
O Partido Trabalhista cede ao racismo – jogando o jogo da extrema direita
As falácias do trabalhismo inglês fortalecem os reacionários no país
Quando Keir Starmer concorreu à liderança do Partido Trabalhista em 2020, após a renúncia de Jeremy Corbyn, seu slogan era “Outro Mundo é Possível”. Era um aceno aos ideais e à esperança do movimento anticapitalista do final dos anos 1990 e início dos 2000, antes que o 11 de setembro tornasse nosso mundo mais reacionário, mais perigoso, mais cínico. Como parte de sua candidatura à liderança, para conquistar uma base que havia acabado de eleger Corbyn duas vezes, Starmer fez um discurso no qual apresentou sua visão sobre imigração: “Recebemos bem os migrantes, não os usamos como bodes expiatórios. Salários baixos, moradias precárias, serviços públicos ruins, não são culpa dos migrantes… precisamos defender os benefícios da migração”.
Música para os ouvidos da esquerda – que trava uma batalha diária contra a imprensa de direita, os fascistas e a direita política, que vivem repetindo que todos os nossos problemas são, em última instância, causados pela migração em massa.
Não é surpresa, é claro, ver Starmer recuar totalmente nessa questão diante do crescimento do voto no Reform. Starmer não tem princípios, nem espinha dorsal, nem código moral. Seu único interesse é o poder – e exercer o poder apenas para manter um status quo em colapso.
O discurso de Starmer serviu para promover o novo “white paper” sobre imigração – na prática, uma bandeira branca diante do racismo que reduziu a agenda política do Labour (Trabalhista) à do Reform. Nigel Farage teve uma performance de estadista no Parlamento, sem vanglória ou provocação, apenas reconhecendo que Starmer estava agora no caminho certo, mas poderia ir um pouco além – como declarar estado de emergência na fronteira, por exemplo. Não se surpreenda se isso acontecer antes do fim desta legislatura.
Estamos vivendo a forma mais erodida e politicamente falida de um governo trabalhista. Sem ideias ou inspiração, salvo a ridícula “banda cover” do neoliberalismo liderada por Rachel Reeves, tudo o que podem fazer é se debater enquanto suas esperanças de uma Grã-Bretanha revitalizada pelo crescimento do PIB desmoronam ao seu redor. Reportagens celebrando 0,7% de crescimento do PIB são tratadas como lampejos de esperança, num mundo em que a tendência à estagflação e ao declínio econômico só cresce.
Austeridade, austeridade e mais austeridade. Morte por mil cortes. Mas não se pode culpar as empresas sonegadoras ou os super-ricos, e certamente não se pode propor nem mesmo um retorno ao centrismo da social-democracia do pós-guerra. Tudo o que existe são mercados, empresas, riqueza e poder – e a completa subordinação de nossas vidas e comunidades a eles.
De fato, não existe algo como sociedade.
Mas existe racismo. E nacionalismo. O último refúgio dos canalhas desesperados. E há alguém mais desesperado ou escandaloso do que Sir Starmer? Atacar migrantes e refugiados se tornou tão banal que provavelmente Starmer nem pensa duas vezes. O fantasma de si mesmo em 2020 é varrido para longe – afinal, é preciso ser “realista” quando se está no poder, certo? E o realismo hoje significa transfobia e racismo – carne vermelha e sangrenta para alimentar as bocas famintas das guerras culturais.
O passado racista do Labour
Claro que isso não é novidade. O Labour rotineiramente jogou “estrangeiros” aos lobos, apesar de historicamente ter recebido muitos votos da população negra.
Em 1924, durante seu primeiro governo, um ministro trabalhista proclamou: “Estou aqui para garantir que não haverá brincadeiras com o Império Britânico”. O Labour só cedeu a Índia em 1947 por causa do sucesso do movimento anticolonial, mas garantiu a partição do país, ao custo de milhões de vidas.
O Labour se opôs à legislação anti-imigração dos Tories em 1961, que limitava o número de pessoas vindas dos países da Commonwealth, apenas para aprovar sua própria três anos depois. Harold Wilson foi claro ao dizer que o Labour “não contestava a necessidade de controle da imigração neste país”, porque, segundo ele, o “número de imigrantes com diferentes origens culturais e sociais” estava causando “dificuldades”. Isso poucos anos após os motins racistas de Notting Hill, quando jovens brancos locais atacaram negros que viviam na região.
