Via Nueva Sociedad
Os eurodeputados da Identidade e Democracia (ID) foram ofuscados durante a maior parte da legislatura europeia que começou em 2019. A ascensão de Giorgia Meloni na Itália e de seus aliados ultraconservadores os isolou no Parlamento de Estrasburgo e os manteve à distância dos acordos políticos que fazem a máquina europeia funcionar. Mas com as eleições europeias de junho de 2024 logo ali na esquina, eles sentem que é hora da vingança: os partidos de extrema direita membros da ID, incluindo o Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen, procuraram encenar sua unidade no domingo, 3 de dezembro, em Florença, onde lançaram sua campanha para 2024 (embora, no final, sem Le Pen ou o holandês Geert Wilders).
O surpreendente sucesso do islamofóbico Wilders, um antigo aliado de Le Pen, nas eleições legislativas de 22 de novembro (23,5% dos votos para o Partido da Liberdade (PVV)) revitalizou as tropas desse setor da extrema direita. “A vitória do PVV nos diz que basta que os franceses se mobilizem para que tenhamos a chance de mudar radicalmente a maioria no Parlamento Europeu”, disse Marine Le Pen, exultante, à France Inter em 23 de novembro.
A ID espera que a vitória de Wilders – embora seja improvável que ele se torne chefe de governo por falta de aliados nessa democracia parlamentar – crie uma dinâmica no continente. Especialmente nas eleições legislativas antecipadas de 10 de março em Portugal, onde André Ventura, líder do Chega, que se diverte com a estigmatização da comunidade cigana, espera obter votos suficientes para forçar o tradicional Partido Social Democrata (PSD), de direita, a considerar a possibilidade de uma coalizão.
Em 9 de junho, também haverá eleições legislativas na Bélgica, onde o líder do Vlaams Belang [Interesse Flamengo], Tom Van Grieken, quer aproveitar o impulso dos vizinhos holandeses para melhorar ainda mais seu resultado de 2019 (18,5% no parlamento regional). Nas eleições europeias do ano que vem, o grupo ID também está apostando em um forte desempenho da Alternativa para a Alemanha (AfD), um partido que atualmente tem nove eurodeputados, mas que, de acordo com as pesquisas ainda incertas, pode ganhar muito mais.
Rivalidade no plenário
No Parlamento Europeu, a extrema direita e suas várias encarnações estão divididas em três grupos. O grupo ID, o sexto e penúltimo grupo no Parlamento Europeu, com 60 dos 705 deputados, mudou sua posição nos últimos anos: não quer mais sair da zona do euro ou da União Europeia, mas reformar a Europa por dentro, na direção de uma “união de nações europeias [orientada para] grandes projetos”, como diz Marine Le Pen.
Há também os conservadores radicais do grupo Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) (quinto grupo, com 66 deputados), que inclui o Fratelli d’Italia, o partido da pós-fascista Giorgia Meloni na Itália, o Vox, a formação neofranquista de Santiago Abascal na Espanha, e o Lei e Justiça (PiS), que acaba de sofrer uma derrota eleitoral na Polônia. Em teoria, essa direita ultraconservadora difere dos partidos do grupo ID por estar mais preocupada em governar e, para isso, não hesita em forjar alianças com a direita tradicional, como tem feito na Itália desde 2022.
Especulações recorrentes em Bruxelas e Estrasburgo sobre uma aproximação entre o Partido Popular Europeu (PPE), de direita, e o ECR, reacendidas por reuniões entre Manfred Weber, o líder alemão do PPE, e Giorgia Meloni ao longo de 2023, concentraram-se no Parlamento Europeu na segunda metade da legislatura. Nos últimos meses, a posição do ECR tem sido muitas vezes decisiva na formação de maiorias, mesmo quando se trata de torpedear textos, como o Pacto Verde Europeu. Por outro lado, ainda existe um cordão sanitário, embora enfraquecido, em relação aos partidos membros da ID.
Por fim, do lado dos não-inscritos, há os eurodeputados que ainda não encontraram um grupo, como os eurodeputados do partido ultrafrancês Reconquête, de Eric Zemmour (ex-ID, que sonha em aderir à ECR em 2024), ou do Fidesz, da Hungria (ex-PPE, que também poderia aderir à ECR, apesar da oposição, no momento, do PiS, da Polônia, preocupado com a proximidade do partido de Viktor Orbán com Moscou).
Enquanto a campanha eleitoral europeia na França provavelmente será reduzida a uma incógnita estéril (se será o Renaissance – o partido de Emmanuel Macron – ou o RN de Le Pen que estará na liderança), uma das questões fundamentais em jogo nas próximas eleições, em escala continental, diz respeito à reordenação desses três blocos de extrema direita. O ECR e o ID terão mais peso, como preveem as pesquisas? Qual dos dois grupos se beneficiará mais? Poderá haver pontes entre os dois? O que acontecerá com os não registrados?
As relações Meloni-Salvini no centro da batalha
Além de reuniões conjuntas e declarações de unidade à medida que as eleições se aproximam, a extrema direita sempre teve dificuldades para trabalhar em conjunto no Parlamento Europeu. Basicamente, ela continua dividida em questões fundamentais, como acordos de livre comércio, com o RN de Le Pen contra e a Liga de Matteo Salvini a favor. Em seus respectivos países, nem todos embarcaram na mesma estratégia de “normalização”. Marine Le Pen disse, após a vitória de Wilders, uma frase que serve como uma discreta declaração de distância: “Eles não são clones, são aliados”.
Durante toda a legislatura, essas forças demonstraram mais capacidade de obstruir debates bloqueando textos do que de ter qualquer influência real sobre a agenda atual que visa reformar a Europa na direção que desejam. A dispersão de seus representantes, divididos em dois grupos e em um banco de MEPs não-inscritos, complica ainda mais sua estratégia.
Nesse contexto, não é insignificante que o comício de domingo tenha sido realizado na cidade italiana de Florença. Afinal, a existência de dois grupos políticos de extrema direita no parlamento também se deve ao fato de Meloni (Fratelli) e Matteo Salvini (Lega) serem rivais políticos.
Mas a questão de pelo menos imaginar pontes, caso não seja possível uma reaproximação formal, está em muitas mentes. Especialmente porque em Roma, a Fratelli d’Italia, a Liga e o Forza Italia, o partido do falecido Silvio Berlusconi, agora liderado por Antonio Tajani, governam juntos, e Salvini é ministro do executivo de Meloni. Vista de Bruxelas, a Itália é, nas fileiras da extrema direita, um laboratório a ser seguido para encontrar a coalizão que liderará o Parlamento Europeu após as eleições de 2024.
“Fazemos parte de um grupo diferente e, para as eleições europeias, todos estão fazendo campanha para seu próprio partido”, alertou Matteo Salvini no início desta semana. Ele acrescentou: “O objetivo é unir toda a centro-direita europeia, que atualmente está dividida em três [referindo-se aos partidos de extrema-direita e de direita]. Não estou competindo com Meloni ou Tajani, o objetivo é nos mantermos unidos”.
As eleições parlamentares polonesas de 15 de outubro, no entanto, servem como um aviso para as forças de extrema direita que são excessivamente otimistas e preveem uma vitória certa. Em Varsóvia, uma coalizão pró-europeia liderada por Donald Tusk está prestes a encerrar o reinado de oito anos dos aliados nacional-conservadores do PiS de Meloni. Prova de que a conversa sobre a inexorável ascensão da extrema direita em todo o continente, repetida em quase todos os lugares na corrida para a campanha eleitoral europeia, está longe de ser um fato.