Pular para o conteúdo
Chico Mendes, mártir da luta pela floresta
Antifascismo

Chico Mendes, mártir da luta pela floresta

O líder sindical dos seringueiros do Acre é lembrando até os dias de hoje como uma referência na luta ambiental

Por

Via Brasil Real é um País que Luta

Tempo de leitura: 7 minutos.

Foto: Cartas da Floresta / Reprodução

“No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade.” Essas são palavras de Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, como ficou eternizado na história dos lutadores do povo brasileiro. Nascido em 1944 no Seringal Porto Rico, em Xapuri, no Acre, Chico se deparou desde cedo com as condições precárias, a pobreza e as ameaças constantes que cercavam a vida dos seringueiros. O avanço da especulação fundiária impulsionada pela política da ditadura militar de investir pesadamente na pecuária acirrou ainda mais os conflitos pela terra, marcados pela devastação ambiental e consequentemente em uma ofensiva contra os povos da floresta.

Ainda jovem, Chico Mendes entra em contato com o marxismo, o que considerava um marco fundamental em sua trajetória de lutas, e em 1975 funda o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, ferramenta de luta nascida para organizar a resistência desses trabalhadores contra a sanha predatória e assassina do agronegócio que avançava a passos largos sobre a floresta a custo de terror e sangue, destruindo tudo o que via pelo caminho. A potência devastadora dos ruralistas, que contavam com a cumplicidade das forças policiais e do poder judiciário, tratorava as comunidades seringueiras.

Chico Mendes narra a chegada na década de 70 dos fazendeiros do sul na Amazônia, no Acre, sua região, uma localização estratégica para os pecuaristas por conta da construção da BR 317, e revela seus impactos: com os incentivos fiscais da SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), instalada em 1966, até 1975 os fazendeiros já haviam comprado seis milhões de hectares de terra onde viviam cerca de 10 mil famílias de seringueiros instalados há decadas no território. A violência com que foram expulsos daquelas terras impôs a organização como a única maneira de confrontar aqueles que em nome de “desenvolvimento” da Amazônia, propagandeada oficialmente como um deserto desabitado à parte do “progresso civilizatório”, derrubam e incendeiam a floresta, devastando a natureza e com ela as condições de vida não só dos povos tradicionais e que vivem do extrativismo, mas da humanidade como um todo.

A organização de classe desses trabalhadores e camponeses que viam suas condições de vida e trabalho destruídas pelas oligarquias rurais, sua relação com a natureza reduzida a pó pelas queimadas e derrubada pelas motosseras, que se viam condenados ao desemprego e à violência nas periferias urbanas, foi um passo fundamental para fortalecer a resistência dos seringueiros e sua auto-organização. Foi também a partir da luta contra o avanço dos ruralistas sobre seu território que seringueiros, trabalhadores da floresta, povos indígenas e camponeses diversos se colocaram lado a lado nas trincheiras para enfrentar com coragem a violência daqueles que destruindo a floresta destruíam suas vidas.

Chico Mendes tinha claro que aquela luta não se resumia às comunidades que viam sua cultura, sua relação com a natureza e seus meios de vida sendo destruídos. Era, ao contrário, uma luta de todos os trabalhadores contra a concentração de terras e sua exploração predatória que servia à acumulação de riqueza, atendendo aos interesses do capital internacional e impondo violência, pobreza e devastação. Chico compreendeu, e nisso foi precursor, que a defesa da floresta confrontava a lógica expansionista do capital, dos grandes latifúndios, da monocultura, e estava fundamentalmente  conectada à sua luta socialista, mas, sobretudo, concluiu que a perspectiva de construção de uma outra sociedade que não seja pautada pela  defesa da casa comum, que supere a exploração do trabalho e da natureza, não é capaz de dar conta dos desafios que estão colocados.

O movimento dos seringueiros batalhou ativamente contra o isolamento, enfrentando o boicote midiático operado para sustentar a narrativa oficial que, por sua vez, justificava o projeto de “desenvolvimento” levado a cabo pelo agronegócio e impulsionado pelo governo federal de devastação da floresta para a criação dos pastos de gado. Mais uma vez, aqui, nossa história se repete: a “civilização”e o “progresso” tratoram os povos tradicionais e a natureza.

Na luta pela ampliação do movimento, em 1985, aconteceu o Encontro Nacional dos Seringueiros em Brasília que fundou o Conselho Nacional dos Seringueiros, que disputava o espaço de representação dos produtores de borracha, antes referenciado no Conselho da Borracha que reunia os patrões seringalistas e não os trabalhadores. A partir daquele momento, Chico Mendes passou a ser reconhecido internacionalmente e em sua pessoa a luta dos seringueiros que traduzia uma luta maior, a luta em defesa da natureza contra a exploração patrocinada pelos grandes bancos. Foi também a partir desse processo que se construiu a Aliança dos Povos da Floresta, uma articulação entre os seringueiros, os povos indígenas e todos aquele que tinham sua cultura e sua vida ameaçadas pelos ruralistas.

Em 1988, Chico Mendes é assassinado a tiros em Xapuri, sua cidade natal, a mando do latifundiário Darci Alves Pereira. Sua morte foi mais um dos episódios da violência e do terror dos pecuaristas que eliminavam as lideranças do movimento na tentativa de coibir a luta e destruí-lo. Mas, como dizia o próprio Chico, “…não adianta mais a UDR querer matar o Chico Mendes ou um outro sindicalista lá do Acre porque hoje tem centenas, milhares de Chico Mendes e outros companheiros.” Chico se tornou uma referência na luta em defesa da Amazônia, em defesa da natureza, contra a lógica capitalista de produção e de outro futuro que não será construído em terra arrasada. O legado de sua luta, que é expressão de uma luta coletiva, é inspiração para aqueles que seguem batalhando pela superação do capitalismo como única alternativa à destruição da humanidade. A crise econômica, política, social e ambiental se aprofunda cada vez mais e o futuro se encontra na luta, na luta daqueles que resistem à lógica produtivista do capitalismo e à destruição da natureza, em defesa da floresta como condição de sua própria vida.

Referências:

1 https://jacobin.com.br/2021/12/a-heranca-de-chico-mendes/

2 Mendes, C. A luta dos povos da floresta. Geografia, pesquisa e prática social. Revista Terra Livre, São Paulo: Marco Zero, n.7, abril, 1990.

Saiba Mais

A Amazônia de Chico Mendes (Aila Rodrigues Pantoja / UFAM)

Casa de Chico Mendes e o entorno: formas de consagração e preservação do patrimônio cultural (Stélia Braga Castro / IPHAN)

Chico Mendes como vereador xapuriense (1977-1982) (Olga Brites / PUC SP)

A construção social de políticas públicas. Chico Mendes e o movimento dos seringueiros (Mary Allegretti / UFPR)

Chico Mendes e sua contribuição para a educação ambiental (Luiza Araujo Jorge de Aguiar / IFRJ)

O discurso hipermidiático sobre/de Chico Mendes: voz da floresta e cicatriz na terra (Thaís Harumi Manfré Yado / UFSCAR)

A luta dos seringueiros do Acre pela preservação da floresta ou pela posse da terra? (Jorge Luis Batista Fernandes / UNB)

Casa de Chico Mendes e o entorno: Formas de consagração e preservação do patrimônio cultural (Stélia Braga Castro / IPHAN)

Chico Mendes e a invenção do Acre contemporâneo (Raimundo Ibernon Chaves da Silva / Domínio Público)

Chico Mendes Vive: Amazônidas em defesa da vida (ISA)

Chico Mendes: 33 anos depois (Humanitas / Unisinos)

Você também pode se interessar por