A realidade é que a imigração sob o capitalismo é sempre ligada ao interesse dos patrões. Quando havia escassez de mão de obra após a Segunda Guerra Mundial, todos os partidos apoiaram o recrutamento de trabalhadores negros do Caribe. Já nos anos 1960, com o temor de estagnação econômica, o discurso anti-imigrante se intensificou – não só pela concorrência no mercado de trabalho, mas pela ideia de que a “cultura britânica” estava sendo diluída por estrangeiros. A ideia de que a cultura está sempre em mudança é perdida para o nacionalista, que vive de uma nostalgia falsa por um passado imaginário, impermeável a nuances e fatos.
O Labour não apenas alimenta esses preconceitos para ganhar votos – embora também faça isso. O Labour é uma máquina política para gerenciar o capitalismo; afirma inclinar a balança levemente a favor dos “trabalhadores esforçados”, embora na prática isso geralmente signifique apenas campanha eleitoral antes da dura realidade de servir aos interesses do grande capital. Como está profundamente vinculado ao capitalismo e ao Estado-nação, o partido atacará imigrantes sempre que puder se convencer de que há uma lógica econômica para isso.
A mudança chave no discurso de Starmer é que, em vez de atacar “imigrantes ilegais” e “solicitantes de asilo falsos”, o Labour agora está indo atrás da migração legal – trabalhadores e estudantes com vistos.
Diante do declínio econômico, a lógica para restringir a imigração mesmo em setores que tradicionalmente dependem de trabalhadores estrangeiros, como saúde e assistência social, baseia-se na teoria de que muitos migrantes “baratos” deprimem os salários, inibem investimentos em tecnologia e limitam a produtividade e o crescimento.
A ideia é que, se a migração barata for interrompida e os patrões britânicos forem forçados a usar trabalhadores “mais caros”, o incentivo será introduzir tecnologias para eventualmente torná-los redundantes. Isso não é um argumento pró-trabalhador, é um argumento pró-empresa, pois favorece setores “produtivos” como a manufatura (cada vez mais automatizada), em detrimento de setores menos lucrativos. Quem apoia essa repressão talvez devesse refletir melhor sobre quem realmente será beneficiado.
A resistência
A migração em massa não é a causa dos problemas na Grã-Bretanha. O que está por trás é o neoliberalismo e a austeridade de décadas, a enorme desigualdade de riqueza, o colapso do Estado de bem-estar social e do setor público, e o crescimento de ideias reacionárias que destroem comunidades. A raiz do problema é uma economia baseada na propriedade privada, com as pessoas como meros peões na criação de riqueza dos ricos.
Claro que um crescimento populacional significativo pode pressionar os serviços públicos, mas décadas de subfinanciamento ou um mercado imobiliário totalmente desregulado são as causas principais. Mas o Reform, os Tories e o Partido Trabalhista não querem enfrentar os que detêm o poder econômico e social – então atacam pessoas negras e quaisquer outras que possam servir de bola política para chutar.
Temos que ser claros: resistimos a políticas racistas e ao nacionalismo como falsas soluções para problemas muito mais profundos. Estamos unidos, enquanto classe trabalhadora, para lutar por uma vida digna para todos – e somos implacáveis contra qualquer um ou qualquer coisa que se oponha a isso.
Um movimento antirracista de massa, enraizado nas comunidades da classe trabalhadora – inclusive nos sindicatos – é essencial. Não se pode combater o Reform isoladamente, chamando-os de partido racista, pois muitas pessoas estão votando neles justamente por serem racistas, ou porque acreditam, ainda que equivocadamente, que a migração em massa está corroendo o país.
Além disso, como combater o Reform isoladamente se o Labour está adotando suas políticas? O colapso do Labour diante da agenda do Reform também levanta dúvidas sobre se “votar no Labour para barrar o Reform” é uma tática viável. A dinâmica política atual pende para a direita autoritária – e o Labour faz absolutamente parte disso. Seja ao prender ativistas climáticos, construir mais prisões, desmontar os serviços sociais, aprovar sua nova Lei de Crime e Policiamento, ou declarar guerra a refugiados e imigrantes – o Labour está no mesmo jogo que os Tories e, por extensão, o Reform.