca teve a intenção de simplesmente comentar eventos atuais – você não veria uma pintura com a inscrição “Sou contra a guerra”. Tais gestos eram vistos como diminuindo o potencial da arte. Em vez disso, a arte deveria criar algo inteiramente próprio – talvez perturbador, mas sempre intenso. Isso, no entanto, não impedia os artistas de se envolverem ativamente na vida política. Hoje, em contraste, vejo uma arte que muitas vezes apenas reage a acontecimentos, traduzindo declarações políticas diretamente em obras.

O que o passado antifascista do Surrealismo pode nos ensinar hoje?

A filósofa Elisabeth Lenk colocou assim: ao ligar teoria crítica à prática surrealista, os surrealistas conseguiram dar à política uma nova dimensão. Mesmo nas circunstâncias mais adversas, eles se elevaram acima de tudo, criando arte juntos nos campos e realizando exposições em copas de árvores enquanto aguardavam permissões de saída. Vemos um retrato fotográfico de Claude Cahun, ousadamente segurando uma águia nazista entre os dentes, após uma sentença de morte, felizmente, não ter sido executada. A superioridade dos surrealistas não dependia do favor dos autoritários. Essa abordagem em múltiplas camadas às vezes falta hoje. Mas ainda podemos aprender com sua combinação de rigor intelectual, audácia e humor.

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