
Os clubes da luta da extrema direita alemã
Fenômeno cresce junto com a ascensão neofascista no país
Na manhã de outubro de 2024, câmeras de segurança registraram duas figuras encapuzadas lançando coquetéis molotov contra um centro de acolhimento de refugiados em Neu-Hohenschönhausen, Berlim. Ninguém ficou ferido no ataque e os danos foram mínimos. Posteriormente, os agressores foram identificados como membros de um “Active Club” clandestino na Alemanha. Essas organizações descentralizadas combinam condicionamento físico com ideologia neonazista, transformando academias, torneios de esportes de combate e chats no Telegram em campos de radicalização.
A Alemanha está atualmente lidando com um movimento radical de extrema-direita em rápido crescimento. O partido Alternativa para a Alemanha (AfD) disparou em popularidade, tornando-se o segundo mais popular do país. Nas eleições de 2025, alcançou o melhor resultado para um partido de extrema-direita na Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial. Os crimes de ódio também aumentaram: quase 70% das 23 mil infrações politicamente motivadas em 2023 foram ligadas a extremistas de direita. Os Active Clubs representam uma vertente particularmente violenta e militante desse movimento crescente. São bem organizados e compostos predominantemente por homens jovens.
A democracia alemã enfrenta alguns dos maiores desafios das últimas décadas — incluindo duas tentativas de golpe frustradas nos últimos três anos. Nesse contexto, qual é a ameaça representada pelo movimento dos Active Clubs?
O que são os Active Clubs?
A cena contemporânea dos Active Clubs teria surgido em 2019, inspirada no Rise Above Movement (RAM) — um grupo neonazista americano de luta de rua, liderado por Rob Rundo, que usava artes marciais mistas como ferramenta de radicalização e treinamento de jovens.
Esses clubes têm como principal função preparar fisicamente os indivíduos para se defenderem em confrontos com a esquerda ou com o Estado. Também promovem um forte senso de comunidade entre os membros — um dos motivos pelos quais atraem tantos jovens.
A ênfase na melhoria pessoal e no treinamento físico fala diretamente a muitos, especialmente numa era em que os jovens em todo o mundo enfrentam níveis sem precedentes de solidão e depressão. Os Active Clubs capitalizam essa alienação e apresentam sua ideologia como alternativa à sociedade dominante.
Organizações extremistas alemãs — especialmente grupos neonazistas e ultranacionalistas como O Terceiro Caminho e o Partido Nacional Democrata (NPD) — começaram a adotar o modelo dos Active Clubs por volta de 2021–2022. Em 2021, uma investigação de pesquisadores antifascistas revelou um canal de Telegram chamado “Kampfgeist Deutschland” (“Espírito de Luta Alemanha”), usado por diferentes Active Clubs para coordenar atividades. Mensagens vazadas mostraram organizadores discutindo os clubes como uma “solução descentralizada” para escapar da vigilância. Atividades como administrar uma academia de boxe ou fazer trilhas com amigos têm legalidade ambígua e são difíceis de policiar.
O movimento cresceu mais rapidamente no leste da Alemanha, especialmente na Saxônia, Brandemburgo e Berlim, onde a extrema-direita já era forte e havia uma cena neonazista muito ativa.
A agência de inteligência interna alemã, o Bundesamt für Verfassungsschutz (BfV), relatou em 2022 que círculos extremistas de direita estavam migrando para células menores e descentralizadas, mencionando os Active Clubs como uma preocupação crescente.
Raízes culturais
A fusão entre condicionamento físico e ideologia de extrema-direita tem raízes históricas profundas na Alemanha. Durante o regime nazista, havia um grande foco em atletismo e treinamento de combate como forma de demonstrar suposta superioridade racial. Os Active Clubs de hoje exploram esse legado, vendo-se como a última vanguarda física na “defesa” da cultura europeia.
Um dos pilares ideológicos dos Active Clubs é a crença em uma “crise da masculinidade europeia”. Segundo eles, a sociedade moderna emasculou os jovens e os afastou dos valores tradicionais. Esse discurso ressoa com jovens desiludidos com a vida contemporânea. É assim que muitos jovens (quase sempre homens) são atraídos para um estilo de vida centrado em força física e senso de propósito.
A propaganda de extrema-direita explora ansiedades modernas e apresenta os valores dos Active Clubs como antídoto natural à alienação. Através de sua mensagem, oferecem uma alternativa disciplinada à sociedade moderna. Seus números continuam a crescer enquanto promovem a ideia de que a modernidade e o multiculturalismo enfraqueceram a identidade europeia.
Crescimento rápido dos Active Clubs (2022–Presente)
Grupos de extrema-direita na Alemanha usam Telegram, Gab e Wire para disseminar propaganda e expandir redes. A pandemia da COVID-19 ofereceu uma oportunidade de recrutamento significativa, pois o isolamento e a proliferação de teorias da conspiração criaram terreno fértil para a radicalização.
