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Grã Bretanha: Resistir à extrema direita significa recuperar o “Bem Viver”
Extrema Direita

Grã Bretanha: Resistir à extrema direita significa recuperar o “Bem Viver”

A ameaça representada pelo neofascista Nigel Farage tensiona o cenário político no país

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Tempo de leitura: 7 minutos.

Nas últimas semanas, o ímpeto por trás do Reform cresceu um pouco mais. Em duas eleições suplementares para o conselho, em Lichfield e Torfaen, o partido de Farage elegeu conselheiros, e, em uma pesquisa da JL Partners, sua legenda está projetada para conquistar 102 assentos – um resultado que derrubaria quase um terço do gabinete trabalhista. Em uma pesquisa recente encomendada pela Find Out Now, o Reform não apenas lidera a pesquisa (o terceiro exemplo desse tipo de resultado), como também está projetado para obter maioria. A metodologia da empresa de pesquisa se destaca de outros modelos de votação, pois primeiro pergunta aos entrevistados se eles provavelmente votarão antes de coletar sua intenção de voto. Esses desenvolvimentos devem nos fazer refletir sobre a reorganização fundamental em andamento na política britânica.

A composição eleitoral do país pode estar passando por uma transformação sem precedentes desde a expansão do sufrágio em 1922, quando o recém-nascido Partido Trabalhista superou os liberais. Mas, em vez de uma reorganização da política nacional impulsionada pelo crescimento do eleitorado, essa mudança é facilitada pela baixa participação eleitoral. A possibilidade de um partido político de extrema-direita insurgente e bem-sucedido ter um reservatório de eleitores desiludidos para tentar atrair é um fenômeno que deveria nos levar à ação.

A esquerda tem sido complacente por tempo demais, e nossas fraquezas estão à vista de todos. Em muitos casos, evitamos utilizar efetivamente um antirracismo de classe, afastando-nos da política de classe para manter alianças institucionais antirracistas locais, ao mesmo tempo em que nos distanciamos do antirracismo em outros contextos por medo de alienar as pessoas. Até nos enganamos ao pensar que simplesmente derrotar a extrema-direita nas ruas implicava sua derrocada política em geral. Quando não caíamos nessa falsa ilusão, ficávamos paralisados, sem saber como romper o ciclo entre o racismo estatal crescente e a hostilidade popular contra migrantes, refugiados e minorias étnicas – algo sobre o qual já escrevi antes. Os partidos explicitamente fascistas podem não ter conseguido uma grande virada, mas a ecologia entre racialização estatal, hostilidade da mídia e agitação da extrema-direita criou um terreno fértil para o “Faragismo” expandir a janela de Overton e se beneficiar do colapso da base eleitoral conservadora e de um governo trabalhista disfuncional. Esse processo de normalização não aconteceu discretamente, mas diante dos nossos olhos, desde a hostilidade de Blair em relação aos solicitantes de asilo e sua campanha agressiva contra comunidades muçulmanas até o Brexit e o papel do UKIP como uma esteira transportadora para radicalizar eleitores trabalhistas e transformá-los em munição dos conservadores. Agora, precisamos encarar a realidade e lidar com a direita “Faragista” no momento em que ela se descolou da excepcionalidade.

Nenhum lugar reflete melhor esse processo de normalização do que a reavaliação em curso dentro da liderança do Partido Trabalhista. Em um recente retiro do partido, Keir Starmer criticou seus colegas por hesitarem em adotar uma posição mais dura sobre o sistema de fronteiras britânico, sugerindo fortemente que deseja emular características do trumpismo para derrotar seu equivalente britânico. Nesse espírito, o Partido Trabalhista divulgou um vídeo na segunda-feira exibindo suas deportações de solicitantes de asilo, com a Ministra do Interior, Yvette Cooper, se gabando de que 19.000 indivíduos foram expulsos do país. Isso veio acompanhado de propagandas trabalhistas, usando as cores do Reform (e isso não é uma metáfora), vangloriando-se de que “o Partido Trabalhista atinge um recorde de cinco anos em remoções de migrantes”. Segundo o The Times, o governo agora se orgulha de que o retorno de pessoas sem direito de permanecer no Reino Unido aumentou 20%, as deportações de prisioneiros aumentaram mais de 30% e as batidas contra trabalhadores ilegais subiram 23%. Além disso, foi revelado que Morgan McSweeney achou o discurso de posse de Donald Trump “impressionante de certa forma”, reacendendo sua paixão pela política racial comunitária do Blue Labour. O Chefe de Gabinete de Downing Street está cada vez mais atraído pela ideia de que o Partido Trabalhista deve adotar a retórica de Maurice Glasman para conter Farage.

