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St. Pauli, o clube que se instituiu como um símbolo gay e libertário
Cultura e Esporte

St. Pauli, o clube que se instituiu como um símbolo gay e libertário

O alemão St. Pauli é um dos principais clubes de futebol notadamente antifascistas no mundo.

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Melhor argumento original – Dava um filme, evidentemente. Pelo menos um filme político de combate “ao racismo, ao sexismo, à homofobia e ao fascismo”, os supremos inimigos do clube. Ou mesmo de proteção dos direitos de “punks, prostitutas, gays e anarquistas”, aqueles que alguns adversários fazem questão de identificar como os seus supremos amigos

“O FC St. Pauli promove um modo de vida e é um símbolo da autenticidade desportiva, o que permite às pessoas identificarem-se com ele independentemente dos seus resultados em campo.” “A tolerância e o respeito nas relações humanas são pilares importantes da filosofia do St. Pauli.” “O FC St. Pauli continuará a ser um bom anfitrião, garantindo todos os direitos aos seus visitantes e esperando ser recebido por eles da mesma maneira.” São apenas alguns pontos da Carta de Princípios (ou Leitlinien) do oficialmente chamado Fußball-Club Sankt Pauli von 1910, atualmente na segunda divisão alemã (a 2. Fußball-Bundesliga) mas em luta por regressar à primeira.

Em 2006, o St. Pauli organizou uma FIFI Wild Cup (trocadilho com FIFA World Cup) em que participaram autoproclamadas “nações subjugadas”, como Gronelândia, Tibete e Zanzibar. Ele próprio participou como “República de St. Pauli”

O documento foi aprovado em 2009, na reta final da presidência do célebre Cornelius “Corny” Littman, empresário de teatro e membro declarado da comunidade gay de Hamburgo, e choca não apenas com as práticas em vigor, mas com os próprios princípios declarados na e da maior parte dos clubes de futebol da Europa e do mundo. A verdade, porém, é que a singularidade da agremiação alemã vai muito além dos ditos princípios, e talvez não deva estranhar-se que a afluência ao Millerntor-Stadion esteja novamente em expansão, depois de Oke Göttlich, ex-jornalista e atual presidente da Direção – um homem que se desloca de bicicleta e pede boleia aos adeptos para ir assistir aos jogos fora de casa – lhe ter recuperado as finanças e o ânimo.

Dava um filme, evidentemente. Pelo menos um filme político de combate “ao racismo, ao sexismo, à homofobia e ao fascismo”, os supremos inimigos do clube. Ou mesmo de proteção dos direitos de “punks, prostitutas, gays e anarquistas”, aqueles que alguns adversários fazem questão de identificar como os seus supremos amigos. E porque não? A Carta de Princípios é clara: “Não existem adeptos melhores ou piores. Cada um pode dar expressão à sua paixão como lhe aprouver, desde que isso não colida com os princípios expostos.” E,já agora, a tradição também é: supremos ou não, os punks, as prostitutas, os gays e os anarquistas têm, frequentemente, sido amigos do clube.

As razões começaram por ser geográficas e de oportunidade, mas entretanto tornaram-se históricas também. Criado em 1910, o St. Pauli cresceu à sombra do maior clube da cidade, o Hamburger SV (conhecido entre nós por Hamburgo), ainda não há muitas décadas vencedor nas competições europeias. Por um lado, consolidado o capitalismo do pós-II Guerra Mundial, a sua posição na hierarquia do futebol alemão foi perdendo fulgor. Por outro, o facto de estar instalado junto às docas, no coração do bairro mais fixe da cidade – um bairro da classe trabalhadora que se fez epicentro da noite da região e meca para músicos, pintores e escritores de toda a Alemanha -, permitia-lhe abrir horizontes.

A ideia original partiu de Doc Mabuse, músico e cantor punk. Estávamos “algures entre 1980 e 1983” quando Mabuse roubou uma bandeira pendurada numa loja e decidiu ir com ela apoiar um jogo da equipa. A bandeira, a internacionalmente chamada Jolly Roger, tinha uma caveira e uns ossos cruzados e pretendia homenagear o mais famoso pirata da história da Alemanha, nascido precisamente em Hamburgo: Klaus Störtebeker. A ideia demorou a pegar, mas no final da década já eram centenas os adeptos com bandeiras de pirata ao ombro, reclamando para o St. Pauli o papel de opositor ao Hamburgo e às suas alegadas relações com a extrema-direita. E, de então para cá, nunca mais parou de consolidar-se.

Evidentemente, o percurso teve percalços. Foram especialmente frustrantes os anos que, sob o comando de Corny Littman (presidente de 2002 a 2010), o clube teve de passar na terceira divisão (de 2003 a 2007). Mas isso fazia parte de um processo e, paradoxalmente ou não, a afluência ao Millerntor-Stadion continuou a subir. Seguida nos anos 1980 por cerca de 1500 pessoas num jogo normal em casa, ainda antes da última promoção à Bundesliga, em 2010, a equipa do St. Pauli era frequentemente acompanhada por 20 mil pessoas que enchiam por completo o recinto doméstico. Só depois do último lugar na primeira divisão, em 2010/11, os ânimos abrandaram um pouco, à espera da recuperação de Oke Göttlich.

Hoje, são três as bandeiras no topo da sede: uma do próprio clube, outra relativa às iniciativas de crowdfunding para o apoio às famílias mais carenciadas da cidade e a terceira com as mesmas cores do arco-íris que costumamos ver desfilar em paradas gay. O St. Pauli pratica cerca de dezena e meia de modalidades e não tem problemas em assumir que o futebol é a sua principal aposta. Mais: atrás apenas do Hamburgo, o velho rival com que divide o Derby (assim chamado, com letra maiúscula) que prende as atenções da cidade, é desde já um forte candidato à Bundesliga 2019/20. Mas continua a dizer que prefere perder um jogo, até um campeonato, a comprometer os seus valores.

O futebol – insistem os adeptos – é mais do que um jogo. E cada clube, já agora, uma possibilidade de alternativa para aqueles que se desiludiram com a ganância, a fama fácil e o vazio do desporto contemporâneo.

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