Via The Strategist
Nos últimos dois anos, o maior partido de extrema direita da Alemanha, a Alternativa para a Alemanha (AfD), conseguiu consolidar os inúmeros grupos dissidentes que compõem a margem nacionalista do país, há muito tempo perturbada. Desafiando sua reputação de brigas internas e frequentes mudanças de liderança, o AfD passou a ser dominado por uma única figura, Björn Höcke. Embora a corrente política dominante da Alemanha ainda trate o partido como um pária, o AfD está tentando se apresentar como uma força unida, pronta para assumir responsabilidades governamentais.
Höcke, que chefia a seção do AfD no estado da Turíngia, no leste da Alemanha, ganhou destaque como o spiritus rector da facção mais extremista do partido, conhecida como der Flügel (a ala). Esse grupo nacionalista radical – cuja retórica neonazista atraiu o escrutínio minucioso da Bundesnachrichtendienst, a agência federal de inteligência da Alemanha – foi dissolvido em 2020, e Höcke se tornou o líder de fato de uma AfD ainda mais radical.
O quanto a AfD se deslocou para a direita ficou evidente durante seu recente congresso partidário, realizado na cidade de Magdeburg, no leste da Alemanha. Além de abordar temas conhecidos, como o controle da imigração, Höcke deu novas pistas sobre a agenda do AfD em relação à União Europeia, declarando: “Esta UE deve morrer para que a verdadeira Europa possa viver”.
A declaração lembrava os slogans nazistas da década de 1930, que defendiam a destruição de um sistema antigo para permitir o surgimento de um novo e melhor. E outras figuras da AfD parecem estar de acordo com isso. O principal candidato do partido para a eleição do Parlamento Europeu no ano que vem, Maximilian Krah, disse em uma entrevista recente que a UE em sua forma atual “não é viável” e previu que uma “combinação de ruptura e reforma” provocaria seu fim.
O partido sabe como uma mudança para a direita pode ser eficaz para atrair o apoio popular. Durante a maior parte de sua existência, o AfD obteve de 9 a 14% do apoio do eleitorado nas pesquisas nacionais. No entanto, seu apoio subiu brevemente para quase 20% na época da crise migratória de 2015, quando o partido – fundado dois anos antes como um partido antieuro – exibiu sua postura anti-imigração de linha dura.
O aumento não durou muito, e o AfD voltou a ter cerca de 10% de apoio em um ano. Mas a guerra na Ucrânia – que perturbou não apenas a sensação de segurança dos alemães, mas também seu fornecimento de energia – parece ter dado outro impulso ao AfD. Antes da invasão em grande escala da Rússia no ano passado, o partido estava com apenas 11% de apoio. No entanto, no final de maio deste ano, essa parcela havia crescido para 18% e, em agosto, chegou a 21%, tornando o AfD o segundo maior partido da Alemanha, depois da União Democrata Cristã (CDU).
A questão agora é se o AfD conseguirá manter seus novos apoiadores desta vez. Até agora, o partido tem seguido a mesma cartilha de antes, capitalizando a alienação generalizada de outros partidos e concentrando-se nos pontos fracos de seus adversários em vez de em seus próprios pontos fortes. Ele está demonstrando um novo senso de unidade ao cerrar fileiras em apoio a Höcke.
Essa é uma estratégia eficaz, porque os dois principais adversários da AfD – o atual governo de coalizão e a CDU – têm muitos pontos fracos. A começar pela chamada coalizão de semáforos (Ampelkoalition), composta pelo Partido Social Democrata (SPD), pelos Verdes e pelos Democratas Livres, com Olaf Scholz do SPD como chanceler.
Operando sob a bandeira de “ousar mais progresso”, o governo lançou inúmeras iniciativas de reforma desde que assumiu o poder em dezembro de 2021. Mas também tem estado constantemente em modo de crise, devido à pandemia e à guerra na Ucrânia. E, ao enfrentar esses desafios, a administração de Scholz demonstrou uma falta de profissionalismo raramente vista em nível federal na Alemanha.
Por exemplo, reformas mal elaboradas para modernizar o setor de energia deixaram os governos estaduais, as autoridades locais, as empresas e os eleitores confusos sobre quem é responsável pelo quê, quando e a que custo. Após meses de disputas, a política foi suspensa até o outono.
Os esforços em outras áreas – como segurança nacional, assistência médica e infraestrutura – têm sido igualmente ambiciosos e pouco progressivos. E as brigas internas se tornaram a norma. Entre a inépcia do governo e a ansiedade popular mais ampla em relação ao fornecimento de energia, à economia e à segurança nacional, o AfD tem tido muito material político.
Enquanto isso, Friedrich Merz, presidente da CDU e chanceler em exercício, não conseguiu posicionar seu partido como uma alternativa viável ao governo liderado pelo SPD. A CDU também se mostrou incapaz de reconquistar os eleitores que perdeu para o AfD devido à sua posição em relação à imigração e a questões como identidade de gênero e orientação sexual. Como resultado, o apoio popular à CDU tem se mantido estável, em 28-30%, por mais de um ano.
Por sua vez, Merz fez declarações contraditórias sobre o relacionamento da CDU com o AfD, inclusive se a cooperação em nível local com autoridades eleitas do AfD deve ser permitida. Isso enfraqueceu sua posição no partido, e já estão surgindo adversários.
A AfD, por sua vez, ainda é o partido para aqueles que estão insatisfeitos com o status quo e desconfiam da política dominante, o partido que se opõe e critica, mas que representa pouco. Mas os fracassos tanto do governo quanto da oposição encorajaram seus líderes, que estão cada vez mais ávidos pelo poder à medida que seu apoio popular aumenta.
Embora o cordão sanitário político que isola o AfD ainda se mantenha, não se pode ignorar a possibilidade de que o partido possa se tornar não apenas um parceiro de coalizão, mas até mesmo um líder de coalizão. Isso pode muito bem acontecer nos próximos dois anos em vários estados do leste da Alemanha, onde o AfD já conquistou mais de 20% dos votos. De qualquer forma, a menos que a corrente política dominante da Alemanha se recomponha, será apenas uma questão de tempo até que o AfD – assim como os partidos de extrema direita na França, Itália e Suécia – seja aceito como um partido legítimo para deter o poder governamental.