Em uma matéria exclusiva do The Times com Gabriel Pogrund e Patrick Maguire, autores de um novo livro sobre o Partido Trabalhista sob a liderança de Keir Starmer, o Primeiro-Ministro é comparado ao Docklands Light Railway (DLR), um trem sem condutor: “Keir não está dirigindo o trem. Ele acha que está, mas nós o sentamos na frente do DLR.” Essa metáfora é precisa de várias maneiras. Transportando passageiros entre Bank, Canary Wharf e City Airport, o “Starmerismo” espelha o DLR como um veículo instável para os interesses financeiros e rentistas. Expressando esses interesses sem qualquer concessão significativa aos trabalhadores, o Partido Trabalhista está colocando sua coalizão histórica em risco e perdendo eleitores de uma maneira que faria François Hollande sentir orgulho. Nesse cenário, onde racismo e nacionalismo são os prismas através dos quais o declínio é percebido, faz sentido que o “Starmerismo” se agarre à política cultural do Blue Labour para se salvar.

Impulsionado pelo surgimento de um novo grupo de parlamentares do Blue Labour, liderado pelo ex-membro do Socialist Campaign Group, Dan Carden, o debate está mudando. Defendendo políticas econômicas redistributivas, protecionismo e reindustrialização contra a imigração e a política identitária, esse é um projeto que já foi testado antes. Glasman está aparentemente de volta à moda, convidado para a posse de Trump, amigo de JD Vance e elogiado por McSweeney.

Embora seja evidente que adotar essa política antimigrante de nostalgia comunitária apenas valide o “Faragismo” e desestabilize a coalizão trabalhista (especialmente sem um compromisso simultâneo com políticas redistributivas), a esquerda internacionalista, comprometida com o igualitarismo, não pode se acomodar diante do renascimento do Blue Labour.

Dan Carden comentou que a ala parlamentar do Blue Labour está fazendo perguntas filosóficas profundas sobre “como seria a boa vida”, o que me frustra. Podemos nos confortar com a ideia de que sua visão está distante, mas, como Karl Marx alertou, revoluções tiram sua poesia do futuro. A esquerda internacionalista enfrenta um duplo problema: por um lado, a clássica afirmação trotskista de que nossa classe enfrenta uma “crise de liderança” foi superada por algo pior – uma crise de subjetividade.

O problema fundamental é que não temos uma visão convincente do que seria o Bem Viver. O “Corbynismo”, em algumas de suas políticas mais controversas, tocou nessa questão. A semana de trabalho de quatro dias, o “comunismo da banda larga” e uma empresa farmacêutica pública, embora atacados em 2019, hoje falam diretamente às realidades e ansiedades dos proletários num mundo pós-pandêmico. Contra uma concepção de futuro que quer apenas reaquecer o passado, precisamos nos perguntar se queremos uma economia industrial.

Para tornar isso realidade, nossa classe precisa romper com o realismo capitalista. Como argumentei antes, a derrota do “Corbynismo” em 2019 ocorreu porque, após anos sem conquistas significativas, o slogan “Get Brexit Done” parecia mais alcançável do que qualquer agenda social-democrata. O que a direita trumpista fez tão bem foi criar uma “comunidade imaginada e sentida”. Precisamos construir uma comunidade que identifique seus inimigos (Farage e Starmer: “duas faces da mesma moeda!”), foque em áreas estratégicas de luta e gere, por meio de projetos comunitários, uma visão concreta do Bem Viver.

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