Com o fim dos confinamentos, os Active Clubs em Berlim e Leipzig intensificaram seus esforços de recrutamento. Uma via de entrada tem sido festivais de música da direita e torneios de MMA. Um dos grupos mais notórios a emergir nesse período foi o “Schwarze Fauste” (“Punhos Negros”), em Berlim, com foco em ideologia anti-imigrante e antissemita. Seus membros já organizaram diversas manifestações pequenas sob o lema “Não ao Grande Substituição” — teoria da conspiração amplamente difundida na extrema-direita que alega que europeus brancos estão sendo sistematicamente substituídos por imigrantes.
Em uma entrevista de 2024 à Der Spiegel, um ex-membro de Active Club, identificado como Lukas, descreveu sua experiência:
“No começo, parecia que éramos apenas um grupo de caras tentando melhorar. Depois começaram a falar sobre quem eram nossos verdadeiros inimigos — e tudo mudou.”
Torneios de MMA da extrema-direita, como o “Kampf der Nibelungen”, tornaram-se pontos chave para o recrutamento de Active Clubs, frequentados por simpatizantes da extrema-direita com interesse em esportes de combate — o terreno ideal para essas redes.
Extremistas também replicaram o modelo em outros esportes, como no clube de futebol Blau-Weiss Lindenau, na Brandemburgo, controlado pelo conhecido neonazista Sebastian Raack, que também tem um selo musical e marca de roupas de extrema-direita. Desde 2016, ele usa o clube para realizar eventos comunitários e expandir redes locais da extrema-direita. Jogadores com tatuagens neonazistas públicas chegaram a atuar pela equipe, gerando forte crítica. O clube segue o manual dos Active Clubs ao usar o esporte como meio de recrutamento e fortalecimento das redes extremistas.
Incidentes notáveis
Em 2022, um canal do Telegram chamado “Wolfschaar”, ligado a um Active Club em Brandemburgo, publicou vídeos de membros treinando — não em artes marciais tradicionais, mas em táticas de combate de rua e luta com facas, evidenciando o objetivo real desses grupos: preparação para confronto violento.
Em 2024, dois membros foram presos pelo atentado incendiário ao centro de refugiados em Neu-Hohenschönhausen. Buscas em suas casas revelaram literatura neonazista e explosivos caseiros — evidência clara de que muitos desses clubes planejam atos de terrorismo real.
Uma semana após o ataque, 150 extremistas de direita, muitos ligados a Active Clubs, marcharam mascarados pelas ruas de Marzahn, gritando “Defendam Nossa Nação.” O ato terminou em confrontos com antifascistas. A polícia de Berlim prendeu 39 pessoas, algumas portando facas, bastões e soqueiras.
Um mês antes, uma reunião estratégica da extrema-direita havia ocorrido em Turíngia, organizada pelo grupo MetaPol. Líderes neonazistas, representantes de Active Clubs e membros da AfD discutiram estratégias para desestabilizar a democracia, inclusive o papel dos Active Clubs na escalada da violência nas ruas.
Active Clubs alemães também formaram alianças com grupos extremistas do exterior, como o White Rex da Rússia e o Rise Above Movement dos EUA. Essas conexões nascem de eventos presenciais como clubes de luta sem regras e torneios de MMA da extrema-direita. Em 2023, membros de Active Clubs de Berlim viajaram à Hungria para treinar com um grupo paramilitar, gerando indignação nacional e investigações policiais.
Resposta do governo e da sociedade civil
A agência BfV classificou os Active Clubs como “uma nova ameaça híbrida.” Em 2024, alertou: “Esses grupos são difíceis de detectar, mas extremamente perigosos.” Por não serem organizações formais, e sim redes soltas, são muito mais difíceis de monitorar do que grupos extremistas tradicionais.
Grupos antifascistas independentes têm liderado os esforços de rastreamento e denúncia. Organizações como Antifa Berlin e Antifa-Nordost vêm monitorando e divulgando informações sobre os Active Clubs, chegando a publicar nomes, fotos e locais de treinamento. A ideia é dissuadir possíveis simpatizantes, mas isso também intensificou os confrontos. Em 2024, membros do grupo O Terceiro Caminho atacaram antifascistas na estação Ostkreuz em Berlim, deixando três feridos.
O Ministério do Interior aumentou o financiamento para programas de combate ao extremismo, buscando oferecer alternativas a jovens em risco. No entanto, muitos consideram os esforços insuficientes, já que os Active Clubs continuam crescendo com pouca interferência das autoridades.
Até que o Estado e a sociedade civil encontrem formas eficazes de enfrentamento — por meio de inteligência, ação legal e esforços de base — os Active Clubs continuarão a se expandir. Essas redes são resilientes e encontram um terreno fértil na Alemanha de 2025, com o avanço das ideias da extrema-direita, como demonstrado pelos resultados eleitorais mais recentes.